Carta Aberta aos Ministros do STF sobre as Organizações Sociais

Excelentíssimos Senhores Doutores Ministros do Supremo Tribunal Federal

Venho por meio desta Carta Aberta, esclarecer e solicitar o que segue:

Sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 1923 interposta contra a Lei 9.637/98 das Organizações Sociais, foi lapidar o voto do Ministro Relator Carlos Ayres Britto, nosso estimado especialista em Direito Constitucional e licitações e contratos administrativos, que chamou o modelo de “terceirização aberrante”, quando o Estado transfere toda a prestação dos serviços para essas entidades, pois a iniciativa privada não pode substituir o Estado, mas apenas complementar. Ressaltou o Ministro: “tiro do sujeito sua essência e o que sobra é um não sujeito, um nada jurídico”. Para ele o Estado não pode ser apenas regulador na prestação dos serviços públicos.

Assim, Ayres Britto entende ser possível apenas a colaboração, o fomento do Poder Público às OSs, por meio de contratos de gestão. O Ministro deixa isso claro quando defende que quando os contratos de gestão forem para os mesmos fins dos convênios, não haveria necessidade de licitação para a qualificação e celebração da parceria, mas apenas um processo administrativo de escolha.

Portanto, impossibilitado estaria o Estado em terceirizar as atividades-fim das suas instituições sociais nas áreas de saúde, educação, cultura, meio ambiente, etc.; sendo possível a terceirização de atividades-meio através da legislação licitatória e fomento às entidades privadas de interesse público, inclusive as OSs.

Como o Exmo. Sr. Dr. Ministro Luiz Fux pediu vistas do processo, e a cessão foi interrompida e será retomada nas próximas semanas.

Solicito aos Ministros que, ratificando a posição do Ministro Ayres Britto, fique claro em seus votos a questão da impossibilidade de delegação de serviços públicos sociais, de atividades-fim em geral, por meio das OSs. E que é possível o fomento por parte do Estado para essas entidades, situação em que seriam celebrados os contratos de gestão, com a realização prévia de procedimentos de escolha.

Espero que com essa decisão o STF garanta a aplicação da nossa Constituição Social e Democrática de Direito, que aceita a participação privada nos serviços sociais, mas não como substituta do Estado, além de barrar claros movimentos contrários ao regime jurídico-administrativo, concurso público, licitações e controle social.

Tarso Cabral Violin

OAB/PR 29.416

Sobre o tema os meus:

Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010)

Estado, Ordem Social e Privatização – as terceirizações ilícitas da Administração Pública por meio das
Organizações Sociais, OSCIPs e demais entidades do “terceiro setor”

A inconstitucionalidade das organizações sociais

Minhas blogadas sobre a ADIn 1923: clique aqui

Organizações Sociais e OSCIPs

Publicado no Direito e Justiça do O Estado do Paraná em 18/04/2011

Tarso Cabral Violin

As organizações sociais – OSs e as organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs foram criadas com o discurso de que seria necessário fortalecer a sociedade civil, o Terceiro Setor, e desburocratizar a Administração Pública brasileira. São qualificações concedidas pelo Poder Público a entidades privadas sem fins lucrativos (associações e fundações) que desempenham os chamados serviços sociais ou não-exclusivos, como educação, saúde, assistência social, tecnologia, meio ambiente, etc.

O problema é que na prática elas são utilizadas, na maioria das vezes, como forma de fuga do regime jurídico-administrativo por municípios, estados e até pela União. Ou seja, para fins de fuga de concursos públicos, de licitações, do controle do Tribunal de Contas, do controle social, das limitações orçamentárias, etc. Por isso nos últimos anos vários escândalos envolvendo esses tipos de entidades surgiram, com altas somas de dinheiro público sendo desviadas.

O STF está prestes a decidir que as OSs apenas podem ser fomentadas pelo Poder Público, e não utilizadas como delegatárias dos serviços públicos sociais (ADIN 1923), já com voto nesse sentido do Ministro Relator Carlos Ayres Britto. Essa decisão vincularia também as OSCIPs. Ou seja, a Administração Pública não pode se utilizar das OSs e OSCIPs como forma de privatização/terceirização, mas sim para fins de fomento do Estado a entidades que executem atividades de interesse público.

