Dallari, Bandeira de Mello e Comparato apoiam Tarso para Ouvidor de Curitiba

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Os maiores juristas do Direito Público do Brasil, os professores Dalmo de Abreu Dallari (Direito Constitucional USP), Celso Antônio Bandeira de Mello (Direito Administrativo PUCSP) e Fábio Konder Comparato (Direito Constitucional USP) assinaram o manifesto de apoio ao advogado e professor Tarso Cabral Violin para Ouvidor de Curitiba.

A escolha será feita pelos vereadores, em uma primeira fase no dia 1º de dezembro e depois no dia 8.

Assine e ajude a divulgar o manifesto: www.peticaopublica.com.br

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Comparato, Dallari e juristas estrangeiros lançam manifesto com críticas ao rito do Impeachment de Dilma

Fábio Konder Comparato

Fábio Konder Comparato

Os professores eméritos de Direito Constitucional da USP, Fabio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari, acabaram de lançar um manifesto de juristas brasileiros e estrangeiros com críticas ao rito do Impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT).

O manifesto, que está disponível em português, inglês e francês, pode ser acessado e assinado aqui e conta ainda com assinaturas de juristas como Gilberto Bercovici (USP), Marcelo Neves (UnB), Friedrich Müller (Alamanha), André Ramos Tavares (USP e PUC-SP), Pedro Estevam Serrano (PUC-SP), Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (Universidade de Fortaleza), Silvio Luís Ferreira da Rocha (PUC-SP), Wilson Ramos Filho – Xixo (UFPR), António Avelãs Nunes (Portugal), José Esteban Castro (Reino Unido), Manuel Gandara Carballido (Espanha), Marcos Sacristán Represa (Espanha), Pablo Ángel Gutiérrez Colantuono (Argentina), Sylvia Calmes-Brunet (França), Agostinho Ramalho Marques Neto, Carlos Frederico Marés de Souza Filho (PUC-PR), Claudia Maria Barbosa (PUC/PR), Eneida Desiree Salgado (UFPR), Geraldo Prado (UFRJ), Gisele Cittadino (PUC-Rio), Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR), Jorge Luiz Souto Maior (USP), José Antônio Peres Gediel (UFPR), José Geraldo de Sousa Júnior (UnB), Manoel Caetano Ferreira Filho (UFPR), Paulo Abrão (ex-SNJ), Paulo Ricardo Schier (UniBrasil), Ricardo Lodi Ribeiro (UERJ), Ricardo Marcondes Martins (PUC-SP), Rômulo de Andrade Moreira, Sueli Gandolfi Dallari (USP), Tarso Cabral Violin, Thomas Bustamante (UFM), entre vários outros advogados, professores e juristas.

Veja o texto:

A CORRETA SISTEMÁTICA JURÍDICA DO PROCEDIMENTO DE IMPEDIMENTO DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF.

LA SYSTEMATIQUE JURIDIQUE APPROPRIEE POUR LA PROCEDURE DE DESTITUTION DE LA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF.
THE PROPER LEGAL SYSTEMATIC FOR THE IMPEACHMENT PROCEEDING OF THE BRAZILIAN PRESIDENT DILMA ROUSSEF

1. A Constituição Federal de 1988 abre-se com a declaração solene de que “a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”. O atual processo de crime de responsabilidade, instaurado contra a Presidente Dilma Rousseff, infringe flagrantemente seus três princípios políticos fundamentais.
1. La Constitution Fédérale de 1988 s’ouvre avec la déclaration solennelle : « la République Fédérative du Brésil se constitue en un Etat Démocratique de Droit ». La présente procédure de crime de responsabilité, instaurée contre la Présidente Dilma Rousseff viole de façon flagrante ses trois principes politiques fondamentaux.
1. The Federal Constitution of 1988 opens with the solemn declaration: “the Federative Republic of Brazil is a legal democratic state”. The current process of crime of responsibility, initiated against President Dilma Rousseff, flagrantly violates its three fundamental political principles.

