Privataria Tucana versus FHC na Academia Brasileira de Letras

A-Privataria-Tucana

Jornalistas, intelectuais, blogueiros e professores universitários progressistas lançam hoje uma campanha para que o jornalista Amaury Ribeiro Júnior seja escolhido para a Academia Brasileira de Letras – ABL.

Amaury é funcionário da TV Record, premiado, e é autor do best-seller “A privataria tucana”, livro-reportagem denuncia irregularidades nas privatizações de empresas estatais durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do PSDB.

Ribeiro Jr. vai rivalizar com o próprio FHC, que disputa a cadeira de número 36, vaga que existe com a morte de João de Scantimburgo.

A seguir, o manifesto pró Amaury Ribeiro Jr.: Continuar lendo

Campanha de popularização do livro “A Privataria Tucana”

Livro “A Privataria Tucana” continua entre os 4 livros de não-ficção mais vendidos do Brasil, segundo Folha de S. Paulo

Livro “A Privataria Tucana” continua como o 5º livro mais vendido de não-ficção no Brasil, segundo Folha de S. Paulo de hoje

O privata FHC publicou texto hoje nos jornais em defesa de suas privatizações. Será que ele leu “A Privataria Tucana”?

Amaury Ribeiro Jr diz que pode incluir Beto Richa no “A Privataria Tucana 2”

Do Paraná Blogs

Novidades de Amaury: CD, cartilha em quadrinhos e “Privataria II”

“O pessoal do MST me pediu licença para editar uma versão do livro para as crianças e adolescentes, em forma de história em quadrinhos. É claro que eu dei a licença. E tem mais novidade. Vai sair o CD do Privataria com músicas que fiz a alguns anos e que precisam de uns ajustes”, revelou Amaury durante o debate realizado na noite de 19/01 em Curitiba.

Alguém lembrou que a privataria tucana não acabou mas continua avançando no Paraná e em outros estados através da “terceirização” da saúde e da cultura, decidida com apoio de deputados aliados do governador Beto Richa sem ouvir em nenhum momento a população. Propõe-se entregar um relatório completo do processo dessa votação, acompanhado dos nomes dos deputados e das empresas que apoiaram suas campanhas eleitorais (obtidas no TRE),  para o Amaury incluí-lo no “Privataria II”, em elaboração.

Amaury afirmou que só escreve com fatos e documentos que provem as denúncias, cabendo às entidades fazer os documentos chegarem até ele.

Os presentes quiseram saber se Amaury acha que a CPI da Privataria sai ou não sai.

“Depende da pressão popular. O livro sozinho já tem dados e informações documentais mais que suficientes”, responde Amaury que, humoradamente, completa: “Meu filho é ‘filho’ do Banestado. Foi feito em Nova Iorque por causa do Banestado. É a minha CPI e vou voltar a ela no Privataria II”.

Ao final do debate  formou-se uma fila para os autógrafos, incrivelmente organizada.

“Êita povo prá gostar de fila, sô”, brincou Amaury, pegando a caneta para autografar dezenas de exemplares.

Vendendo dez exemplares de uma vez para um dirigente da associação dos ex-funcionários do privatizado Banestado, William diz que “Curitiba lançou a ideia e o bloqueio da mídia e das redes de livrarias está sendo vencido pelos convites para as dezenas de atos iguais a este que acabamos de assistir.”

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Epílogo do livro “A Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr

Diversão de férias

Depois desta jornada pelos pântanos da política em que todos são vilões e o Brasil é a vítima, acho importante encerrar a narrativa com algumas observações. A primeira delas é que o país e suas instituições não têm o direito de continuar fazendo de conta que não viram a rapinagem organizada que devastou os bens do Estado nos anos 1990 e começo da década seguinte. E que serviu para tornar os ricos mais ricos.

Varrer a sujeira para debaixo do tapete, como se fez tantas vezes,não é mais possível. Não há tapete suficiente para acobertar tanto lixo. O Brasil, que escondeu a escravidão e ainda oculta a barbárie de suas ditaduras, não pode negar aos brasileiros a evisceração da privataria. Quem for inocente que seja inocentado, quem for culpado que expie sua culpa.

Se isso não acontecer, isto é, se a memória do saque não se tornar um patrimônio dos brasileiros, o país poderá repetir esta história, mais cedo ou mais tarde. Não é demais reparar que, na América Latina, estamos atrasados nestas providências. No México, o ex-presidente Carlos Salinas de Gortari — espécie de santo padroeiro da privataria latina — crivado de denúncias de corrupção, saltou em seu jatinho e fugiu para Nova York. Na Bolívia, após privatizaraté a água, que entregou à francesa Suez-Lyonnaise des Eaux e ànorte-americana Betchel, o “modernizador neoliberal” Gonzalo Sánchez de Lozada foi ejetado do seu trono aos gritos de “assassino”e voou para Miami.