É possível, por exemplo, que o Poder Público repasse verbas públicas para uma associação qualificada como OSCIP que faça estudos sobre uma determinada doença. Desde que a Administração Pública realize um procedimento seletivo entre as várias interessadas, que respeite os princípios da Administração Pública, para firmar uma espécie de convênio. Se a intenção da Administração Pública é contratar serviços das OSs e OSCIPs, deverá realizar, como regra, licitação, para a celebração de posterior contrato administrativo. Note-se que o serviços a serem contratados apenas serão os relativos às atividades-meio do órgão ou entidade pública, sob pena de caracterização de burla ao concurso público.

Não pode o Poder Público, seja por meio de licitação ou não, por exemplo repassar toda a gestão de um hospital, escolas ou museus públicos às OSs e OSCIPs. Assim como também não seria possível contratar professores ou médicos de escolas ou hospitais públicos por meio dessas entidades privadas.

É dever do Estado prestar diretamente serviços públicos de educação e saúde. Existem propostas de como atenderia melhor ao interesse público essa prestação, se por meio de autarquias, fundações públicas de direito público ou privado, ou se por empresas públicas. O que não é possível é o repasse desses serviços para as entidades do Terceiro Setor.

A Constituição permite que o Terceiro Setor, e até o mercado, criem entidades que prestem serviços sociais, como forma de complementação ou suplementação das atividades do Estado, podendo até serem fomentadas pelo Poder Público. O que não é mais aceitável em nossa sociedade é que governantes reiteradamente desrespeitem nossa Constituição Social e Democrática ao se utilizarem de subterfúgios para a fuga do regime jurídico administrativo.

Tarso Cabral Violin é Advogado, Professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo e blogueiro (http://blogdotarso.com). tarso@up.com.br. Autor do livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010).

Entrevista com o Dr. Ludimar Rafanhin sobre a ADIn das organizações sociais

ADVOGADO COMENTA PRIVATIZAÇÃO NA SAÚDE E JULGAMENTO DA ADI 1923/98

Do http://saudedilma.wordpress.com

Enviado por Maria Valéria Correia, professora universitária e coordenadora do Fórum em Defesa do SUS e Contra a Privatização. 

Entrevista com Ludimar Rafanhin, advogado que representou o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Estado do Paraná no julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei das Organizações Sociais.  O Sindisaúde atuou como amicus curiae na Adin.

Proposta em 1998, durante o governo de FHC, a Lei 9. 637/98 estabeleceu normas que dispensam de licitação a celebração de contratos de gestão firmados entre o Poder Público e as organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde. O julgamento está suspenso por um pedido de vistas do ministro Luiz Fux.

Continuar lendo

Governador pmdbista do MT está privatizando a saúde por meio das OSS

Em vias do STF considerar inconstitucional o modelo das organizações sociais como delegatárias de serviços públicos, o Governador do Mato Grosso Silval Barbosa (PMDB) está privatizando a saúde de seu Estado por meio das OSS – organizações sociais da saúde, modelo criado pelo Governo FHC para privatização do social (veja notícia aqui). Ver nossa blogada Segundo Ayres Britto do STF modelo das organizações sociais é aberrante

Quem irá assumir hospitais públicos do Estado será uma instituição privada de Pernambuco. Fuga do regime jurídico administrativo, do concurso público, das licitações e do controle social. Absurdo total!

Autoridades do Mato Grosso, por favor façam alguma coisa. Caso contrário o Governador Beto Richa (PSDB) do Paraná já vai querer copiar o modelo de privatização. E cidadãos, que tal algumas Ações Populares?

Ele não desistem?

Vejam video dos movimentos mato-grossenses contra as OSS:

Gazeta do Povo erra ao noticiar posição do ex-Ministro da Saúde sobre as organizações sociais da saúde – OSS

José Gomes Temporão, ex-Ministro da Saúde. Foto de Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Despreparo ou má-fé? Culpa ou dolo? Hoje, ao ler a chamada da entrevista com o ex-Ministro da Saúde de Lula, José Gomes Temporão, levei um susto. A jornalista Isadora Rupp diz que ele defende o modelo de Organizações Sociais da Saúde – OSS, que é o modelo de privatização da saúde implantado no Brasil pelo Governo tucano de FHC.

