A MP ora aprovada parece cometer o grande erro de entregar inconstitucionalmente à iniciativa privada a possibilidade de ser proprietária de terminais portuários.
A regra geral, segundo nossa carta Magna, dever ser a de regime público de prestação de serviços portuários, em que se transfere a execução ao particular mantendo-se a titularidade dos mesmos na mão do Estado.
A MP cria competição entre portos públicos e privados em evidente desfavorecimento competitivo dos primeiros.
Se cuidados rigorosos não forem adotados, perderão o interesse publico e a capacidade de planejamento do Estado.
Em mais um setor o governo encaminha soluções demasiadamente privatistas. As futuras gerações arcarão com as nefastas consequências.

Por Pedro Estevam Alves Pinto Serrano e Christian Fernandes Gomes da Rosa*, no GGN
É certo que os serviços portuários têm grande relevância para o desenvolvimento econômico e social brasileiro, mas a decisão acerca dos meios mais adequados para sua organização ainda está longe de se mostrar algo consensual.
Todo o debate a respeito da Medida Provisória 595/2012 deixou claro que há muita contraposição, nos distintos setores sociais e dentre os agentes e grupos econômicos, quanto aos parâmetros que devem pautar os investimentos na atividade.
De um lado, espera-se que a ampliação da possibilidade de participação de agentes privados na exploração portuária replique o sucesso de outras grandes concessões brasileiras. É a legítima esperança de que o capital privado possa resolver o gargalo dessa Infraestrutura logística tão importante para o comércio entre o Brasil, notável produtor de commodities, e o resto do mundo.
De outro lado, a julgar a estrutura de custos e peculiaridades dessa atividade econômica, o serviço portuário necessita de amplo acompanhamento público, afinal já existe algum consenso de que um grau de planejamento público é fundamental ao crescimento econômico sustentável.
Temas com essa complexidade demandam uma abordagem não menos trivial. Para que se trace adequadamente o novo regramento da atividade, é preciso retornar aos fundamentos políticos e jurídicos para a própria definição do serviço portuário no Brasil e, a partir disso, compreender quais os possíveis resultados econômicos de uma ou outra configuração do marco regulatório desse setor.
A Constituição brasileira estabelece, em seu art. 21, XII, inciso ‘f’, que a exploração dos serviços portuários será realizada pela União diretamente, ou indiretamente por meio de concessão, permissão ou autorização. Nesse passo, o Direito brasileiro formalizou uma decisão clara no sentido de que a prestação de serviços portuários não poderia ser atribuída, abertamente, à livre iniciativa dos agentes privados. À semelhança de serviços como a geração de energia elétrica e de infraestrutura aeroportuária, entendeu o constituinte que cabe ao Estado brasileiro, neste caso à União, estabelecer os meios em que o serviço deve ser prestado – conforme prevê o art. 22, inciso X, da Constituição de 1988.
Sob uma perspectiva econômica e política, essa reserva jurídica tal como estabelecida viabiliza na prática uma melhor racionalização do setor, de maneira que mesmo na exploração indireta do serviço, por agentes privados, seja observado o interesse público pertinente a essa atividade econômica tão importante.
Não é por outra razão que um plano para a delegação de serviços de infraestrutura a gestores privados demanda, para seu sucesso, uma agenda de política pública devidamente traçada e que irá se manifestar nos contratos de concessão e termos de autorização que vierem a ser mantidos com agentes privados.
É sob essa premissa que deve ser compreendido o movimento estabelecido pelo Governo Federal na famigerada “MP dos Portos”. Em suma, busca-se estabelecer um modelo de delegação da gestão de portos – e não somente da atividade no terminal portuário – a agentes privados.
Conta-se com a eficiência – especialmente tecnológica e de gestão – do setor privado para o aprimoramento dessas funções hoje alocadas em sociedades de economia mista, as Companhias Docas. Tem-se ainda em vista estabelecer um marco jurídico seguro para a operação em terminais nomeadamente privativos, o que possibilitaria atrair maiores investimentos ao setor.