2. Viola o princípio republicano, porque submete o bem comum do povo (res publica) ao interesse particular de um grupo minoritário de cidadãos. Desrespeita o princípio democrático, porque busca destituir a Presidente da República legitimamente eleita, em razão de fatos que não dizem respeito à violação da soberania popular. Por fim, infringe o princípio do Estado de Direito, porque descumpre uma série de procedimentos que constituem condições indispensáveis ao exercício do poder excepcional de destituição da Chefe de Estado, como se passa a demonstrar.
2. Elle viole le principe républicain, car elle soumet le bien commun du peuple (res publica) à l’intérêt privé d’un groupe minoritaire de citoyens. Elle ne respecte pas le principe démocratique, parce qu’elle cherche à destituer la Présidente de la République élue de façon légitime en raison de faits qui ne concernent pas la violation de souveraineté populaire. Finalement, elle enfreint le principe de l’Etat de Droit, parce qu’elle n’accomplit pas une série de procédures constituant des conditions indispensables à l’exercice du pouvoir exceptionnel de destitution de la Chef d’Etat, comme nous le démontrerons ci-après.
2. It violates the republican principle, because it submits the common good of the people (res publica) to the private interest of a minority group of citizens. It violates the democratic principle, because it seeks to remove the legitimately elected President of the Republic, because of facts that do not concern the violation of popular sovereignty. Finally, it infringes the principle of the Rule of Law, because it does not accomplish a number of procedures constituting essential conditions for the exercise of the exceptional power of impeachment of the Head of State, as will be shown below.

3. Para caracterizar “crime de responsabilidade”, na forma do art. 85, inc. VI, da CF, e do artigo 10 da Lei 1079/1950, com fundamento em fatos extraídos do orçamento da União de 2015, é necessário parecer prévio do Tribunal de Contas, relativo às contas prestadas pela presidência da República no exercício orçamentário que se pretenda questionar.
3. Afin de caractériser un « crime de responsabilité », en conformité avec l’article 85, point VI, de la Constitution Fédérale, et de l’article 10 de la Loi nº 1079/1950, se fondant sur des faits extraits du budget de la Fédération de 2015, il faut un rapport préalable de la Cour des Comptes sur les comptes présentés par la présidence de la République pour l’exercice budgétaire que l’on entend contester.
3. In order to characterize a “crime of responsibility”, in accordance with art. 85, VI, of the Constitution and art. 10 of Law nº 1079/1950, on the ground of facts taken from the 2015 Federal Budget, prior opinion of the Accounting Court on the accounts provided by the Presidency of the Republic for the fiscal year that is to be to question is required.

4. Assim também, neste mesmo sentido, faz-se necessário prévio parecer da “Comissão Mista Permanente de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização”, sobre as contas prestadas pela presidência da República relativas ao mesmo orçamento, nos termos do art. 166, inc. I, da CF.
4. En ce sens, un rapport préalable de la « Commission Mixte Permanente de Plans, de Budgets Publics et d’Inspection » au sujet des comptes présentés par la présidence de la République pour le même exercice budgétaire est nécessaire, conformément à l’article 166, point I, de la Constitution Fédérale.
4. In this sense, a prior opinion of the “Permanent Joint Committee of Plans, Public Budgets and Monitoring”, on the accounts provided by the presidency for the same budget is necessary, in accordance with art. 166, I, of Federal Constitution.

5. E, por fim, após ultrapassadas estas duas etapas, é imperiosa a conclusão do Congresso, em sessão conjunta, sobre a rejeição das contas, com base no art. 49, inc. IX, da CF (com “rejeição” ou “aprovação com ressalva” que evidencie a conduta ilícita).
5. Finalement, après être passé par ces deux étapes, la conclusion du Congrès pour le rejet des comptes, au cours d’une séance conjointe, est impérative, suivant l’article 49, point IX, de la Constitution Fédérale (concluant pour un « rejet » ou une « approbation sous condition » qui démontre le comportement illicite).
5. Finally, after having overcome these two steps, the conclusion of Congress for the rejection of the accounts, in joint session, is imperative, based on art. 49, IX, of the Constitution (concluding for “rejection” or “approval with reservations” evidencing unlawful conduct).