Tripulando uma razia privatizante que liquidou até mesmo estatais que davam lucro e um processo de concentração de renda que desempregou 30% da população ativa, Carlos Menen virou sinônimo de azar. Na Argentina, as pessoas dizem “Mendéz” para não pronunciar seu nome receando uma catástrofe. No Peru, após aprovar sua segunda reeleição, Alberto Fujimori evadiu-se do país sob acusação de surrupiar US$ 15 milhões do erário e de autorizara execução de dissidentes. Condenado a 25 anos de prisão, Fujimori admitiu, depois, ter concedido propinas — “briberization”, comodiria Joseph Stiglitz — o que somou à sua pena mais alguns anos de cadeia.

Para quem entende a desigualdade social como um valor em simesmo e o Estado do Bem-Estar Social como um trambolho no caminho da realização plena do indivíduo, Salinas de Gortari, Sánchez de Losada, Menem, Fujimori e similares fizeram o que tinham que fazer. Foram flagrados — uma lástima do seu ponto devista — mas não se pode fazer maiores reparos à sua ação política em termos de coerência. Resta saber se quem interpreta o Estado Mínimo como uma perversidade inefcaz — aqui ou em qualquer outro lugar — está disposto a fazer valer sua condição cidadã e exigir da Polícia, do Fisco, do Ministério Público e da Justiça que cumpram a sua parte. Se jogar uma luz sobre este passado ainda imerso nas sombras, este livro, que termina aqui, terá cumprido a sua parte. E tudo o que houve terá valido a pena.

Viva la privatización!

Final do capítulo 8 do livro “A Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr:

Dizem que o Espanhol [Gregório Preciado, casado com uma prima de José Serra], hoje totalmente livre de dívidas, também costuma se emocionar em festas ao lembrar do apoio que sempre recebeu no país. “Viva el Brasil”, costuma brindar Preciado. “Viva la privatización”, emendam seus inimigos.

Parte do capítulo 5 do livro “A Privataria Tucana” de Amaury Ribeiro Jr: Vale do Rio Doce

Para Ricardo Sérgio, a vida muda para valer quando Clóvis Carvalho, futuro ministro da Casa Civil, apresenta-o a José Serra e Fernando Henrique Cardoso. É o ponto zero a partir do qual principia a construir sua saga de coletor de contribuições milionárias para o PSDB. Corria o ano de 1990 e Serra, candidato a deputado federal, estava com dificuldades para levantar dinheiro para a campanha. Ricardo Sérgio era o homem certo. Virou tesoureiro, papel de que também se incumbiria em 1994, na eleição de Serra ao Senado. Para Fernando Henrique, arrecadou dinheiro nas campanhas presidenciais de 1994 e 1998.

Sob FHC, o caixa de campanha, que já lidava com poderosos cifrões, passou a manusear quantias espetaculares. Mais ainda após sua indicação — por Serra — para dirigir a área internacional do Banco do Brasil. Desde o seu gabinete, articularia a sucção dos recursos dos fundos de pensão estatais — Previ, Petros, entre outros — para a ciranda das privatizações. Era o homem de Serra quem orquestrava a montagem de grupos para disputar os leilõese garantia o aporte do dinheiro do BB e dos fundos para cada consórcio. Nesta modalidade dois-em-um da privataria, o dinheiro público fnanciava a alienação das empresas públicas. Leiloadas as estatais, a gratidão expressava-se zelosamente nas campanhas eleitorais do PSDB.

(…)

A proximidade entre Jereissati e Ricardo Sérgio ficaria mais evidente em 1998, ano notável em que todo o sistema de telefonia do Brasil, a Telebrás, é vendido por pouco mais de R$ 22 bilhões. É uma quantia tão impressionante quanto aquela que a União investira na Telebrás nos dois anos e meio anteriores à privatização: R$ 21 bilhões. Na oportunidade, o negócio foi vendido pela imprensa hegemônica aos seus leitores como algo maravilhoso para o Brasil e os brasileiros. Hoje, mesmo alguns tucanos desconfam — ou têm certeza — que não foi nada disso. “Só um bobo dá a estrangeiros serviços públicos como as telefonias fixa e móvel”*, opinou o ex-ministrode FHC, Luiz Carlos Bresser Pereira. Um bobo ou um esperto… *“O menino tolo”, artigo de Bresser Pereira, Folha de S. Paulo, em 18/07/2010. Ministro da Fazendano governo José Sarney, Bresser Pereira foi titular das pastas de Administração Federal e Reforma do Estado e de Ciência e Tecnologia nos dois governos FHC. É um dos fundadores do PSDB.