De fato, a participação de agentes privados na prestação de serviços públicos mostrou-se, ao longo dos últimos dez ou quinze anos, como um fator fundamental para a melhoria da infraestrutura nacional e, assim, para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. Essa participação, contudo, não dispensou o desempenho de relevante função das instituições públicas, seja por meio da determinação governamental das políticas setoriais, seja pelo estreito acompanhamento da performance dos delegatários – concessionários ou autoritários – pelas agências reguladoras.
Mesmos cuidados devem ser observados na ampliação dos terminais privativos. Em uma atividade como a portuária, é fundamental evitar que assimetrias entre diferentes regimes de exploração e a realização de investimentos sem o devido planejamento, que deve ser nacional, ocasionem a predação e deterioração da prestação do serviço prestado no médio ou longo prazo. Práticas já internacionalmente verificadas como o denominado cream skimming, a seleção pelo prestador apenas das operações mais lucrativas, podem efetivamente minar a sustentabilidade das operações de certas cargas que, ainda que não sejam as mais rentáveis, desempenham papel relevante na economia brasileira.
No caso do novo marco portuário, que tanto se esforça o Governo para implantar, a louvável busca pela maior atratividade de investimentos, ou pelo aprimoramento da gestão, não pode mitigar a relevância do papel estatal no bom desenvolvimento do setor. Quaisquer alterações devem reservar ao Estado os meios hábeis para a busca pelo interesse público, a que devem se alinhar os legítimos anseios privados, tudo em prol do crescimento econômico.
Note-se que é digna de registro a iniciativa de permitir os terminais indústria, em que a infraestrutura portuária é apenas um elemento intrínseco de uma especificada cadeia produtiva. Além disso, é certo que pode e deve haver espaço para os chamados terminais privativos, quando o caso. Mas, em qualquer hipótese, a decisão de sua instalação deve ser pautada também pelo interesse público e avaliada no âmbito de uma política nacional de desenvolvimento – o que de outra parte não pode significar, contudo, a postergação de boas iniciativas privadas por irrazoável letargia na análise desses pedidos.
Ao cabo, qualquer que seja a definição do novo marco regulatório, o desenvolvimento do setor portuário demanda a convergência entre as funções públicas e os interesses privados, cada qual em sua seara de atuação.
A MP ora aprovada, com todos seus acertos, parece cometer o grande erro de entregar inconstitucionalmente à iniciativa privada a possibilidade de ser proprietária de terminais portuários com ampla possibilidade de sua exploração junto a terceiros, deixando o Estado de arrecadar arrendamentos e de ter garantidos investimentos necessários em bens reversíveis à prestação pública desses serviços.
A regra geral, segundo nossa carta Magna, dever ser a de regime público de prestação de serviços portuários, em que se transfere a execução ao particular mantendo-se a titularidade dos mesmos na mão do Estado, com os respectivos instrumentos de controle próprios desta natureza de relação jurídica.
A MP, além de se afastar de tal regra, cria competição entre portos públicos e privados em evidente desfavorecimento competitivo dos primeiros, que contam ônus de investimentos mais exigíveis e reversíveis e mais obrigações de pagamento que os segundos.
Se cuidados rigorosos não forem adotados, perderão o interesse publico e a capacidade de planejamento do Estado, que terá muito menos instrumentos de controle do setor numa atividade em que a coexistência de regimes diversos de prestação não viabilizará uma competição equitativa, sem práticas predatórias como cherry picking.
Em mais um setor o governo encaminha soluções demasiadamente privatistas. As futuras gerações arcarão com as nefastas consequências.