6. A sistemática do artigo 85 da Constituição exige, para fundamentação do pedido de afastamento do Presidente, a indicação precisa do ato que ele praticou, diretamente, no exercício do mandato que esteja exercendo, para que reste enquadrado em uma das figuras legais de crime de responsabilidade. E para que se caracterizar o crime, é necessária ainda a comprovação de que o ato foi praticado de má fé, com a intenção de obter proveito ilícito próprio.
6. Afin de justifier la demande d’écartement du Président, la systématique de l’article 85 de la Constitution exige l’indication précise de l’acte pratiqué, directement, dans l’exercice du mandat qu’il est en train d’exercer, pour l’encadrer dans l’une des figures légales de crime de responsabilité. Pour que ce crime soit caractérisé, il faut encore prouver que l’acte a été commis de mauvaise foi, dans l’intention d’obtenir un profit personnel illicite.
6. In order to justify the motion of impeachment of the President, systematic of art. 85 of the Constitution requires the precise indication of the act he/she committed, directly during the mandate he/she is exercising, so that the crime of responsibility is framed in one of the legal provisions. For the crime to be characterized, it is still necessary to prove that the act was committed in bad faith, with the intention of obtaining personal illicit advantage.

7. Sem isso, não é possível utilizar o argumento jurídico-constitucional de ter havido desrespeito à lei orçamentária, para fins de validamente tramitar ou aprovar impedimento do Presidente da República por crime de responsabilidade.
7. Sans cela, il n’est pas possible de se servir de l’argument juridique et constitutionnel de non-respect de la loi budgétaire, aux fins de faire avancer ou d’approuver la destitution du Président de la République pour crime de responsabilité.
7. Without this, it is not possible to use the legal-constitutional argument of not having respected the budget law, for the purpose of advancing or approving the impeachment of the President of the Republic for crime of responsibility.

8. Uma série enorme de argumentos de mérito pode ser utilizada e alegada em defesa do não-cabimento de pedido de impedimento da Presidente Dilma Rousseff por descumprimento da legislação orçamentária. Têm sido listados: (a) desvio de finalidade pelo Presidente da Câmara no recebimento do pedido de impedimento, (b) perda de objeto por aprovação posterior da nova meta fiscal, (c) impossibilidade de alteração da jurisprudência do TCU com efeitos retroativos, etc. Todos estes argumentos nem chegam a ter cabimento ou debate sem que o pleito de impedimento, pelo mérito, tenha início com a verificação, ainda que em tese, da figura típica do art. 85, inc. VI, da CF.
8. Toute une série d’arguments de fond peut être invoquée et alléguée pour défendre l’impossibilité d’accepter la demande de destitution de la Présidente Dilma Rousseff pour violation de la législation budgétaire. Par exemple : (a) détournement de pouvoir par le Président de la Chambre des Députés dans l’acceptation de la demande de destitution, (b) perte de l’objet étant donné l’approbation postérieure d’un nouvel objectif fiscal, (c) impossibilité de changement de la jurisprudence de la Cour des Comptes avec des effets rétroactifs, etc. Tous ces arguments ne peuvent pas avoir lieu ou même être débattus sans que la demande de destitution sur le fond ait débuté avec la vérification – même en théorie – de la figure typique de l’article 85, point VI, de la Constitution Fédérale.
8. A large number of arguments on the merits can be invoked and alleged to defend inability to accept the motion for impeachment of President Dilma Rousseff for breach of budget legislation. For instance: (a) misappropriation of power by the Chamber of Deputies upon acceptance of the motion for impeachment, (b) the subsequent approval of the new fiscal target has made the motion for impeachment to become moot, (c) impossibility of changing the Accounting Court’s precedents with retroactive effect, etc. All these arguments cannot take place or even be discussed if motion for impeachment on the merits has not started with the checking – even in theory – of the behavior contained in art. 85, VI, of the Federal Constitution.

9. O percurso e competências constitucionais decorrentes dos arts. 85, inc. VI, 166, inc. I, e 49, inc. IX, são cogentes, e não podem ser afastados por um procedimento especialmente criado para acelerar uma vontade política conjuntural, ainda que à unanimidade.
9. Le parcours et les compétences constitutionnelles prévus par les articles 85, point VI, 166, point I et 49, point IX, sont obligatoires, et ne peuvent être écartés par une procédure créée spécialement pour accélérer une volonté politique de conjoncture, même à l’unanimité.
9. The path and constitutional powers arising from arts. 85, VI, 166, I and 49, IX, are cogent, and cannot be removed by a procedure specially created to accelerate a conjuncture of political will, although unanimously.

