Privatização dos presídios de Beto Richa contraria Resolução e o Plano Nacional do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça e é composto por notáveis juristas da área do Direito Penal brasileiro, inclusive um dos seus presidentes foi o advogado paranaense René Ariel Dotti, um dos maiores juristas do país.

A privatização inconstitucional dos presídios proposta pelo governador Beto Richa (PSDB), que já até virou lei estadual, é totalmente contrária à política nacional criminal e penitenciária.

A Resolução 8, de 9.12.2002, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, é expressa, conforme a imagem abaixo:

A Resolução é clara ao definir que as funções de ordem jurisdicional e relacionadas à segurança pública são atribuições do Estado indelegáveis por imperativo constitucional, e que há incompatibilidade entre os objetivos da política penitenciária e de outro lado a lógica de mecado, recomendando a rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização do Sistema Penitenciário Brasileiro.

A resolução 8/2002 ainda deixa claro os serviços penitenciários de segurança, administração, gerenciamento de unidades, disciplina, efetivo acompanhamento e avaliação da individualização da execução penal não são delegáveis à iniciativa privada.

Além de desrespeitar a Resolução, a política de privatização dos presídios de Beto Richa ainda vai em sentido contrário ao Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, em 26/04/2011:

“Temos duas direções a tomar. A primeira é continuar alimentando a espiral da criminalidade: apoiar o endurecimento penal, aumentar as taxas de encarceramento, adotar o modelo de superprisões, ignorar a seletividade penal, idolatrar a pena privativa de liberdade, eleger as facções criminosas como problema central, apoiar a privatização do sistema penal, combater apenas a corrupção da ponta, judicializar todos os comportamentos da vida, potencializar o mito das drogas, enfraquecer e criminalizar os movimentos sociais e defensores de Direitos Humanos e considerar o sistema prisional adjacente e consequente das polícias.

A segunda é criar uma nova espiral, da cidadania e da responsabilização: reduzir as taxas de encarceramento, descriminalizar condutas, ter modelos distintos de prisões para cada segmento, combater a seletividade penal, buscar menos justiça criminal e mais justiça social, investir na justiça restaurativa, empoderar a população para busca de solução dos conflitos, priorizar as penas alternativas à prisão, eleger o sistema prisional como problema central, fortalecer o Estado na gestão do sistema penal, combater todos os níveis da corrupção, enfrentar a questão das drogas nas suas múltiplas dimensões (social, econômica, de saúde, criminal), fortalecer o controle social sobre o sistema penal e ter política, método e gestão específica para o sistema prisional.

Este Plano adota a segunda direção.”

Será que a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná, e o Ministério Público Estadual vão permitir essa aberração jurídica?

Beto Richa sanciona a Lei que privatiza presídios em evento no TJ/PR. OAB/PR e MP, presentes no evento, são a favor?

Governador Beto Richa (PSDB) e a Primeira Dama e Secretária da Familia e Desenvolvimento Social Fernanda Richa junto com o Vice-Governador Flávio Arns (PSDB, ex-PT, ex-PSDB) assinam com o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Miguel Kforuri Neto o Pacto Mão Amiga pela Paz no TJ. Foto:Rogério Machado/SEDS

Já passados um terço do governo Beto Richa, o clima é de paralisia e incompetência. Mas em uma coisa eles são eficientes: rolo compressor na subserviente Assembleia Legislativa do Paraná quando o assunto é privatização.

Em menos de um mês o governador Beto Richa (PSDB) enviou um anteprojeto de lei (02 de abril) que prevê a privatização da gestão dos presídios para entidades do Terceiro Setor, a Assembleia aprovou o projeto em regime de urgência e, ontem (27 de abril), o governador sancionou a lei. A lei é totalmente inconstitucional!

O mais estranho é que a lei foi sancionada em evento no Tribunal de Justiça do Paraná com a presença do presidente do TJ e presidente da OAB/PR. O esquema foi batizado de “Pacto Movimento Mãos Amigas pela Paz”, e envolve, ainda, os poderes Legislativo, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Paraná.

A lei em comento é a que autoriza o Estado a firmar convênios com as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), entidades civis sem fins lucrativos que poderão administrar unidades penais de pequeno porte, destinadas a presos considerados de menor periculosidade, especialmente os condenados a cumprimento de penas em regime semiaberto.