Eis que lendo a entrevista verifico que, na verdade, sobre as OSS ele disse: “Temos que abrir esse debate de maneira franca, não pode ficar com monopólio de ninguém. Muitas vezes há uma apropriação deste tema por questões corporativas de classes, que colocam os seus interesses específicos. Sou a favor de que cada estado e município defina seu caminho, desde que não se tenha conflitos com os princípios do SUS de equidade, transparência e gratuidade. Muitos governadores, como os da Bahia e Sergipe optaram por modelo da fundação estatal, que eu defendo“.

Ora, está claro que o ex-Ministro defende o modelo das fundações estatais para a saúde, e não das OSS! Fundações estatais são entidades da Administração Pública indireta, não é privatização. Esse modelo apenas é questionado porque elas teriam servidores concursados regidos pela CLT, e não estatutários. Mas respeitariam o regime jurídico único, fariam licitações, concursos públicos, seriam fiscalizadas pelo Tribunal de Contas, etc.

OSS são entidades privadas criadas por FHC e muito utilizadas principalmente pelos tucanos para privatizar a saúde. Inclusive o Ministro Ayres Britto do STF se posicionou pela inconstitucionalidade da utilização do modelo para fins de delegação de serviços públicos.

Sobre o tema ver as minhas seguintes blogadas:

Lula criou uma empresa pública de saúde

Bresser, FHC e a privatização da saúde

Lula não privatizou a saúde, FHC sim

Kassab continuará a privatizar a saúde em São Paulo

Segundo Ayres Britto do STF modelo das organizações sociais é aberrante

Qual o motivo do erro grosseiro da Gazeta do Povo? Lembremos que o Instituto Curitiba de Informática – ICI também é uma organização social. Repito: despreparo ou má-fé?

Com a palavra a Gazeta do Povo.

Veja a entrevista publicada hoje na Gazeta do Povo:

 

Continuar lendo

Videos ADIn das organizações sociais no STF

Voto do Ministro Relator Carlos Ayres Britto na ADIn 1923 STF pela inconstitucionalidade parcial das organizações sociais (Lei 9.637/98)

Clique na imagem:

Segundo Ayres Britto do STF modelo de privatização das organizações sociais é “aberrante”

O Governo FHC, por meio de Medida Provisória, e posteriormente pela Lei 9.637/98, criou o modelo das organizações sociais, que seriam entidades privadas sem fins lucrativos qualificadas pelo Estado para assumirem os serviços de ensino, saúde, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente e cultura até então desempenhados pelo Poder Público.

O PT e o PDT entraram com uma ADIn (1923) no STF contra a lei e, infelizmente, o mérito da ação começou a ser definido apenas ontem, treze anos depois. Sobre o tema recomendo o meu Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010) e A inconstitucionalidade das organizações sociais.

Ontem o Advogado-Geral da União, Luiz Adams, demonstrou que é um neoliberal-gerencial ao apoiar todo o discurso do Governo FHC, do ex-Ministro da Administração e da Reforma do Aparelho do Estado Bresser Pereira e dos Governos tucanos de São Paulo, ao defender o discurso da eficiência acima dos demais princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública. Discursou também no sentido de que o modelo das OSs tem experiências muito positivas, parecendo até um advogado de defesa tucano e não o Advogado-Geral da União. O Blog do tarso se lembrará disso na próxima indicação presidencial para Ministro do STF.

O explanação do Ministério Público foi brilhante, por meio da Vice-Procuradora Geral da União Debora Duprat, que teve que lembrar que a eficiência é apenas um dos princípios, que as OSs vão na contramão do art. 37 da Constituição, e que é falacioso o discurso de que o Estado não é bom prestador de serviços, mas apenas faltam investimentos sociais desde a ditadura militar.