(…)

Dois ministros de FHC — Mendonça de Barros, das Comunicações; e Paulo Renato de Souza, da Educação — em diferentes ocasiões, ouviram o empresário Benjamin Steinbruch queixar-se de ter de pagar comissão a Ricardo Sérgio em troca da sua expertise na operação que resultou na venda da Companhia Vale do Rio Doce.

O controle acionário da Vale foi vendido em maio de 1997, com direito a financiamento oficial subsidiado aos compradores e uso de moedas podres… Custou a bagatela de US$ 3,3 bilhões. Hoje, o mercado lhe atribui preço 60 vezes maior, ou seja, rondando os US$ 200 bilhões. A companhia foi privatizada de forma perversa, atribuindo-se valor zero às suas imensas reservas de minério de ferro, capazes de suprir a demanda mundial por 400 anos. Além disso, a matéria-prima registrou elevação substancial de preço na primeira década do século 21.

Diretor do grupo Vicunha, Steinbruch arrematou a Vale por meio do consórcio Brasil, que contava ainda com o Bradesco e a valiosíssima presença da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB, dono de um patrimônio de R$ 37 bilhões. A ajuda de Ricardo Sérgio foi essencial no aporte da Previ ao consórcio de Steinbruch.

Charge: Beto Richa recomenda o presente de Natal ideal, o livro “A Privataria Tucana”

Um espetáculo o capítulo 3 do “A Privataria Tucana”, sobre as privatizações da era FHC

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Por Amaury Ribeiro Jr

Não é um riso aberto, caricatural, mas um sorriso quase íntimo, derramado para dentro. Observa-se um repuxar dos lábios,que expõem os dentes e esgarçam a pele das bochechas e do pescoço.É uma composição introspectiva, coadjuvada pelos olhos baixos, es-preitando o martelo em sua descida vigorosa conduzido por sua mãodireita. Quando se ouve o som da madeira contra a madeira, maisuma empresa pública foi vendida. A mão, a face e o sorriso perten-cem a José Serra. A Light do Rio pertencia à Eletrobrás. Na foto histórica, os gestos e as emoções estão congelados, mas o patrimôniopúblico moveu-se: passou a ser privado.

O leilão, no dia 21 de maio de 1996, dava continuidade ao programa federal de desestatização. Fernando Henrique Cardoso deflagrara o programa em 1995. Estreou com a venda da Excelsa,a companhia de eletricidade do Espírito Santo. E a mão de Serra também brandiu o martelo.

Nenhum político, mesmo os que privatizaram ou pretendemprivatizar, recebe de bom grado a fama de privatizador. Mas, nos anos 1990, o que hoje é estigma era então condição inexorável paraser aceito na modernidade. O discurso tucano, hoje omisso quantoao passado, possuía a arrogância dos donos da verdade. Mas estátudo registrado.

As lamúrias da revista Veja (edição de 03/05/1995) quanto à lentidão na venda das estatais receberam uma resposta rápida e reconfortante. O ministro José Serra, do Planejamento, anunciou “um ritmo mais veloz navenda das estatais” e encaixou as empresas de energia elétrica nalista das privatizáveis — prometeu e cumpriu, vibrando ele pró-prio o martelo na Excelsa, no mesmo ano, e na Light, no ano seguinte. E o presidente FHC expressou-se com tal ênfase que merece um parágrafo inteiro:

— É preciso dizer sempre e em todo lugar que este governo não retarda privatização, não é contra nenhuma privatização e vai vender tudo o que der para vender.

Em 1996, a Companhia Vale do Rio Doce estava na relação dasempresas a serem privatizadas, mas a descoberta de uma jazida deouro no Pará ameaçava melar a futura negociação. Ficaria mais difícil torrar a segunda maior mineradora do mundo, com 40 empresas e faturamento de US$ 2 bilhões/ano. Entrevistado, (edição de 07/02/1996) Serra mandou seu recado:

— A descoberta dessa mina não altera em nada o processo deprivatização. Só o preço que poderá ser maior — avisou o ministrodo Planejamento de FHC.