* advogados especializados em direito administrativo
O guerrilheiro rompe o silêncio »
Calado desde a abertura e às vésperas de ser julgado, Wellington Diniz conta sua história de luta contra a ditadura
Diniz assaltou, foi acusado de assassinatos, preso, torturado, exilado, foi segurança de Lamarca e Fidel e fez cinema com Rosselini. Ele rompe o silêncio às vésperas de ser julgado em BH pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Publicação: 19/05/2013 07:30 Atualização: 19/05/2013 10:27
Daniel Camargos
‘Teve um embate e eu estava presente. A Dilma tinha a convicção dela, que era uma visão mais antimilitar. E nós tínhamos uma visão mais militar. A Dilma acusou o Lamarca de não ter sustentação teórica. Houve tensão, as discussões foram sérias, mas nunca chegou às vias de fato’
Quem observa o senhor franzino, de 66 anos, morador do Bairro Carmo, em Sete Lagoas, é incapaz de imaginar o peso da história que ele carrega. Wellington Moreira Diniz lutou contra a ditadura militar no Brasil, participou de ações armadas em bancos e quartéis para abastecer organizações como Colina, Var-Palmares e VPR com armas e dinheiro; foi responsável pela segurança do ícone da resistência, o capitão Carlos Lamarca, e presenciou a jovem Dilma Rousseff, então com 21 anos, discutir asperamente com Lamarca. Fez ainda parte do grupo que roubou US$ 2,598 milhões (R$ 15 milhões atualmente) do cofre da amante do político Adhemar de Barros; foi preso e cruelmente torturado, depois libertado em troca do embaixador suíço que havia sido sequestrado por seus companheiros. Exilado no Chile, foi segurança do então presidente cubano, Fidel Castro, quando este visitou o país governado por Salvador Allende, em 1971. Trabalhou ainda como assistente em produções do diretor de cinema chileno Miguel Littín e do italiano Roberto Rosselini e lutou pela independência de Angola, participando da tomada do aeroporto na capital.
Até a quarta-feira da semana passada, Wellington nunca havia contado sua trajetória. Em um depoimento de quase três horas, ele revelou ao Estado de Minas detalhes da sua biografia. Acusado de 38 assaltos, entre bancos, quartéis e automóveis, e de ter matado 12 pessoas em ações de resistência à ditadura, ele será julgado na próxima sexta-feira pela Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça. O deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG) será o relator do processo de Wellington e destaca: “A anistia não discrimina luta armada e luta pacífica. Em uma situação de ditadura é considerado lícito que os militantes peguem em armas”.
“Se eu era bravo? Bravo é boi. Eu seguia as necessidades do momento”, entende Wellington. A ficha do Serviço Nacional de Informações (SNI) imputa 38 ações, mas ele garante ter participado de 45. Sobre as 12 mortes de que é acusado, garante não ser realidade. “Sempre atirei para cima. Se alguém trombou na bala não é problema meu”, ironiza. Um dos apelidos que recebia dos companheiros e também dos militares era 90. Uma alusão às duas pistolas .45 que sempre carregava na cintura durante as ações. Outro apelido – que ele não gosta, aliás – era “John Wayne da guerrilha”. “Isso é folclore”, rebate.
Distante da época elétrica, quando vivia entre um aparelho e outro e chegou a assaltar três bancos no mesmo dia, sendo um no Rio de Janeiro e outros dois em São Paulo, Wellington recita sua vida como se estivesse contando para si próprio. Em quase três horas de depoimento, fumou 18 cigarros, bebeu mais de uma garrafa de café – sem açúcar – e fez longas pausas. “Existem as pessoas que passam pela história e as pessoas que fazem a história. Foi uma opção de vida fazer história”, conclui, deixando o cigarro queimar até o filtro.
» O INÍCIO
Wellington nasceu em Belo Horizonte, no Bairro Nova Suíça, filho de pai comerciante e mãe dona de casa. Começou a militância política na escola técnica industrial e logo depois integrou a Ação Popular (AP). Foi preso em 1968. “Foi um escândalo. Eu morava com meus pais e fui levado de cueca para o CPOR”, lembra. Foi interrogado, mas como não entregava nada seguiu preso. “Nesse tempo a tortura não era institucionalizada. Era só pancadaria. Eles batiam muito com cacetete de borracha”, detalha.