10. A Constituição de 1988 continua em vigor, e não podem a Câmara, o Senado, o STF, e nem mesmo o especial tribunal de impedimento (Senado sob a presidência do Ministro-Presidente do STF) alterarem casuisticamente o rito nela traçado.
10. La Constitution de 1988 continue en vigueur, et la Chambre des Députés, le Sénat, la Cour Suprême Fédérale, ni même le tribunal spécial de destitution (le Sénat sous la présidence du Ministre-Président de la Cour Suprême Fédérale) ne peuvent modifier de façon casuistique le rite qui y a été tracé.
10. The 1988 Constitution is still in force, and the Chamber of Deputies, the Senate, the Supreme Court, and even the special impeachment court (Senate under the chairmanship of Minister-President of the Supreme Court) cannot change case by case the rite that was traced there.

Brasil, 27 de junho de 2016.

Assine aqui.

Dalmo de Abreu Dallari assina manifesto dos juristas em apoio ao crowdfunding de Tarso

A influência de Dalmo Dallari nas decisões judiciais - Ricardo Lewandowski

O maior constitucionalista brasileiro, Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), junto com sua esposa, a também jurista Sueli Dallari, advogada, professora titular da Universidade de São Paulo, foi professora convidada da Columbia University, da Université de Nantes, da Université de Paris X e da Université de Paris V, assinaram o manifesto dos juristas, advogados e professores em apoio à liberdade de expressão, à Democracia e à campanha de financiamento coletivo (crowdfunding) de Tarso Cabral Violin.

Tarso, advogado, professor e autor do Blog do Tarso, recebeu, injustamente e de forma totalmente desarrazoada, duas multas do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, por causa de duas simples enquetes, no valor que hoje já está em aproximadamente R$ 200 mil reais. Mais informações no site eutarsopelademocracia.com.br.

Se você é jurista, advogado, professor universitário ou estudante de Direito, assine também o manifesto.

Contribua aqui, pois Tarso terá que arrecadar em alguns dia R$ 200 mil.

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Existe o petismo? Dalmo de Abreu Dallari

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Um texto do maior jurista do Direito Constitucional brasileiro, Dalmo de Abreu Dallari, publicado em 1986, mas mais atual do que nunca. O Professor Dalmo sempre votou no PT, Lula e Dilma.

Existe o petismo?

Uma coisa é certa: o petismo existe e o Partido dos Trabalhadores é o seu profeta. Mas a partir daí explodem muitas dúvidas, que andam nas cabeças dos próprios petistas e que se colocam com a mesma agressividade que caracteriza a militância petista. Na realidade, o próprio relacionamento entre o PT e o petismo é apaixonado e agressivo, sem que fique bem claro se foi o petismo quem criou o PT ou se o contrário é que é verdadeiro, se é possível ser petista sem estar no PT ou se alguém pode pertencer ao PT sem ser petista. E tudo o que cerca essas questões e envolve as conseqüências que podem resultar das respostas é discutido com grande carga de afetividade pelos protagonistas.

Cada um quer ser mais autenticamente petista do que o outro, todos defendem ardorosamente seus pontos de vista a respeito do significado do petismo, da natureza do PT e de seu verdadeiro papel neste momento da vida brasileira. O fato é que todos “sentem” que são petistas e querem fazer do PT o veículo de suas idéias.

Essa “convergência na divergência”, que é problema para os petistas, é problema ainda maior para os que são contra o PT. Um dado significativo é que ninguém se limita a ser contra, pois, assim conto o petismo é uma paixão, o antipetismo é igualmente apaixonado. Mas como o PT é uma presença marcante, parecendo onipresente, ao mesmo tempo que a cada passo e em cada circunstância surge com uma aparência diferente, é extremamente difícil combatê-lo. E o que se tem visto é que as acusações, denúncias, armadilhas e agressões de muitas espécies, que são utilizadas com o propósito de enfraquecê-lo, acabam tendo efeito contrário, parecendo que o petismo se fortalece quando agredido.

Dalmo Dallari

Jornal Leia, agosto de 1986

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Demarcação já – Dalmo de Abreu Dallari

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A demarcação de terras indígenas deve mudar? NÃO

Demarcação já, por Dalmo de Abreu Dallari, hoje na Folha de S. Paulo

A demarcação das áreas indígenas está expressamente prevista na Constituição e já foram há muito tempo estabelecidas as regras legais que devem ser observadas para esse fim.