Já postei um comentário sobre a inconstitucionalidade da privatização de presídios, com o apoio de colegas juristas que indicaram textos sobre o tema.

Para continuar a discussão, já que ela não ocorreu na Assembleia Legislativa, recomendo leitura do texto “Parcerias Público-Privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária”, de José Roberto Pimenta Oliveira, publicado no livro “Parcerias Público-Privadas”, coordenado por Carlos Ari Sundfeld, editora Malheiros, 2005, pp. 406-432.

No texto fica claro que como regra o poder de polícia (atos de produção jurídica, desde emissão de normas jurídicas, atos jurídico-administrativos concretos e atos de execução material de normas e atos previamente estabelecidos) não pode ser delegado para particulares (a exceção é o comandante de navio ou aeronave), o que qualquer estudante de Direito do 3º ano deveria saber, mas parece que os membros do governo não sabem. São passíveis de terceirização apenas atividades preparatórias, instrumentais ou de suporte.

O autor saliente que mesmo no caso de execução material sucessiva ao ato de polícia (por exemplo retirada de veículo de local proibido), a empresa contratada não é autorizada a iniciar a execução por vontade própria. Portanto, para Oliveira:

“a deflagração da atividade executiva até a gestão da fase final de mera execução técnica e objetiva de tarefas que lhe são inerentes não poderá, em sua integralidade, ser objeto de delegação, em face da eventual necessidade do uso da coercibilidade, sob pena de contrariar os vetores constitucionais que justificam a indisponibilidade do poder de polícia”.

Para o autor, na “parcela da função administrativa prisional que afeta o direito de liberdade do preso” há coerção sobre a liberdade, além do caráter restritivo de direitos fundamentais, “aproximando a atividade administrativa prisional da atividade de ordenação de direitos, abrangente do exercício do poder de polícia”.

O autor informa que o art. 66 da LEP define que as competências jurisdicionais (típicas, I a V) e administrativas (atípicas, VI a IX) foram atribuídas ao juízo de execução, ao Poder Judiciário, portanto não delegáveis.

O exercício da função administrativa prisional, atribuídas a órgãos administrativos, abrange:

(a) atos jurídicos (edição de provimentos sancionatórios – art. 53, emanação de recompensas – art. 56, autorizações de trabalhos externos – art. 37)

(b) atos materiais

(b.1) atividade material incidente sobre a pessoa do preso (providências materiais de vigilância – art. 39). Não podem ser delegadas. Diferente de vigilâncias terceirizadas na Administração Pública em geral. Aqui há monitoramento dos deveres dos presos, e não raro com uso de coação.

(b.2) atividade material de gestão (assistências em geral – arts. 12, 14, 15, 22, 25, 28). Não são atos jurídicos ou atos materiais coercitivos. APENAS ELES PODEM SER DELEGADOS PARA PRIVADOS, JUNTAMENTE COM OBRAS.

O autor argumenta que “não há como justificar a transferência indiscriminada de integralidade da função administrativa prisional partindo da remissão legal à çooperação da comunidade”” e conclui que a gestão mista ou a gestão plena são inconstitucionais.

Governador Beto Richa discursando sobre como é bom privatizar. Ao fundo o presidente da OAB/PR, José Lúcio Glomb. Foto:Rogério Machado/SEDS

Privatização dos presídios de Beto Richa é inconstitucional

Não vou aqui questionar politicamente o governador do Estado do Paraná, sr. Carlos Alberto Richa (PSDB), que prometeu que não iria privatizar e está privatizando atividades-fim nas empresas estatais, aprovou “na marra” a lei de privatização da saúde e cultura via organizações sociais – OS, entre outras. A mais nova é a tentativa, com pedido de urgência, da aprovação do PL 135/12 que o governador encaminhou para a Assembleia Legislativa.

Trata-se da privatização dos estabelecimentos penais no Estado, por meio de ONGs – organizações não-governamentais, que fariam a gestão desses estabelecimentos, inclusive as entidades do Terceiro Setor chamadas APACs – Associações de Proteção e Assistência aos Condenados.

Antes que alguém diga que isso não é privatização, mas sim “terceirização”, ou mesmo “parceria”, apenas deixo claro que uma das maiores administrativistas brasileiras, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é clara e expressa ao definir que terceirizações e parcerias com o Terceiro Setor também são privatizações, em sentido amplo (Parcerias na Administração Pública, editora Atlas).