Como se ainda fosse necessário algum esclarecimento, o ex-presidente, em entrevista recente à Veja.com, que ganhou popularidade inesperada via You Tube, testemunhou: “O Serra foi um dos que mais lutaram em favor da privatização da Vale. Muita gente diz o Serra é isso e aquilo… Não! E (da privatização) da Light também. O Serra!”, acrescentou o ex-presidente para que não pairasse dúvida.

Pensando “vender tudo o que der para vender”, o governo doPSDB projetou tocar adiante, por exemplo, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Ou apequená-los, deixando-os dotamanho de bancos de “segunda linha”. Registrado nos anais doMinistério da Fazenda, o Memorando de Política Econômica,de 8 de março de 1999, no alvorecer do segundo mandato deFHC, descreve um plano de privatização parcial do BB e da CEF.Está no item 18 do documento e consiste na “venda de compo-nentes estratégicos” ou na transformação das duas instituiçõesem “bancos de segunda linha”.

Atualmente líder no seu setor e dona de um patrimônio de R$200 bilhões, a distribuidora de títulos e valores imobiliários dobanco — BB/DTVM — seria privatizada. No item 27, trata-se davenda de Furnas, incluída na entrega a particulares das empresas federais geradoras de energia. O governo ainda planejava vendertodas as suas ações sem direito a voto na Petrobrás.

Independentemente do juízo que cada um possa fazer sobre aefcácia ou inefcácia do Estado ao gerir os bens públicos, ninguémprecisa ser um inimigo do mercado para perceber que o modelo deprivatização que assolou o Brasil nos anos FHC não foi, para serleniente, o mais adequado aos interesses do país e do seu povo.Nem mesmo a Nossa Senhora Aparecida do fundamentalismo neoliberal, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, teve oatrevimento de fazer o que foi feito na desestatização à brasileira.Nos anos 1980, Thatcher levou ao martelo as estatais inglesas, pul-verizando suas ações e multiplicando o número de acionistas. Contrapondo-se a essa “democratização”, o jeito tucano de torrarestatais envolveu “doação de empresas estatais, a preços baixos, apoucos grupos empresariais”. (O Brasil privatizado — Um balanço do desmonte do Estado, de Aloysio Biondi — Editora FundaçãoPerseu Abramo, 1999.)

Antes, porém, as estatais e seus servidores passaram a ser perse-guidos e linchados diariamente nas manchetes. O Estado passou a ser o Grande Satã, semeando-se uma ira santa contra sua presençana economia e um fogo constante dirigido aos seus serviços. Seus erros foram escancarados e seus acertos, subtraídos. Era precisopreparar o clima para vender as estatais, fossem quais fossem. Aspessoas precisavam entender que leiloar patrimônio público “seriaum benefício” para todos. O Estado reduziria suas dívidas interna eexterna e receberia um aporte de dólares que permitiria que se de-dicasse somente à saúde, à educação e a um ou outro setor. E todosse livrariam daqueles trastes que não se sabia, afnal por que aindacontinuavam existindo.

Na prática, a teoria acabou sendo outra. O torra-torra das estataisnão capitalizou o Estado, ao contrário, as dívidas interna e externaaumentaram, porque o governo engoliu o débito das estatais leiloa-das — para torná-las mais palatáveis aos compradores — e ainda asmultinacionais não trouxeram capital próprio para o Brasil. Em vezdisso, contraíram empréstimos no exterior e, assim, fzeram crescer adívida externa. (idem) Para agravar o quadro, os cofres nacionais financiaram a aquisição das estatais e aceitaram moedas podres, títulos públicos adquiridos por metade do valor de face, na negociação.

Alguns cases clássicos do processo ajudam a esclarecer o que sepassou. Na privatização da Companhia Siderúrgica Nacional(CSN) dos R$ 1,05 bilhão pagos pela maior siderúrgica da AméricaLatina e marco da industrialização nacional no pós-guerra, R$ 1bilhão era formado de moedas podres. Nos cofres públicos só ingressaram, de verdade, R$ 38 milhões… E, como se o incrível habi-tasse o inacreditável, as moedas podres foram leiloadas pelo BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Nesta matrioshka, (Conjunto de bonecas típicas russas, de madeira pintada, que se sobrepõem umas às outras,encaixando-se. (Cf. Aulete Digital.) na qual as aberrações brotam uma do interior da ou-tra, o BNDES ainda fnanciou a aquisição das moedas podres com prazo de 12 anos para pagá-las.