A demarcação é extremamente importante para a efetivação da garantia dos direitos decorrentes da ocupação tradicional das terras pelos índios. Ela foi determinada pela Constituição de 1988, no artigo 67, no qual se diz que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. E pelo artigo 20, inciso XI, ficou estabelecido que são bens da União “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

Assim, pois, considerando que a demarcação das áreas federais é função de caráter administrativo, inerente, portanto, às atribuições do Poder Executivo, é este que tem o poder e o dever de proceder à demarcação das áreas indígenas.

O procedimento para demarcação das áreas indígenas foi expressamente regulado pelo decreto nº 1.175 de 1996, não havendo necessidade de modificação dos critérios ali estabelecidos. Talvez sejam convenientes algumas mudanças sugeridas pela experiência, mas as atribuições fundamentais das demarcações devem ser mantidas, concentrando-se na Fundação Nacional do Índio (Funai) o comando dos processos demarcatórios.

São absurdas e contrárias à Constituição algumas tentativas de entregar a demarcação a órgãos constitucionalmente incompetentes e a outros absolutamente despreparados para a demarcação honesta.

Assim, por exemplo, está em curso no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, que, contrariando a Constituição e com evidente má-fé, pretende transferir para o Legislativo a função de demarcar as áreas indígenas.

É evidente o absurdo dessa proposição: um órgão do Poder Legislativo teria a incumbência de executar uma tarefa que é, obviamente, de natureza administrativa e que, evidentemente, está incluída nos encargos que a Constituição atribuiu ao Poder Executivo.

A par disso, assinale-se que a demarcação é um procedimento técnico, que no tocante às áreas indígenas exige conhecimentos especializados e, em alguns casos, equipamento tecnológico sofisticado.

Com efeito, a par das dificuldades que muitas vezes são encontradas por causa das peculiaridades dos locais a serem percorridos pelos demarcadores, existe a necessidade de conhecimentos especializados sobre os índios.

Diz a Constituição, no artigo 231, parágrafo 1º, que os índios ocuparão as terras para vários fins, incluindo as atividades produtivas e as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários à reprodução física e cultural da comunidade indígena, “segundo seus usos, costumes e tradições”.

Com base nessas diretrizes, é feito, primeiro, o reconhecimento da ocupação da área pelos índios, o que implica, entre outros aspectos, a constatação dos limites da ocupação. Em seguida, com fundamento nesses dados, é feita a demarcação.

Assim, pois, é inaceitável a pretensão de entregar a demarcação ao Poder Legislativo ou a órgãos do Executivo absolutamente despreparados, que não têm familiaridade com as peculiaridades e tradições das comunidades indígenas e suas formas de ocupação das terras para satisfação de suas necessidades.

Não existe qualquer motivo sério e respeitável para tirar da Funai um encargo que é inerente às razões de sua existência, sob o pretexto de melhorar a regulamentação. O que falta é dar à Funai os recursos necessários para que ela possa cumprir sua tarefa. E nada impede que os legítimos interessados participem do processo de demarcação, que é público e aberto a colaborações de boa-fé e bem fundamentadas.

DALMO DE ABREU DALLARI, 81, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP

A Constituição ignorada – Dalmo de Abreu Dallari

A cobertura do Poder Judiciário pela imprensa, com noticiário minucioso e comentários paralelos, é uma prática muito recente, que pode ter efeitos benéficos em termos de dar maior publicidade a um setor dos serviços públicos que também está obrigado, como todos os demais, a tornar públicos os seus atos, seu desempenho administrativo e a utilização de seus recursos orçamentários.

Leia mais no Observatório da Imprensa, clique aqui.

Documentário sobre a ABDConst – Academia Brasileira de Direito Constitucional

Parabéns ao Flávio Pansieri e professor Dalmo de Abreu Dallari. Estou no documentário no 5’51”, falando sobre o meu apoio inicial ao embrião da entidade quando fui presidente do Centro Acadêmico Sobral Pinto (Direito PUCPR). Inclusive, logo depois fala o professor Edson Vieira Abdala sobre sua histórica palestra nas escadarias da PUCPR de São José dos Pinhais, pois a direção da época fechou as portas do teatro.

Conheça duas facetas do Ministro do STF Gilmar Mendes

Vejam o que o maior constitucionalista do Brasil, Dalmo de Abreu Dallari, disse sobre Gilmar Mendes há 10 anos, clique aqui.

Agora veja o que o jornalista Leandro Fortes tem a dizer de Gilmar Mendes, clique aqui.

