Juristas criticam ação da polícia paranaense no pré-carnaval de Curitiba

Tiago Recchia hoje na Gazeta do Povo

É hora de se modernizar

Ontem na Gazeta do Povo

Por Carolina de Castro Wanderley

Vou ao Garibaldis e Sacis há mui­­tos anos. Quase que desde o começo. E também me ba­­tem saudades dos tem­­pos em que eram poucos. Só que as coi­­sas mudam e o bloco, mais do que crescer, se democratizou

Se democratizando, como é lindo que seja, todo mundo é bem vindo. A gente pode até reclamar dos “manos”, mas eles também podem e têm o direito de gostar do que a gente gosta. A gente pode até torcer o nariz tipicamente curitibano, dizendo que existem figuras lá na festa que não seriam convidadas para uma festa na nossa casa. Mas a Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião! Todo mundo tem direito! Então pare de coisa, carnaval é assim. Quer bloquinho seleto, faça o seu. No Rio tem centenas, cada um tem direito de criar o seu.

Sobre o tumulto. Muita gente junta, pode dar rolo. Jogo de futebol é assim, show de rock é assim, festa de ano novo na praia é assim. O pessoal do bloco já havia procurado apoio policial que, se houve, eu não vi com número digno de nota. E então o Garibaldis havia dito: todo mundo cuidando de todo mundo. Não significa cuidar da sua amiga que foi com você no carnaval, significa olhar todo mundo como companheiro de folia. Significa reconhecer o diferente como digno do seu respeito. Significa ser gente!

Deve mesmo ter havido um pes­­soal que fez alguma besteira lá no alto do Largo. Sim, em alguns pontos a gente sente o cheiro de ma­­conha. Sim, ficamos ligados com bolsas e evitamos tumultos e confusões. Sim, tem gente que en­­torta o caneco e faz besteira, principalmente aquele pessoal que vai para olhar ao invés de pular. Pulando o álcool evapora. Mas tu­­do bem, até os chatos e o pessoal que nem gosta de carnaval são bem-vindos.

Agora, o que parece claro e cristalino é que a reação da Polícia Militar foi arbitrária, desproporcional e ofensiva à população. Parece claro também que os rapazes da PM (sim, rapazes, devem lá ter os seus 22, 25 anos, podiam estar brincando o carnaval se não estivessem a serviço) estavam até mesmo nervosos e pouco à vontade com aquela ação. Mas mandaram que eles fizessem daquele modo. E eles fizeram, e tiraram aquela raiva toda sei lá de onde.

As instituições têm que se modernizar e atender à demanda de uma sociedade que não para. Repito: não adianta querer fazer o que acontece hoje caber no bloquinho de 13 anos atrás. Tem que dar suporte para o que o povo faz pacificamente. Tem que ter preparo para recolher o burrão jacu que jogou garrafa na viatura sem bater nem mesmo nele. Não, não sou policial, não sei como é lá na frente quando o bicho pega. Mas sei como deve ser. Na teoria e na lei.

Quem não aguenta com mandinga não carrega patuá. Quem não tem competência, não se estabelece – ou, se tem problema, desce o sarrafo.

Carolina de Castro Wanderley é advogada, especialista em Direito Cultural e foliã há duas décadas.

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Violência no pré-carnaval

Hoje na Gazeta do Povo

Por Adel El Tasse

A reunião pacífica de pessoas em locais públicos é um direito do cidadão e não pode ser atacada como se tivessem as autoridades alguma legitimidade para decidir quem sai às ruas e quem não sai

O pré-carnaval de Curitiba marca importante evento na agenda cultural da cidade, pois ainda que sempre se tenha afirmado que o curitibano não faz coro ao restante do país em sua paixão pela festividade popular, o fato é que uma parcela da população gosta da festa e tenta realizá-la com ordem e alegria, apesar de todos os tabus e dificuldades existentes para promovê-la, em um local em que previamente já gosta de se afirmar detentor de resistência ao evento.

A democracia tem no respeito às minorias importante elemento de sustentação. A magnitude do processo democrático está em construir decisões coletivas a partir da vontade da maioria, sem, contudo, oprimir a minoria ou excluí-la. E o carnaval de Curitiba pode e deve representar exemplo de respeito à minoria. Sendo verdade que a festa é cultivada pela minoria da população devem ser resguardados espaços para que esta a promova, respeitando as demais pessoas.

A promoção do pré-carnaval no Largo da Ordem, em um domingo à tarde, parece atender a essas exigências, pois limita o evento a uma pequena área da cidade, de pouco trânsito e historicamente utilizada para eventos populares.

O que foge à razoabilidade são os disparos de tiros pela polícia a pretexto de dispersar as pessoas que lá realizam o evento, em uma demonstração clara de que quando o discurso vazio de promover segurança pública com violência ganha corpo o que se tem é um crescimento avassalador das forças repressivas do Estado, com a adoção de práticas autoritárias.

A Constituição é clara ao estabelecer no artigo 5.º, XVI: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

A reunião pacífica de pessoas em locais públicos é um direito do cidadão brasileiro e não pode ser atacada como se tivessem as autoridades públicas alguma legitimidade para decidir quem sai às ruas e quem não sai.

O STF ao analisar a amplitude do dispositivo constitucional em destaque, durante a chamada “marcha da maconha”, foi peremptório em afirmar que o direito de reunião é ilimitado e se constitui em um dos mais importantes em uma democracia, esclarecendo que independe de autorização, sendo a comunicação para autoridade apenas para não frustrar outra reunião de forma prévia marcada, pois a autorização já foi dada com caráter geral para todos os cidadãos pela Lei Suprema do país.

No pré-carnaval, a pretexto de reprimir a ação de uma pessoa que havia atirado uma garrafa contra uma viatura, foram acionados os mais repressivos grupos policiais, para atuar não só contra quem jogou a dita garrafa, o que já seria desproporcional, mas contra toda a população, atirando balas de borracha e usando de truculência generalizada para espantar cidadãos que ocupavam as ruas de sua cidade, que mantêm com o pagamento de seus impostos.

Não há argumentos lógicos que justifiquem o ocorrido. Foi brutal e desproporcional e não pode ser aceito por nenhum cidadão de bem e que preze o regime democrático, pois representa um desolador retrato do que se faz na segurança pública do país, absolutamente nada, apenas opressão e violência a fim de gerar medo nas pessoas quando veem a polícia.

O mundo aproxima a polícia dos cidadãos, incidentes como o do pré-carnaval demonstram que aqui se gera uma polícia anticidadão, que não se sente parte da população, mas detentora de poder especial, talvez pelo fato de portar arma, mas vale lembrar que bandido também o faz e nem por isso deve ser considerado especial.

A melhor estratégia de segurança pública já experimentada e de eficácia reafirmada pelos números apresentados em diferentes pontos do planeta é a população controlar as ruas de sua cidade, com a polícia em seu favor a lhe garantir proteção, o que torna os espaços inviáveis para os que praticam delitos.

Curiosa a postura de atacar o cidadão comum, desarmado, que sai às ruas da cidade de forma pacífica, parece até que se quer expulsar ele para tudo voltar à sua normalidade, ou seja, as ruas controladas pelo crime.

Adel El Tasse, advogado, procurador federal, professor de Direito Penal, é coordenador no Paraná da Associação Brasileira de Professores em Ciências Penais. E-mail adel@eltasse.com.br

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