Recebia toda semana a visita dos pais e, para não assustá-los, dizia que estava bem e se sentia em uma colônia de férias. Certo dia, durante a visita, um coronel mandou que ele tirasse a camisa. Wellington resistiu, mas foi agarrado. “Meu pai viu como eu estava, porque o cacetete de borracha deixa lanhos na pessoa”, lembra. O coronel levou o pai dele para outra sala e teve uma conversa reservada. No dia seguinte, o pai de Wellington, Nereu Diniz, então com 46 anos, foi internado em um hospital e morreu de problemas cardíacos. “Meu pai não tinha nenhuma militância, não era ligado a nenhum partido político. Ele era só meu pai”, indigna-se.
» AO ATAQUE
Três dias após deixar a prisão, em Belo Horizonte, foi decretado o Ato Institucional número 5 (AI-5). Porém, Wellington não esperou pelo endurecimento do regime militar e já estava vivendo clandestinamente no Rio de Janeiro. Ingressou no Comando de Libertação Nacional (Colina). O contato dele era o também belo-horizontino Juarez Guimarães de Brito. “Juarez é na minha vida de 66 anos a pessoa mais honesta, mais parceira, mais companheira e que me ensinou muito na vida”, afirma Wellington. O Colina fundiu com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Carlos Lamarca, e formou a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).
Saiba mais…
Mortos pela ditadura militar serão lembrados em monumento na Afonso Pena
Entre as ações empreendidas na resistência à ditadura, Wellington destaca o assalto à agência do banco Andrade Arnaud, que ficava próximo ao Ministério da Guerra e à delegacia de repressão de assalto a bancos, na capital fluminense. “Isso deixou os militares furiosos”, recorda. Outro estratégia ousada foi o assalto à agência Urca da antiga União dos Bancos Brasileiros, que era onde os militares depositavam o dinheiro, pois era vizinho da Escola Superior da Guerra. Wellington também assaltou o carro do general Syzeno Sarmento, então ministro da Guerra. “Eu mesmo peguei o carro dele. Um carro bom, porque tinha placa fria e uma pistola .45 no porta-luvas”, lembra.
O assalto ao quartel de Manguinhos, na Avenida Brasil, também marcou. “Éramos cinco pessoas. O Darcy Rodrigues chegou para o sentinela e gritou: qual é o f. que disparou a arma?”, lembra Wellington. O guarda, assustado, não soube responder e atendeu a ordem de Darcy, que estava vestido como militar. Cerca de 40 militares foram reunidos em uma sala e colocados em posição de sentido. “Estava todo mundo com o fuzil na mão. O Darcy entrou e deu posição de sentido. Aí eu entrei. Com uma Thompson (metralhadora) na mão”, recorda.
» O GRANDE ASSALTO
A maior ação e mais notória foi o roubo do cofre da amante de Adhemar de Barros, no Bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Adhemar morreu em março de 1969 e deixou grande parte do dinheiro com sua principal amante, Anna Gimel Benchimol Capriglione. No dia 18 de junho de 1969, 11 militantes da VAR-Palmares, Wellington entre os líderes, invadiram a mansão, renderam todos os funcionários e levaram o cofre, que em valores de hoje tinha o equivalente a R$ 15 milhões.
“Eu não podia trocar dinheiro. Nem eu e nem o pessoal mais militarizado. Isso ficava para os simpatizantes. A Dilma (a presidente Dilma Rousseff) estava começando e foi junto com a Iara (Iara Averbeck, militante e namorada de Carlos Lamarca) trocar parte do dinheiro em uma casa da câmbio no Copacabana Palace”, lembra. A maior parte, entretanto, foi levada para o embaixador da Argélia por Wellington.