A primeira pergunta: quem será que elaborou o anteprojeto de lei? Mal feito, com erros formais e materiais crassos. Como passou pelo deputado Durval Amaral (DEMO), atual chefe da Casa Civil de Beto Richa? Durval Amaral que pretende ser escolhido o novo Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, por ter “notório saber jurídico”. Uma piada.

O PL confunde Estado com Governo. Quem o elaborou e todos os advogados e políticos que o analisaram não sabem que quem celebra convênios é uma pessoa jurídica, o Estado, e não o Governo, que é o grupo de pessoas que está no poder. É primário. Mas que bom seria se o problema fosse apenas esse.

Preliminarmente, há um vício de iniciativa, pois a Constituição do Estado do Paraná dispõe que são de iniciativa privativa do Governador PLs que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das Secretarias de Estado e órgãos da Administração Pública (art. 66, IV, e 87, VI). O Regimento Interno da Assembleia determina que a não ser nos casos de projetos de competência exclusiva do governador, os demais terão origem na Assembleia. Ora, o PL em comento trata de convênios, parcerias entre a Administração Pública e a iniciativa privada. Não trata de organização administrativa. Qualquer estudante de direito do 3º ano sabe disso. Portanto, o presente PL deveria ser de iniciativa da Assembleia, e não do governador.

Por mais que alguns juristas penalistas e administrativistas neoliberais entendam que é possível a privatização da gestão dos presídios para a iniciativa privada, entendo que essa terceirização poderia ocorrer apenas em atividades realmente acessórias, atividades-meio, como por exemplo a alimentação, limpeza, lavanderia, etc. Sobre o tema ver DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na Administração Pública, Atlas, e o meus Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010) e Estado, Ordem Social e Privatização – as terceirizações ilícitas da Administração Pública por meio das Organizações Sociais, OSCIPs e demais entidades do “terceiro setor”. A privatização/terceirização da gestão de todo um presídio, no Brasil (não estamos nos EUA) não é possível!

Note-se ainda que, conforme lembra o criminalista Juarez Cirino dos Santos (Privatização de Presídios), a Lei de Execuções Penais – LEP determina que o trabalho do condenado somente pode ser gerenciado por fundação ou empresa pública e deve ter por objetivo a formação profissional do condenado. Assim, nas estruturas prisionais geridas por ONGs não poderia ocorrer qualquer tipo de trabalho do preso, por impedimento legal da Lei 7.210/84 (art. 28 e §§, art. 34, LEP).

O autor ainda entende que o poder disciplinar na execução das penas privativas de liberdade (art. 47, LEP) e das penas restritivas de direito (art. 48, LEP) compete à autoridade administrativa da prisão (Poder Executivo nas faltas leves e médias, e ao juiz da execução penal, Poder Judiciário, no caso de faltas graves, conforme o art. 48, parágrafo único, LEP). Para o autor a LEP impede o exercício do poder disciplinar pelo empresário privado. Cirino dos Santos ainda é incisivo:

“Por último, sistemas de trabalho carcerário que submetam a força de trabalho encarcerada a qualquer outra autoridade diferente do Estado – como, por exemplo, o empresário privado – representam violação inconstitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1o, CF), por uma razão elementar: a força de trabalho encarcerada não tem o direito de rescindir o contrato de trabalho, ou seja, não possui a única liberdade real do trabalhador na relação de emprego e, por isso, a compulsória subordinação de seres humanos a empresários privados não representa, apenas, simples dominação do homem pelo homem, mas a própria institucionalização do trabalho escravo. Se o programa de retribuição e de prevenção do crime é definido pelo Estado na aplicação da pena criminal pelo poder Judiciário (art. 59, CP), então a realização desse programa político- criminal pelo poder Executivo através da execução da pena, vinculada ao objetivo de harmônica integração social do condenado (art. 1o, LEP), constitui dever indelegável do Poder Público, com exclusão de toda e qualquer forma de privatização da execução penal.”

