Sindicatos que não são pelegos são contrários às fundações estatais de direito privado

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A busca da solução mágica

Por Elaine Rodella

Hoje na Gazeta do Povo

Quando um cidadão comum foge de sua responsabilidade, há um aparato institucional organizado para fazer com que ele cumpra com seu dever. O sistema fiscal é um exemplo. O Conselho Tutelar, outro. Mas, quando administradores públicos não cumprem com seu dever, o que acontece? Em poucos casos, existe a cobrança; raramente há penalização concreta. Para nós, substituir o Estado na elaboração e execução de políticas públicas é algo similar ao cidadão que não cumpre o seu dever. Deveria haver penalidades para as autoridades que se eximem de cumprir seu rol de atribuições legais e compromissos assumidos publicamente.

É estarrecedor que o governador defenda a dissolução da Secretaria de Estado da Saúde. Esse mandato esteve por 37 meses à frente do órgão e só no fim da gestão, depois de tanta propaganda e tantas festas de lançamento de programas, metas e indicadores alcançados, quer entregar o jogo a uma nova estrutura, a Funeas.

O secretário da Saúde, Michele Caputo, fez muito estardalhaço ao lançar o HospSUS, vendendo a qualificação da assistência hospitalar; o ComSUS, prometendo o aumento da oferta de serviço na média complexidade; o VigiaSUS, criando a ideia do fortalecimento das ações de vigilância e promoção à saúde; e tantos outros programas. O que não contam é que a fundação que querem lançar não passa do EntregaSUS. A Funeas representa mais um lance de risco do que a certeza de um futuro melhor para a sociedade que tem direito ao SUS e para quem nele trabalha. A medida esconde o principal objetivo: o de cortar mais gastos na saúde, por meio do enxugamento das ações e dos salários dos futuros trabalhadores da fundação.

Beto Richa diz que, com a Fundação, o estado fica mais forte no controle das ações. Será que os cargos de confiança do governador omitem os sérios problemas de cumprimento estabelecidos como metas nos convênios hoje existentes? Um caso dos mais emblemáticos é o do Centro Hospitalar de Reabilitação, em Curitiba, um hospital com marcante ociosidade, com alas inteiras que nunca foram abertas à população.

Essa proposta nada mais é do que entregar a saúde pública para as mãos de um terceiro, que passará a executar as ações em saúde como está posto no artigo 2 do Projeto de Lei 726 – artigo esse que, pela amplitude do que poderá ser assumido pela Funeas, vem sendo questionado por muitos especialistas em Direito Administrativo. Há também questionamentos jurídicos sobre o teor do projeto que vão servir de base para ações na Justiça. Os artigos 3 e 27 são exemplos de itens facilmente contestáveis.

E a saúde, como vai? Muito doente. A causa da doença não reside exclusivamente nessa questão. A doença é profunda e tem múltiplos fatores que não foram enfrentados pelo governo. Em três anos, o Executivo não aplicou os recursos previstos na Constituição. Falta um plano de carreira específico para os trabalhadores do setor e sobram chefias indicadas pelo método mais cruel, antigo e antiprofissional.

Esses fatores não serão extintos à medida que a Funeas venha a funcionar. Essa nova morfologia já tem se mostrado ineficiente, local de desvio de finalidade e de recursos públicos. Existe um fetiche, largamente difundido pelos governos, segundo o qual o que é gerenciado com a lógica privada adquire qualidade, como num passe de mágica. Ora, exemplos de que essa ideia mágica não corresponde à realidade estão expostos na mídia. Toda e qualquer forma de livrar o Estado da execução direta das políticas sociais constitui-se no enfraquecimento da Constituição Federal e um ataque aos direitos da classe trabalhadora.

Elaine Rodella, psicóloga, é dirigente do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores em Serviços Públicos do Saúde Pública e Previdência do Estado do Paraná (SindSaúde).

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Saúde: Administração direta, fundação estatal de direito privado ou privatização via OS?