“Todo dinheiro era para a organização. Eu nunca coloquei a mão em um tostão de todas as operações que fiz. Eu inclusive apanhei porque não tinha uma nota de US$ 1”, sustenta Wellington. Os militantes decidiram que cada um dos participantes poderia ficar com uma nota de US$ 1 como recordação do feito, mas Wellington recusou, o que fez ele apanhar ainda mais na prisão por não revelar onde estava a nota. A história do assalto é contada no livro O cofre do dr. Rui (Civilização Brasileira), escrito por Tom Cardoso. Até a quarta-feira da semana passada, Wellington nunca havia contado sua trajetória. Em um depoimento de quase três horas, ele revelou ao Estado de Minas detalhes da sua biografia. Acusado de 38 assaltos, entre bancos, quartéis e automóveis, e de ter matado 12 pessoas em ações de resistência à ditadura, ele será julgado na próxima sexta-feira pela Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça. O deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda (PT-MG) será o relator do processo de Wellington e destaca: “A anistia não discrimina luta armada e luta pacífica. Em uma situação de ditadura é considerado lícito que os militantes peguem em armas”.
“Se eu era bravo? Bravo é boi. Eu seguia as necessidades do momento”, entende Wellington. A ficha do Serviço Nacional de Informações (SNI) imputa 38 ações, mas ele garante ter participado de 45. Sobre as 12 mortes de que é acusado, garante não ser realidade. “Sempre atirei para cima. Se alguém trombou na bala não é problema meu”, ironiza. Um dos apelidos que recebia dos companheiros e também dos militares era 90. Uma alusão às duas pistolas .45 que sempre carregava na cintura durante as ações. Outro apelido – que ele não gosta, aliás – era “John Wayne da guerrilha”. “Isso é folclore”, rebate.
Distante da época elétrica, quando vivia entre um aparelho e outro e chegou a assaltar três bancos no mesmo dia, sendo um no Rio de Janeiro e outros dois em São Paulo, Wellington recita sua vida como se estivesse contando para si próprio. Em quase três horas de depoimento, fumou 18 cigarros, bebeu mais de uma garrafa de café – sem açúcar – e fez longas pausas. “Existem as pessoas que passam pela história e as pessoas que fazem a história. Foi uma opção de vida fazer história”, conclui, deixando o cigarro queimar até o filtro.
» LAMARCA
Após a fusão entre a Colina e a VPR que originou a VAR-Palmares, Wellington passou a comandar a terceira base operacional da organização. “O meu grupo propôs uma operação para matar o Lamarca (Carlos)”, lembra. O motivo é que eles tinham visto uma notícia no jornal em que Lamarca, então capitão do Exército e um dos melhores atiradores do país, dava um curso de tiro para gerentes de banco reagirem aos assaltos. Wellington não sabia, entretanto, que no final de janeiro de 1969 Lamarca havia desertado e fugido do quartel de Quitaúna, em São Paulo, com uma Kombi carregada de fuzis, metralhadoras e munição e entrado para a VPR.
O plano não foi pra frente e meses depois Wellington foi deslocado para uma tarefa. Quando entra no aparelho se depara com Lamarca. “Ele morreu de rir. Disse que eu queria matá-lo, mas teria era que cuidar dele”, afirma. Wellington se recorda de quando passou a ser segurança do principal nome da guerrilha armada. “Fui com ele quando foi fazer uma cirurgia plástica. As enfermeiras pensaram que éramos um casal. Me gozaram muito no hospital. Mas elas não sabiam que debaixo do capote que vestia havia duas pistolas .45, uma metralhadora Thompsom e algumas granadas”, detalha.
» DILMA
Após o assalto ao cofre da amante do governador Adhemar de Barros houve um encontro da VAR-Palmares em Teresópolis, na região serrana fluminense. Um grupo, liderado por Lamarca, priorizava as ações armadas, e outro, do qual Dilma fazia parte, tinha o discurso da conscientização da massa de trabalhadores. Eram os “foquistas”, que desejavam implantar focos de guerrilha ante os “massistas”.