O modelo adotado por Beto Richa no Paraná é cópia do modelo mineiro implementado pelo ex-governador e atual senador Aécio Neves, também do PSDB. Sobre a privatização dos presídios em Minas Gerais, recomendo leitura da publicação “Do lado de fora do cárcere”, coordenada por  Virgílio de Mattos. Nessa publicação, Rafhael Lima Ribeiro cita Loïc Wacquant (As prisões da miséria, ed. Jorge Zahar, recomendo também o seguinte texto dele, clique aqui), sobre a privatização do cárcere, que é utilizada:

“quanto mais intensamente a política econômica e social implantada pelo governo do país considerado inspire-se em teorias neoliberais que levam a ‘mercantilização’ das relações sociais, e quanto menos protetor desde o início seja o Estado-providência em questão”.

E depois Ribeiro conclui:

“Neste sentido o governo de Minas Gerais ao introduzir o modelo de parceria público-privada no sistema prisional mineiro traduz bem o que o mesmo autor chama de transformação do “Estado Social” em “Estado Penal”, outro atributo do conservadorismo político da direita.

O que se observa é que a parceria público-privada no sistema prisional mineiro é uma nova ideia velha de o Estado estatizar o prejuízo e privatizar o lucro, inspirado no modelo neoliberal de privatizações disseminado por Thatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA. A lógica é simples e sutil: quando uma empresa privada investe, deve ter garantias de que terá o retorno do investimento. Quando ela constrói uma estrada, isso pode ser garantido por um pedágio. Da mesma forma, quando ela constrói uma cadeia, terá lucro pelo aprisionamento, ou dito de outro modo, pelo objeto desse aprisionamento. Quanto mais passam carros, mais a empresa privada ganha. Assim, quanto mais se prende seres humanos, mais a empresa lucrará!

Alguns defensores da privatização dos presídios podem dizer que o modelo a ser adotado é o francês, e não o americano (na verdade o termo correto é estadunidense). Nos Estados Unidos normalmente a privatização é total, com a tutela totalmente privada dos presos. Na França não se admite a privatização total, utilizando-se de uma espécie de gestão mista, na qual a gestão externa do presídio cabe ao poder público e a iniciativa privada constroi o presídio, faz a guarda interna dos presos, a promove o trabalho, a educação, o transporte, a alimentação, o lazer, a assistência social, jurídica e espiritual, a saúde física e mental do preso.

Mas no Brasil nem o modelo francês é possível.

O parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Paraná informa que no PL não há relativização do “jus puniendi” estatal, tendo em vista que não há transferência da função jurisdicional para as entidades privadas, mas apenas algumas funções materiais da execução da pena. Faltava apenas isso: os neoliberais quererem privatizar o Poder Judiciário. O problema é que se o projeto não delega a atividade jurisdicional, que é do Poder Judiciário, o PL delega a atividade administrativa judiciária, que é exclusiva dos Poderes Executivo/Judiciário.

Walter Maierovitch, especialista em segurança e crime organizado e ex-secretário nacional Antidrogas, ainda denuncia que a privatização dos presídios implementada pelo governo Jaime Lerner, ex-PFL, atual DEMO (o Paraná foi um dos pioneiros da idéia no Brasil, que chegou a ter seis unidades terceirizadas) na “penitenciária de Guarapuava a privatização chegou à manutenção da disciplina dos presos. Contrataram uma empresa de segurança que acabou militarizando a prisão, porque era formada por um pessoal que havia saído das bases militares. Substituíram os agentes penitenciários, que têm papel na ressocialização do preso, e colocaram seguranças privados no lugar”. O ex-governador Roberto Requião (PMDB) acabou com a privatização dos presídios no Paraná e, segundo Bia Barbosa, a razão para a medida foi a de que o custo acabava sendo mais alto para o governo, pois a manutenção de um detento, que custa em média R$ 800 no país, chegava a R$ 1.200 no sistema privado, e ao mesmo tempo os agentes contratados recebiam menos do que os concursados, às vezes, o valor chegava a um terço do que era pago pela administração pública, e isso aumentava os riscos na segurança das unidades. Ou seja, a privatização levou à precarização do serviço, acabando novamente com o discurso da iniciativa privada mais eficiente.

Qualquer privatização de atividades de gestão de aparelhos públicos é uma burla ao concurso público. Equipamentos públicos devem ser geridos por agentes públicos, e não terceirizados. Os neoliberais tem horror de concurso público, controle social, controle do Tribunal de Contas, licitações, regime jurídico-administrativo, etc.