Para terminar, dois vídeos sobre o Gilmar Dantas:

Dalmo de Abreu Dallari está falando na conferência de abertura da XXI Conferência Nacional dos Advogados

Dalmo de Abreu Dallari na XXI Conferência Nacional dos Advogados. Foto de Tarso Cabral Violin / Blog do Tarso

O tema de sua palestra é a liberdade, democracia e meio ambiente. A TV Justiça está televisionando o evento ao vivo.

Mesa de abertura. Foto de Tarso Cabral Violin / Blog do Tarso

 

A influência de Dalmo Dallari nas decisões judiciais – Ricardo Lewandowski

O professor Dalmo, como é conhecido por seus alunos e admiradores, conseguiu harmonizar, em sua trajetória de vida, duas vocações que Max Weber considerava, em princípio, antagônicas: a ciência e a política. Superando dificuldades teóricas e práticas antepostas à conciliação dessas duas nobilíssimas vocações, o festejado mestre das Arcadas logrou mesclá-las com sabedoria, delas extraindo aquilo que Weber lhes atribuía de melhor. 

“Se estivermos”, afirmava o sociólogo alemão, no tocante à primeira vocação, “enquanto cientistas, à altura da tarefa que nos incumbe (…) poderemos compelir uma pessoa a dar-se conta do sentido último de seus próprios atos ou, quando menos, ajudá-la nesse sentido” [1]. Quanto à segunda vocação, fazia uma distinção entre viver da política e viver para a política, assentando que, no primeiro caso, cuida-se da atividade daqueles que nela enxergam apenas “uma permanente fonte de rendas”, atitude infelizmente pouco rara nos dias que correm.

Já viver para a política, de acordo com Weber, significava a pessoa “achar equilíbrio interno e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de uma ‘causa’ que dá significado à sua vida” [2]. Requer um esforço tenaz e enérgico que exige, ademais, paixão e senso de proporção na busca do impossível para encontrar o possível [3]. Demanda dos que se dispõem a enfrentá-lo não apenas a qualidade de líder, mas sobretudo a de herói, que se arma com “toda força de alma que lhes permita vencer o naufrágio de todas as suas esperanças”. É a qualidade daqueles capazes de dizer “a despeito de tudo!” [4].

No enfrentamento dos múltiplos desafios com os quais se deparou ao longo de sua profícua existência, o professor Dalmo acabou por resgatar o ideal que os antigos gregos denominavam dearete, virtude personificada originalmente no herói homérico Aquiles, guerreiro a um só tempo corajoso, valoroso e honrado, cujos feitos foram imortalizados na famosa Ilíada. Superada a fase heróica da civilização helênica, Sócrates passou a identificar o conceito com o conhecimento racional do bem, lembrando àqueles que injustamente o perseguiam, em sua derradeira preleção, perenizada na comovente Apologia, que a autêntica arete “não provém da riqueza”, mas, ao revés, é “a riqueza ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida pública quer na vida privada”, que deriva da virtude [5]

O ideal praticado pelo professor Dalmo, a rigor, assemelha-se mais à arete desenvolvida pelos gregos a partir do século V a.C., quando se alargou o conceito de cidadania e, por consequência, a participação popular na gestão das distintas poleis. O conceito de arete sofreu, então, significativa inflexão para identificar-se com a noção de virtude cívica. Esses novos valores, que privilegiavam o envolvimento dos cidadãos na discussão sobre os rumos da polis, passaram a ser transmitidos às futuras gerações por meio de uma paideia. Mais do que mera técnica pedagógica, a paideia buscava oferecer ao homem o conhecimento necessário para viver em harmonia consigo mesmo e com os demais integrantes da comunidade política. Platão a conceituava como a educação “que enche o homem do desejo e da ânsia de se tornar um cidadão perfeito, e o ensina a mandar e obedecer, sobre o fundamento da justiça” [6].

A seu modo, o professor Dalmo tornou-se o legítimo herdeiro e propagador de uma paideiarenovada. Praticou, desde sempre, essa pedagogia existencial e cívica, definindo-a, em tocante síntese, no discurso que pronunciou ao receber o título de professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, da seguinte maneira: “(…) fiz do exercício da docência uma espécie de Advocacia para todo o povo, fazendo também da Advocacia uma espécie de docência permanente para todo o povo, estimulando a crença no Direito e mostrando os caminhos jurídicos para a busca de efetividade na proteção e fruição dos direitos consagrados na Constituição e nas leis” [7].

