
Por Altamiro Borges
O tucano José Serra não sabe mais o que fazer para reverter os resultados desfavoráveis das pesquisas eleitorais. A ajuda da TV Globo, com o midiático julgamento do “mensalão”, aparentemente não surtiu o efeito desejado. Já o apoio do “pastor” Silas Malafaia foi um tiro no pé e assustou até os evangélicos. Desesperado, o eterno candidato do PSDB insiste no diversionismo mais grosseiro para atacar Fernando Haddad. Afirma que o petista demitirá milhares de profissionais das chamadas Organizações Sociais da Saúde (OSs).
A tática marqueteira é terrorista. Serra tenta vender a imagem de que a situação da saúde em São Paulo está ótima e que o seu rival vai implodir o setor. A realidade, porém, desmente esta manobra diversionista. Várias pesquisas apontam que os paulistanos reprovam os serviços prestados pela prefeitura nesta área tão sensível. Como Serra é Kassab e Kassab é Serra, o caos na saúde na capital paulista acaba tirando mais votos do tucano. A reprovação do prefeito, também neste quesito, acaba elevando o índice de rejeição de Serra.
Pesquisas confirmam as críticas
Pesquisas realizadas pelo Datafolha mostram que a saúde sempre foi considerada um dos principais problemas da metrópole. Só que a situação piorou muito nos últimos anos. Em 2008, segundo o instituto, 16% dos paulistanos apontaram o tema como prioritário – já numa pesquisa mais recente do mesmo Datafolha, este percentual saltou para 29%. Longas filas, ausência de médicos, atendimentos nos corredores e práticas discriminatórias nos hospitais, entre outros fatores, são apontadas como causas desta situação dramática.
Neste cenário, nada mais justo de que os candidatos à prefeitura da capital discutam com seriedade novas soluções para a saúde – não com as costumeiras baixarias do tucano. Isto torna obrigatório avaliar o desempenho das OSs. A ideia de repassar a saúde pública às entidades privadas surgiu no reinado neoliberal de FHC. Na época, em 1998, PT e PDT criticaram a privatização do setor e ingressaram com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), que até hoje não julgou o mérito da questão.
OSs mandam no setor na capital
Com o tempo, as OSs se alastraram por várias cidades – não apenas em São Paulo. Hoje elas dominam o setor na capital paulista. Com um orçamento de R$ 1,1 bilhão em 2011, elas detêm quase metade da receita da Secretaria Municipal da Saúde, administram 60% das suas unidades (238 de um total de 396) e realizam 75% dos atendimentos. A maior parte (52,7%) dos 79.017 funcionários da área da saúde é contratada por estas organizações privadas. Qualquer proposta de melhoria do setor terá que reavaliar o papel das OSs.
Do ponto de vista da sociedade, as OSs não convenceram. Pesquisa recente mostra que 60% dos paulistanos consideram ruim/péssimo o atendimento na saúde – em 2007, antes dos primeiros contratos com estas entidades privadas na capital paulista, o índice negativo era de 51%. Já para os movimentos sociais, a experiência das OSs é um desastre. Segundo Ângelo D’Agostini, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de São Paulo (Sindsaúde), elas só agravaram o caos no setor, penalizando a população mais carente da cidade.
Rediscutir a privatização na saúde
Entre outros problemas, o sindicalista critica as práticas discriminatórias e elitistas destas organizações. “O contrato de gestão das OSs criou os hospitais de portas fechadas. O SAMU, inclusive, é orientado para não levar mais pessoas para estes hospitais”, explica. Para ele, “o nome Organização Social da Saúde é um nome fantasia para entidades privadas e sem fins lucrativos, o que é muito relativo. O Hospital Sírio Libanês, por exemplo, é uma entidade sem fins lucrativos, mas não quer dizer que não tenha hospitais particulares”.
Ângelo D’Agostini também afirma que as OSs representaram maior arrocho e precarização dos trabalhadores da saúde. “Como é uma entidade privada, não há necessidade de concurso público, não há critério de estabilidade no emprego, os salários são diferentes, os médicos correm atrás das maiores remunerações, mudam de entidades. Isso para o serviço de saúde é extremamente negativo”. Por estas e outras razões, o sindicalista defende que o novo prefeito de São Paulo rediscuta a parceira com as OSs. Nada mais justo!
Discricionariedade na Qualificação das Organizações Sociais
As organizações sociais (OS) representam um modelo de organização pública não estatal destinado a exercer atividades públicas de saúde, educação e cultura através da qualificação específica conforme descreve a Lei Federal nº9637/98 (artigo 1º). A qualificação como Organização Social é feita mediante ato discricionário do Poder Público e o requisito fundamental é a não distribuição dos excedentes financeiros que devem ser vertidos em favor das próprias atividades.
O curioso é a redação empregada na Lei, segundo a literalidade do ‘caput’ do artigo 1º que emprega o verbo “poderá” que para a administração pública ou para as autoridades públicas deve ser lida como “deverá” deixando assim a discricionariedade de lado em favor da vinculação do ato administrativo, que em prática significa que as decisões deverão ser motivadas e fundamentadas, inclusive com adoção das regras do procedimento administrativo do devido processo legal. Porém o inciso II do artigo 2º descreve como requisito específico para a qualificação que deverá haver “aprovação, quanto a conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social,do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto social (…)”, ou seja, a decisão é totalmente discricionária e não existe a previsão de revisão ou recurso nem muito menos de prazos da decisão que aprova ou reprova a conveniência e oportunidade da qualificação da organização.
Vejamos que mesmo a discricionariedade do Poder Público deveria ser justificada e fundamentada a conveniência e oportunidade, pois bem, em se tratado de serviços de organizações sociais de saúde, educação e cultura, podemos perceber que é mais que conveniente a existência de uma pluralidade de organizações atuando nos deficitários quadros da saúde, educação e cultura, pois para o fortalecimento do bem estar social a promoção contínua de saúde, educação e cultura nunca é demais. Já em relação a oportunidade, diga-se que o mesmo argumento quando a conveniência, acrescentando que a organização da sociedade civil e a adoção de métodos de fiscalização e controle demonstram que as organizações sociais podem desempenhar papéis importantes aonde o serviço público padronizado não alcança.
Entretanto, não parece ser esta a finalidade e a vontade da Lei, pois a qualificação como ‘organização social’ não está colocada como um direito e sim como uma condição para ser alcançar uma gama de direitos e tal patamar só é atingido com a decisão discricionária do Poder Público que, diga-se de passagem, não tem prazo de validade. Não se trata apenas de uma mera qualificação da OS, pois uma vez qualificada ela estará habilitada a gerir recursos públicos e no mais das vezes estará dispensada dos regulamentos da lei das licitações, tanto na contratação dos famigerados convênios como também para usar recursos de origem pública para comprar e contratar com seus fornecedores.
Acredito que a legislação das organizações sociais devesse passar uma revisão para se excluir a discricionariedade da qualificação, bem como se instituir um órgão público específico para fiscalizar e acompanhar a gestão de todos os assuntos da OS que fogem da fiscalização dos Tribunais de Contas e ao final levar a efeito os contratos de gestão e a verificação das metas propostas.
Leonardo Pires da Silva
Advogado e Estudante do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP.
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