“Teve um embate e eu estava presente. A Dilma tinha a convicção dela, que era uma visão mais antimilitar. E nós tínhamos uma visão mais militar, que foi o grupo que formou a Vanguarda Popular Revolucionária. A Dilma acusou o Lamarca de não ter sustentação teórica. Houve tensão, as discussões foram sérias, mas nunca chegou às vias de fato”, recorda Wellington.
» A QUEDA
Wellington viveu um tempo como camponês na região serrana do Rio de Janeiro preparando aquele que seria o cativeiro – caso o plano fosse efetivado – do então ministro da Marinha, Augusto Rademaker, e do militar Gary Prado, que estava no Brasil e foi um dos responsáveis pela caçada que matou Ernesto Che Guevara. “Fui ao Rio porque ia ter um encontro para fechar essa questão. Como eu era o segurança do Lamarca, sempre ia na frente para averiguar. Na hora em que abri a porta do apartamento tinha um Fal (fuzil) na minha cara”, lembra.
Wellington diz que correu, mas se deparou com outros militares. Chegou a trocar tiros, mas foi atingido de raspão na cabeça e outro nas costas. Acabou preso. “Ai me meteram duas algemas. Um militar enfiou o fuzil na minha boca, quando eu estava caído. Fui levado para o DOI-Codi, na Barão de Mesquita. No elevado da Barão de Mesquita dei uma cabeçada no motorista do carro e ele esbarrou o carro na mureta”, destaca a própria valentia. Preso, Wellington afirma ter conseguido segurar 72 h oras sem abrir a boca. Ele sabia muito. Sabia onde estava Lamarca e também o destino do dinheiro do cofre da amante do Adhemar de Barros e, por isso, foi torturado intensamente.
» EXÍLIO E FIDEL
Com o sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, comandado por Lamarca, Wellington entrou na lista dos 70 nomes que seriam trocados pelo diplomata. Foram para o Chile, que era governado por Salvador Allende. Chegando ao país andino, ele trabalhou com o cineasta Miguel Littín, como assistente de câmera no filme A terra prometida. Porém, quando o general Augusto Pinochet tomou o poder, seu nome foi incluído na lista de procurados e teve que deixar o país.
Antes, em 1971, quando o então presidente cubano Fidel Castro visitou o Chile, Wellington foi destacado pelo Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) para compor a equipe de segurança do líder cubano. “Precisavam de pessoa com certa experiência e desenvoltura para auxiliar nos trabalhos. Com gente disposta ao que desse e viesse. Fidel era um ídolo, assim como Che Guevara. E nos tratava de igual para igual, chamando-nos de companheiro e tomando um café igual nós estamos tomando aqui”, relata.
» CINEMA E REVOLUÇÃO
No Chile, além de trabalhar na produção de filmes, Wellington conheceu Renzo Rosselini, filho do cineasta italiano Roberto Rosselini. Quando teve que deixar o país após a tomada do poder por Pinochet, Wellington chegou à Itália, passando por México e Bélgica antes. Lá, conta que foi assistente de direção de Roberto Rosselini em filmes feitos para a tevê italiana RAI. No Brasil, quando retornou, foi assistente de direção de Helvécio Ratton no filme A dança dos bonecos (1986). “Um cara extremamente corajoso. Não era de falar muito e nem de discutir, mas era um sujeito de muita ação”, lembra Ratton.
Porém, antes de retornar ao Brasil, Wellington também esteve em Angola e participou da luta pela libertação do país, que culminou na independência, em 1975. No país africano nasceu um de seus seis filhos. Após retornar ao Brasil, estudou medicina oriental e, por muitos anos, teve um clínica de acupuntura no Bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, além de dar aulas e escrever livros sobre o assunto. Há três anos mora em Sete Lagoas. Mudou-se para a cidade para viver mais próximo de sua mãe, que morreu em março deste ano.