O advogado Rubens Naves, de uma entidade amicus curiae, apenas fez um discurso ideológico em defesa das OSs e dos Governos tucanos de São Paulo. Os advogados Ludimar Rafanhim e Ari Marcelo, do amicus curiae SindiSaude/PR, foram brilhantes na defesa da tese da inconstitucionalidade das OSs, inclusive citando de forma indireta o ICI – Instituto Curitiba de Informática, uma OS de Curitiba.

No seu voto, o Relator da ADIn, o Ministro Carlos Ayres Britto, votou pela inconstitucionalidade das privatizações via OSs, o que seria uma “terceirização aberrante”, quando o Estado transfere toda a prestação dos serviços para essas entidades, pois a iniciativa privada não pode substituir o Estado, mas apenas complementar. Disse o Ministro: “tiro do sujeito sua essência e o que sobra é um não sujeito, um nada jurídico”. Para ele o Estado não pode ser apenas regulador na prestação dos serviços públicos.

Isso quer dizer que ele acha que a privatização da informática de Curitiba via o ICI é inconstitucional.

Ayres Britto entende ser possível apenas a colaboração do Poder Público às OSs, por meio de contratos de gestão, que no caso de fomento poderia ser comparado com um convênio. E, mesmo não sendo necessária a licitação para a qualificação e celebração da parceria, um processo administrativo de escolha seria obrigatório.

Por causa do decorrer de todos esses anos, o Ministro entende que não seria o caso de desconstituir as OSs que absorveram atividades estatais, mas findo os seus contratos os processos de escolha serão obrigatórios.

Após o voto do relator o Ministro Luiz Fux pediu vistas do processo, e a cessão foi interrompida.

Assim, se a maioria dos Mininstros acompanharem Ayres Britto, não poderão mais ser criadas OSs para fins de privatização do Estado, podendo apenas elas serem fomentadas pelo Poder Público, sem o caráter de substituição, e esse fomento deverá ser precedido de procedimento de escolha das entidades.

Prevejo uma disputada apertada. A tendência é que os Ministros do STF Joaquim Barbosa, Lewandowski, Marco Aurélio e Cármen Lúcia votem conforme Ayres Britto. Dias Toffoli não poderá se manifestar, pois atuou na ação como AGU. Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Peluso provavelmente as considerarão constitucionais, ficando a dúvida com relação ao voto de Celso de Mello e de Luiz Fux.

Caso se confirme a posição de Ayres Britto, a Prefeitura de Curitiba deverá passar a realizar procedimento de escolha para contratar o ICI na prestação dos serviços de informática do Município. Além disso o ICI não poderá ser contratado livremente sem processo de escolha pelas Prefeituras de todo o Brasil, como ocorre atualmente. O mesmo ocorrerá com as OSs da saúde e educação paulistas.

Ministro do STF Carlos Ayres Britto, relator da ADIn 1923 contra as Organizações Sociais, votou pela procedência parcial para declarar a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 9637/98

Suspenso julgamento de ADI contra normas que regulamentam as organizações sociais (site do STF)

A análise, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923 foi adiada em razão de um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Na ação, ajuizada com pedido de liminar, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionam a Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, bem como o inciso XXIV, artigo 24, da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), com a redação dada pela Lei 9.648/98.

Essas normas dispensam de licitação a celebração de contratos  de gestão firmados entre o Poder Público e as organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde.

Na sessão desta quinta-feira (31), apenas votou o relator, ministro Ayres Britto, pela parcial procedência do pedido. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos para examinar melhor a matéria.

Alegações

Os requerentes alegam que a Lei 9637/98 promove “profundas modificações no ordenamento institucional da administração pública brasileira”. Isto porque habilita o Poder Executivo a instituir, por meio de decreto, um programa nacional de publicização “e, através desse programa, transferir para entidades de direito privado não integrantes da administração pública, atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, à prestação de serviços públicos nessas áreas”.

Assim, os autores da ADI afirmam que o caso se trata de um “processo de privatização dos aparatos públicos por meio da transferência para o setor público não estatal dos serviços nas áreas de ensino, saúde e pesquisa, dentre outros, transformando-se as atuais fundações públicas em organizações sociais”. Eles também ressaltam que tais organizações poderiam, através de ato do chefe do Poder Executivo e de um contrato de gestão, absorver atividades que antes eram de instituições integrantes da administração, além de gerir e aplicar recursos a ela destinados na lei orçamentária “sem, todavia submeter-se às limitações estabelecidas para as entidades administrativas estatais”.