Veja texto do Chico Marés na Gazeta do Povo de hoje:

Atuação de entidade municipal divide opiniões

Apresentada como modelo para a Fundação Estatal em Saúde que o governo paranaense quer criar, a atuação da Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba (Feaes) divide opiniões. Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar), Mário Ferrari, a criação da Feaes foi um avanço em relação ao modelo de terceirização praticado anteriormente, envolvendo as organizações sociais (OSs) – que, para ele, foi uma “experiência ruim”. Na sua avaliação, a Feaes tem conseguido dar agilidade aos processos, o que seria uma vantagem em relação à administração direta da prefeitura, sem que isso cause distorções, falta de pagamento e outros problemas verificados com a terceirização privada. “Não foi exatamente a mudança que pretendíamos, mas melhorou muito”, afirma. Já a diretora do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (Sismuc), Irene Rodrigues, defende que o serviço de saúde deve ser prestado pela administração direta, e que as práticas da Feaes não diferem da terceirização por instituições privadas. “Nos preocupa a presença de trabalhadores da mesma instituição com vínculos diferentes e tratamento diferente, e como isso repercute na ponta. Entendemos que há uma diferença de salário, jornada de trabalho e envolvimento [entre servidores da administração direta e indireta]”, afirma. Ela diz, ainda, que o argumento da agilidade não é cabível, e cita a demora no início do funcionamento do Hospital do Idoso Zilda Arns como exemplo.

Saúde: nem fundação, nem privatização, a solução é a autarquização

Em 2010, ainda durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se estudava no Ministério da Saúde a criação de um plano de carreira para os médicos públicos. O projeto foi elaborado pelo ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão e prevê a criação de carreira federal para médicos, enfermeiros e dentistas, para atendimento principalmente no interior do país.

Alexandre Padilha, o atual ministro da Saúde no governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), prefere carreiras médicas regionais geridas por fundações estaduais estatais de direito privado, com recursos da União, dos Estados e dos municípios.

Mas os médico não querem receber entre R$ 5.000 e R$ 8.000 como servidores celetistas. Preferem que sejam contratados como estatutários, com estabilidade, ou querem atuar com procedimentos e consultas, e não saúde básica, além de muitos não terem interesse no regime de 40 horas semanais. Outro problema é que muitas prefeituras dão calote quando se envolve recursos municipais, para pagamento dos salários dos profissionais, com dinheiro do Fundo Nacional de Saúde.

A saída não é a privatização inconstitucional via OS – organizações sociais e nem as Fundações ou Empresas estatais de direito público com médicos celetistas, também de discutível constitucionalidade.

A saída mais juridicamente condizente com a Constituição Social, Republicana e Democrática de Direito de 1988 é a criação de autarquias federais ou estaduais, com médicos e servidores estatutários, com estabilidade, com carreira de Estado, recebendo bem e prestando um eficiente serviço público de saúde. E, é claro, com bastante controle social.

Qual sua posição sobre as fundações estatais de direito privado?

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No Cebes, divulgado pelo Blog do Mario

Debate: As Fundações fazem mal à Saúde?

Em 2010, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) realizou um seminário e publicou um livro* para debater e analisar os impasses da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), impregnado, nos últimos anos, de propostas e alternativas nem sempre comprometidas com os interesses públicos, em especial com os usuários do sistema.

Em tese, os gestores das instituições do SUS deveriam ter como objetivo tornar esse sistema universal mais efetivo, aumentando a capacidade de oferta de serviços e dando acesso aos cuidados integrais de saúde – isto é, atendendo ao conjunto das necessidades de saúde da sociedade.

Entretanto, os caminhos para atingir os objetivos de gestão do SUS nem sempre estão abertos, sendo barrados por uma legislação não condizente com as necessidades e premências do setor da saúde.

Em resposta, os gestores do SUS vem realizando mudanças com a criação de novas modalidades de instituições gestoras não subordinadas à administração direta do Estado, entre as quais se destacam as organizações sociais (entes privados) e as fundações estatais (entes estatais).