» IDEOLOGIA
Wellington afirma que na primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antigos companheiros o sondaram sobre a oportunidade de trabalhar em Brasília. Porém, ele permanece radical. “Eu não tenho estômago ainda. Eu ainda não tenho essa capacidade de exercer minha serenidade frente a pessoas que torturaram ou que financiaram a tortura. Eu não tenho o que fazer lá”, afirma. Wellington não se arrepende de nada do seu passado. “Tenho muito orgulho de ter feito parte de uma situação que pode resultar hoje na nossa possibilidade de falar”, garante. O ex-combatente faz questão de deixar um recado para os jovens: “Acredito profundamente no ser humano e acredito nessa juventude que está vindo aí. Que pode trazer novos valores saindo desse colonialismo mental que existe até hoje. Não somos nós, os dinossauros da história, quem vai promover essas mudanças. Essas mudanças estão na mão dos jovens que não recebem pressão ideológica do jeito que recebíamos e que tem a liberdade de poder criar algo novo. Tenho um orgulho muito grande de ter participado na construção deste espaço. Quando vejo meus filhos com valores novos, com propostas novas, a vida está feliz e eu estou realizado”.
Glossário
AI-5 – O Ato Institucional número cinco foi decretado pelo presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. Fechou o Congresso e deu poderes absolutos para o regime ditatorial militar.
AP – A Ação Popular foi um movimento surgido da esquerda católica, em Belo Horizonte, que combateu o poder dos militares.
Adhemar de Barros – Político paulista, governou São Paulo, foi derrotado por Juscelino Kubitschek para a Presidência da República e cunhou a expressão “rouba, mas faz”.
Augusto Pinochet – Governou o Chile entre 1973 e 1990, após tomar o poder com um golpe militar. Morreu em dezembro de 2006.
Carlos Lamarca – Capitão do Exército brasileiro, campeão de tiro, desertou e passou a combater a ditadura em organizações de esquerda. Morreu no sertão da Bahia, após intensa perseguição, em 17 de setembro de 1971.
Colina – Sigla de Comando de Libertação Nacional, grupo de extrema- esquerda iniciado em Minas Gerais. Em 1969, se fundiu com a VPR e formou a VAR-Palmares.
Fidel Castro – Liderou a Revolução Cubana, em 1959, e presidiu Cuba até 2006, quando passou o poder para seu irmão, Raul Castro
Miguel Littín – Um dos mais importantes cineastas chilenos. Diretor de obras como Ata geral do Chile (1986) e A terra prometida (1974)
Roberto Rosselini – Cineasta italiano, diretor de vários filmes célebres, como Roma, cidade aberta (1945). Morreu em 1977.
Salvador Allende – Primeiro presidente socialista eleito democraticamente. Governou o Chile entre 1970 e 1973, quando se matou, durante o golpe e bombardeio empreendido pelo sanguinário Augusto Pinochet.
VAR-Palmares – Sigla de Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Adotou a tática de guerrilha e surgiu da fusão do Colina e com a VPR.
VPR – Sigla de Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Foi a primeira organização de esquerda em que o capitão do Exército
Carlos Lamarca ingressou.
CurtirCurtir
Professor tai mais uma demonstração que esse governo é mais neo liberal do que aqueles que criticam.
Falam, falam mas fazem igual.
CurtirCurtir
O governo é menos neoliberal do que o de FHC
CurtirCurtir
A questão não é se um determinado governo é ou não neoliberal e entreguista. Governo se constrói com atos e fatos e o PT deixa rastros imensos e marcas de um governo comprometido com o capital especulativo deste país. O PT tinha o compromisso com a reforma agrária, o PT tinha o compromisso com a educação, o PT tinha o compromisso no combate à corrupção, o PT tinha um compromisso de Brasil Nação, mas no poder o PT perdeu a virtude dos tempos da militância e o idealismo acabou.
CurtirCurtir