A vocação para a ciência atraiu-o precocemente para o magistério. Pouco tempo depois de concluir o bacharelado em 1957 na veneranda Faculdade do Largo São Francisco, nela passou a lecionar, não sem antes vencer a resistência dos que se opunham às suas idéias e práticas inovadoras. Mas só obteve o direito de ministrar aulas definitivamente na “velha e sempre nova Academia” no ano de 1963, após defender com êxito a Livre-Docência de Teoria Geral do Estado. Em 1974, conquistou a vaga de professor titular daquela disciplina, vencendo com brilho e competência disputado concurso público. Desde o início da carreira praticou uma paideia ajustada aos novos tempos, preferindo manter com seus alunos, dentro e fora das classes, um permanente diálogo socrático, ao invés de centrar esforços nas preleções ex cathedra.

Nomeado Diretor da Faculdade em 1986, promoveu importantes inovações, a exemplo da modernização dos métodos de ensino e aprendizagem, sobretudo com a generalização dos seminários em todas as disciplinas. Foi escolhido, em 1998, coordenador da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância instituída na USP. Deixou a docência regular, no final de 2001, em razão da aposentadoria compulsória, continuando, porém, a divulgar suas ideias em aulas, palestras e conferências por todo o Brasil e também no exterior.

No Velho Mundo, deu aulas, como professor convidado, nas Universidades de Paris X, na França, de Camerino e La Sapienza, na Itália, e de Santiago de Compostela, na Espanha. Participou, ainda, como conferencista, das celebrações do centenário da Universidade de Keyo, em Tóquio. Na América do Norte, lecionou, nas Universidades de Harvard, Columbia, Stanford e Nova York, nos Estados Unidos. E na Universidade de Calgary, Canadá, debateu a questão indígena, à qual é especialmente devotado.

A militância política levou-o a presidir, no auge do regime autoritário, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, criada em 1971, fazendo com que a atuação do órgão se voltasse integralmente para a promoção e defesa dos direitos humanos. Durante sua gestão, a CJP salvou muitas vidas, localizou inúmeras pessoas presas ilegalmente, abrigou e defendeu vários perseguidos políticos, inclusive vindos de fora do país. Ele mesmo foi preso em abril de 1980, pelo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, acusado de subversão por dar assistência jurídica a sindicalistas. Três meses depois, já solto, sofreu um atentado, que o deixou ferido, pouco antes da visita do Papa João Paulo II ao Brasil, que o convidara a ler um texto por ocasião da missa campal celebrada em São Paulo.

Por sua atuação em defesa dos direitos humanos foi chamado a integrar, como membro efetivo e, depois, na qualidade de Vice-Presidente, a Comissão Internacional de Juristas, sediada em Genebra e acreditada junto ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Em 1990, participou em Lima, no Peru, de conferência sobre o tema Poder Judicial y Democracia, promovida pela CIJ. Depois, representando a Comissão, participou de missões na Índia e no Paquistão, em 1995, e na Indonésia, em 1999. Integrou também a Associação Internacional de Juristas Democratas, sediada em Bruxelas, tomando parte em atividades promovidas por essa entidade em diferentes locais do mundo. Foi juiz do Tribunal Permanente dos Povos, com sede em Roma, que sucedeu o Tribunal Russell, dedicado a denunciar violências contra as pessoas. A defesa da democracia, da liberdade e da anistia aos perseguidos políticos levou-o, diversas vezes, à Argentina, ao Uruguai, ao Paraguai e a outros países da América Latina.

Embora jamais tenha deixado de agir politicamente, no sentido maiúsculo da expressão, o professor Dalmo sempre pontuou sua atuação por um reverente respeito à Constituição e às leis, não como cândida homenagem à forma pela forma, mas por nelas enxergar importantes instrumentos para a promoção dos valores fundamentais de convivência. Nessa linha, em seu consagrado Elementos de Teoria Geral do Estado, registra que “a observância de padrões jurídicos básicos, nascidos da própria realidade”, representam o alicerce sobre o qual se assenta o Estado Democrático [8]. Trata-se de um conceito pragmático de democracia, entendida como valor historicamente situado, que deixa de lado devaneios utópicos ou ideológicos, porquanto baseado na vontade do povo soberano que, hic et nunc, delimita os contornos de sua liberdade. E, para desfazer eventuais equívocos acerca da questão, alerta: “Os homens só serão livres quando forem obrigados a obedecer asnormas de cuja elaboração possam participar” [9].