Na privatização da Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), o governo deSão Paulo, sob o PSDB de Mário Covas, demitiu dez mil funcioná-rios e assumiu a responsabilidade pelos 50 mil aposentados da ferrovia! No Rio, o também tucano Marcelo Alencar realizou proezamaior: vendeu o Banerj para o Itaú por R$ 330 milhões, mas antes daprivatização demitiu 6,2 mil dos 12 mil funcionários do banco esta-dual. Como precisava pagar indenizações, aposentadorias e o planode pensões dos servidores, pegou um empréstimo de R$ 3,3 bilhões,ou seja, dez vezes superior ao que apurou no leilão. Na verdade, 20vezes superior, porque o Rio só recebeu R$ 165 milhões, isto porque aceitou moedas podres, com metade do valor de face.

A temporada de bondades com dinheiro público ultrapassouos preços baixos, os fnanciamentos, as prestações em 12 anos e as moedas podres. Nos anos que antecederam a transferência das es-tatais para o controle privado, suas tarifas sofreram uma sequên-cia de reajustes para que as empresas privatizadas não tivessem“de enfrentar o risco de protesto e indignação do consumidor”.No caso das tarifas telefônicas, aumentos de até 500% a partir de1995 e, no caso da energia elétrica, de 150%. Tais custos fcaramcom o Estado e o cidadão. Mas a cereja do bolo foram os emprés-timos do BNDES. Quem adquiria uma estatal imediatamente se habilitava a contratar fnanciamentos ofciais com juros abaixodos patamares do mercado. Comprada com moedas podres, a CSN foi contemplada com R$ 1,1 bilhão. E a Light, onde Serra bateuseu martelo, ganhou R$ 730 milhões.

O resultado de tudo isso é que, em dezembro de 1998, quando já haviam sido leiloadas grandes empresas como a Vale, Embraer,Usiminas, Copesul, CSN, Light, Acesita e as ferrovias, havia umdescompasso entre expectativa e realidade. Enquanto o governo FHC afrmava ter arrecadado R$ 85,2 bilhões no processo, o jor-nalista econômico Aloysio Biondi publicava no seu best‑seller O Brasil Privatizado que o país pagara para vender suas estatais. Estepagamento atingira R$ 87,6 bilhões, portanto R$ 2,4 bilhões amais do que recebera. Reunindo sete itens que conseguiu calcular— vendas a prazo com dinheiro já contabilizado, mas fora dos cofres públicos; dívidas absorvidas; juros de 15% sobre dívidasassumidas; investimento nas estatais antes do leilão; juros sobretais investimentos; uso de moedas podres e mais R$ 1,7 bilhão deixados nos cofres das estatais privatizadas — Biondi chegou aoseu valor. Mais cinco itens, entre eles custo de demissões e com-promissos com fundos de pensão, considerados incalculáveis, nãointegram a coluna das despesas.

Por tudo isso, não foi graciosamente que o Prêmio Nobel deEconomia (2001) Joseph Stiglitz cunhou um neologismo ácido aodefnir a onda privatista que avassalou as economias do Terceiro Mundo. Ex-economista chefe do Banco Mundial, Stiglitz interpretao que ocorreu como “briberization” e não “privatization”, sendo que “bribery” constitui-se crime e signifca “oferecer, dar, receber ou so-licitar qualquer bem ou valor para infuenciar as decisões de funcionário público ou outra pessoa em cargo de confança”. A raiz da palavra, bribe, é discutível, mas vincula-se à “coisa roubada” desdeo século 14, sendo percebida como “jargão de ladrões” e, com a acepção de favores adquiridos por meio de corrupção desde 1530. (Online Etimology Dictionary.) De forma mais clara, o que houve no Brasil não foi privatizaçãomas “propinização”. A versão local da práxis foi batizada como privataria pelo jornalista Elio Gaspari, ao casar, com felicidade, os vo-cábulos “privatização” e “pirataria”.

A luta travada pelo butim das estatais reuniu empreendedores,aventureiros e predadores. De um e do outro lado do balcão e, atémesmo, nos dois lados simultaneamente. A trajetória de algunsdeles está neste livro. Nele, estão as passadas largas dos grandespredadores. No parque jurássico dos usos e costumes republica-nos movem-se como o Tiranossauro Rex e, com o poder do di-nheiro e o dinheiro do poder, devoram as principais presas. E háos pequenos, como o Velocirraptor . Pequenos, porém não menos vorazes. Astuciosos, agindo em bandos, usam repetidamente o mesmométodo de ataque para engolir sua fatia dos despojos. Como as páginas que vêm pela frente se encarregarão de demonstrar.