Outra inconstitucionalidade/imoralidade do PL é constar que as ONGs chamadas APACs deverão ser filiadas à Fraternidade Brasileira De Assistência aos Condenados, uma entidade privada. Como assim, uma lei definir que instituições privadas devam se filiar a outra instituição privada? Privatizaram uma qualificação de ONGs? Eles não desistem! Outra inconstitucionalidade contrária à liberdade de associação.

Por fim, mesmo se fosse possível a terceirização/privatização em tela, o PL dispõe que o acordo a ser celebrado entre o Estado e as ONGs serão convênios. É a piada final. Convênio é a união de esforços para atendimento de objetivos comuns. Quando celebrados convênios entre Poder Público e entidades privadas sem fins lucrativos, o objeto desses convênios deve ser o fomento. Quando o Poder Público precisa dos serviços de uma entidade privada, seja com ou sem fins lucrativos, deve celebrar contrato administrativo com a pessoa jurídica, como regra precedido de licitação. Normalmente, políticos e administradores públicos que pretendem celebrar convênios para contratacão de serviços têm o simples intuito de fuga da licitação, o que é mais uma inconstitucionalidade.

E não venham os defensores da privatização justificarem que o termo “convênio” está na Lei de Execução Penal. É uma Lei de 1984, anterior à Constituição e a própria Lei 8.666/93, a Lei Nacional de Licitações e Contratos.

São essas as considerações iniciais sobre o tema. É uma pena que o governo queira aprovar a presente lei em regime de urgência, o que novamente alijará a sociedade de tão importante debate.

TARSO CABRAL VIOLIN – Professor de Direito Administrativo, Mestre em Direito do Estado pela UFPR, autor do livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010), advogado e blogueiro (Blog do Tarso).

A privatização de presídios volta à pauta dos governos estaduais

Do Revolução Política (divulgado por Emir Sader)

O sistema penitenciário é um dos maiores problemas dos governos estaduais. Foco de rebeliões, corrupção, superlotação, maus tratos e muita violência, as prisões são constantemente a origem de crises políticas.

Na onda da pritivatização de diversos serviços públicos, a ideia de privatizar também as prisões aparece como solução que sugere, sobretudo, eficiência. Como se num passe de mágica fôssemos ter prisões mais organizadas, com presos se comportando melhor e, principalmente, menos onerosas para os cofres públicos.
No entanto, esse tipo de solução vem sendo questionada em diversos países com base em estudos que mostram que, além de todos os graves impedimentos legais e éticos, não se trata de um bom negócio para os governos. Uma pesquisa do Departamento Penitenciário do estado norte-americano do Arizona, por exemplo, comparou as prisões administradas privadamente com aquelas administradas pelo Estado.
Entre os dois modelos, concluiu que não há quase nenhum tipo de economia para o Estado. Ainda mais grave: observou uma tendência indicando que as prisões privadas acabam ficando com os presos com penas mais leves e melhor comportamento, deixando os que cometeram crimes mais graves nas prisões públicas.
Mas, a despeito das evidências, com a esperança de passar o problema para frente, um número cada vez maior de governos estaduais está flertando com ideia. Assumindo que a segurança pública é de interesse comum, a iniciativa privada certamente tem uma contribuição a fazer. Mas jamais vai conseguir e nem deveria pretender substituir o Estado.
Terceirizar serviços como limpeza ou alimentação é uma coisa, mas transformar a prisão em negócio é completamente diferente. Estabelece a equação “quanto mais presos, mais lucro”. Diante dos imperativos da lógica do lucro, como ter certeza de que as políticas penitenciárias não passariam a servir os interesses da indústria?
Penas mais longas e duras trariam maior rentabilidade ao negócio sem, contudo, responder às necessidades reais da Sociedade ou do Estado. Como temos visto ao redor do mundo, nem o orçamento público nem o combate à criminalidade se beneficiam de políticas de encarceramento em massa.
Além de uma ingerência inadequada de interesses privados num assunto público, a possibilidade de termos prisões privatizadas ainda nos brinda com a surpresa de que há gente disposta a ganhar dinheiro com dois dos maiores flagelos do País: a violência e a criminalidade.

Há gente disposta a ganhar dinheiro com dois dos maiores flagelos do País: a violência e a criminalidade.

Autora: Antropóloga Paula Miraglia