A perspectiva que o professor Dalmo guarda da Constituição e das leis, convém repetir, nada tem de ingênua, porque reconhece que “o direito usado para dominação e injustiça é um direito ilegítimo, um falso direito”, explicando que “nesses casos é uma simples aparência de direito, escondendo o egoísmo e a desumanidade dos que não se envergonham de usar a força e a imoralidade para conseguir vantagens pessoais”. [10] Apesar de realista, sua visão não é de nenhum modo pessimista, pois entende que, embora existam percalços e dificuldades, “a história da humanidade demonstra que é possível avançar no sentido de construir sociedades mais justas, onde todos sejam livres e iguais em dignidade e direitos” [11].

Como estudioso do Estado, reserva à instituição um papel emancipador. Na instigante tese de cátedra, O Futuro do Estado, obra em que revela toda sua maturidade intelectual e acadêmica, o professor Dalmo conclui com uma nota otimista ao prever que chegará o dia em que as “deficiências e distorções do Estado poderão ser oportuna e convenientemente corrigidas, para que ele seja, efetivamente, um instrumento de todos os homens para a consecução da Justiça e da Paz” [12]. Mas a ação estatal, sublinha em outro trabalho, não dispensa o combate individual, pois aqueles “que gozam de posição mais favorecida devem usar seus direitos de modo justo e fraterno, dando solidariedade efetiva aos que ainda esperam o dia da libertação” [13].

A luta em prol da democracia e dos direitos fundamentais aproximou-o, afetiva e intelectualmente, dos juízes brasileiros que o tem como paradigma de jurista, sobretudo por sua dedicação à causa dos menos aquinhoados social e economicamente. Dele colhe-se o seguinte pensamento: “É obvio que o Judiciário faz parte da sociedade e não poderá, sozinho, fazer o milagre de eliminar as injustiças institucionais e os vícios de comportamento que impedem o Brasil, assim como outros países, de viver democraticamente e com justiça social. Mas uma boa organização judiciária, tendo juízes verdadeiramente comprometidos com a realização da justiça, desde a primeira instância até os mais altos tribunais, será mais um instrumento valioso para a proteção da legalidade autêntica e promoção da dignidade humana” [14].

Tal proximidade com os juízes levou-o a lecionar em várias escolas de magistrados, fazendo-o também merecedor de diversas comendas e honrarias concedidas por tribunais e associações de classe. Seus ensinamentos, a par de reverberarem intensamente entre seus discípulos e admiradores na esfera acadêmica e profissional, assim como no universo da política, ecoam também com vigor no âmbito do Judiciário, onde têm servido de referência e arrimo a inúmeras decisões prolatadas nas mais distintas instâncias jurisdicionais.

A profunda repercussão de suas lições no mundo da praxis bem revela a excelência dos frutos gerados pelo entrelaçamento das duas vocações weberianas, aparentemente inconciliáveis, a ciência e a política, que o ilustre mestre logrou concretizar com primor e dignidade.


[1] WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Cultrix, 1983, p. 46, grifos no original.
[2] WEBER, Ciência e Política …, cit.,p. 65.
[3] WEBER, Ciência e Política …, cit.,p. 123.
[4] WEBER, Ciência e Política …, cit.,p. 127.
[5] Apology. In The Dialogues of Plato. Chicago: The University of Chicago, 1952, p. 206.
[6] Apud JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 147.
[7] Discurso proferido, em 27 de setembro de 2007, por ocasião da outorga do título de Professor Emérito pela Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, cuja cópia consta dos arquivos da Associação dos Antigos Alunos.
[8] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204, grifos meus.
[9] DALLARI, Dalmo de Abreu. O Renascer do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 39, grifos meus.
[10] DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos da pessoa. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 76.
[11] DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos da pessoa, cit., p. 77.
[12] DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 239, grifo no original.
[13] DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos da pessoa, cit., p. 77.
[14] DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 164.

Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e sucessor, por concurso público de provas e títulos, do professor Dalmo de Abreu Dallari como titular da cátedra de Teoria Geral do Estado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2011