A estratégia de fuga da administração direta do Estado, que vem sendo adotada por elevado número de gestores estaduais e municipais de saúde, tem sido objeto de intensa polêmica entre os principais atores políticos do setor, envolvendo conflitos acirrados entre os gestores, trabalhadores e integrantes dos conselhos e confêrencias de saúde.

A defesa da administração pública do SUS ressalta a argumentação dos trabalhadores da saúde sobre instabilidade de vinculo empregatício e perda de direitos de servidores públicos, além da crítica compartilhada com os usuários sobre a ausência de mecanismos de controle social, não previstos nestas  Fundações.  A discussão precisa continuar para que se possam apontar soluções aos inegáveis problemas deparados pelos gestores que, ao mesmo tempo, não gere recuo nos princípios e conquistas do SUS

Com este objetivo, mais uma vez, o Cebes realiza novo debate sobre o tema, convidando especialistas, gestores, trabalhadores, usuários e quem mais desejar para expressar aqui sua opinião sobre os benefícios ou problemas causados pelas Fundações Estatais. Elas constituem, de fato, alternativa de uma gestão mais ágil e eficiente, ou não passam de arranjos privatizantes da gestão do SUS? Acompanhe diariamente novas opiniões, e não deixe de participar! Continuar lendo

Qual o modelo ideal de gestão para a saúde pública?

Administração Pública direta, autarquias, fundações públicas de direito privado, empresas públicas, organizações sociais, OSCIPs. Qual o modelo ideal de gestão para a saúde pública no Brasil?

De plano já descarto a centralização via Administração Pública direta, pois é necessária a criação de uma pessoa jurídica específica para prestar os serviços públicos de saúde. Órgãos despersonalizados da União, Estados ou municípios, como por exemplo Ministérios e Secretarias devem apenas formular e fiscalizar políticas públicas, mas nunca prestar serviços públicos.

Elimino das possibilidades, também, as organizações sociais – OS e organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs, entidades privadas sem fins lucrativos qualificadas pelo Poder Público, pois não é possível constitucionalmente que o Estado privatize suas atividades sociais fim. Assim, não pode um hospital público repassar para uma entidade privada sem fins lucrativos suas atividades de saúde. Mais grave ainda é a utilização das OSCIPs para isso, pois essas podem apenas ser fomentadas pelo Poder Público, e não utilizadas como instrumento de privatização/terceirização. Os dois modelos foram criados pelo governo do presidente FHC, muito utilizados por governos neoliberais e, infelizmente, também usados por governos que se dizem de esquerda.

Sobrariam os modelos das fundações públicas de direito privado, das empresas públicas e das autarquias. Esses modelos não são de privatização, mas ainda muitos juristas questionam a prestação de serviços públicos de saúde por meio de entidades de direito privado da Administração Pública indireta, como é o caso das fundações públicas de direito privado e das empresas públicas.

O governo federal irá criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH (autorizado pela Lei 12.550/2011 e já com Estatuto Social aprovado pelo Decreto 7.661/2011), uma empresa pública, pessoa jurídica de dieito privado, que fará parte da Administração indireta, realizará licitação e concurso público, mas terá servidores celetistas, regidos pela CLT. A EBSERH administrará os hospitais públicos federais, com relação jurídica via contrato administrativo. Sobre o tema, matéria nesta sexta-feira na Gazeta do Povo.

Curitiba criou uma fundação estatal de direito privado para gerir hospitais, mas no âmbito federal o modelo ainda é discutido no Congresso Nacional, mas é um modelo muito parecido com o das empresas estatais.

Entendo que o modelo ideal é o autárquico (ou de fundações públicas de direito público), com servidores estatutários e totalmente adstrito ao regime jurídico administrativo. Mas se a escolha ficar entre o das empresas públicas/fundações públicas de direito privado ou OS/OSCIP, fico com o modelo que não é privatização.

Ótimo assunto para estudiosos do Direito Administrativo, seja em monografias TCC, especializações, mestrado ou até doutorado.

Tarso Cabral Violin – advogado em Curitiba, professor de Direito Administrativo, Mestre em Direito do Estado pela UFPR, autor do livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010) e blogueiro (Blog do Tarso)