Sustentam, portanto, que as normas, de forma evidente, tentam afastar a prestação de serviços do núcleo central do Estado. “Tudo mediante um modelo mal acabado de transferência de responsabilidades públicas a entes privados. Entes que, por não prescindirem da atuação subsidiária do poder público, terminam por se transmutarem pessoas funcionalmente estatais, porém despidas da roupagem que é própria do regime de direito público”, completam.

Na ação, os partidos também argumentam que não se pode cogitar de dispensa de licitação para a concessão ou permissão de serviços públicos, conforme o artigo 175, da Constituição Federal. Acrescentam ainda que não seria o caso de permissão ou concessão, mas de mera terceirização de serviços mediante contrato com pessoa privada, e a Constituição Federal estaria sendo igualmente violada em razão da dispensa de licitação, tendo em vista a realização de contrato pelo simples fato de a entidade ser qualificada como organização social.

Conforme a ADI, o princípio da impessoalidade teria sido ferido com a permissão do uso de bens públicos sem licitação. Outro ponto levantado na ação, salienta que os salários dos dirigentes e empregados da organização social, embora pagos com recursos públicos, não são fixados nem atualizados por lei em sentido formal. A contratação de pessoal também seria discricionária porquanto feita sem a prévia realização de concurso público, em violação aos princípios da impessoalidade, da eficiência e da isonomia.

Por fim, os autores denunciam “que a criação das chamadas organizações sociais e seu processo de qualificação conforme estabelecidos na lei desrespeitam a Constituição Federal”. Isso porque, de acordo com eles, a criação das organizações se dá mediante “um processo induzido de substituição de entes públicos por entes privados criados por encomenda, ad hoc, para assumir funções antes a cargo do Estado”.

Dispositivos constitucionais violados 

Com base nesses argumentos, os autores alegam afronta aos seguintes dispositivos da Constituição Federal: artigos 22; 23; 37; 40; 49; 70; 71; 74, parágrafos 1° e 2º; 129; 169, parágrafo lº; 175, caput; 194; 196; 197; 199, parágrafo 1º; 205; 206; 208, parágrafos 1º e 2º; 209; 211, parágrafo  1º; 213; 215, caput; 216; 218, parágrafos 1º, 2º, 3º e 5º; e 225, parágrafo 1º da Constituição Federal.

Cautelar e relatoria

Em 24 de junho de 1999, o Supremo iniciou o julgamento da medida cautelar, que foi encerrado no dia 1º de agosto de 2007, quando a Corte, por maioria dos votos, indeferiu a liminar, mantendo a validade da lei. Em razão da aposentadoria do ministro Ilmar Galvão, assumiu a relatoria da ADI o ministro Ayres Britto , que retomou hoje o julgamento de mérito da norma.

Voto do relator

De início, o ministro Ayres Britto (relator) observou que o número de dispositivos constitucionais supostamente violados na ADI é muito grande. Ao longo de seu voto, ele leu tais artigos e fez comentários sobre cada um deles. Também analisou o conteúdo das leis atacadas pelo PT e o PDT na ação.

Da leitura de todos esses dispositivos constitucionais, o ministro afirmou que é possível o entendimento de que há serviços públicos passíveis de prestação não estatal. “Serviços que, se prestados pelo setor público – seja diretamente, seja sob regime de concessão, permissão ou autorização – serão de natureza pública”, disse o ministro.

Segundo ele, se esses serviços forem prestados pela iniciativa privada, serão também de natureza pública, “pois o serviço não se despubliciza pelo fato do transpasse da sua prestação ao setor privado”. “Já no que toca às atividades de senhorio misto [Previdência, Saúde, Educação, Ciência, Tecnologia] serão elas de natureza pública, se prestadas pelo próprio Estado ou em parceria com o setor privado e, se desempenhadas exclusivamente pelo setor privado, sua definição é como atividades ou serviços de relevância pública”, explicou o relator.

Participação complementar da iniciativa privada

Segundo o ministro Ayres Britto, em relação aos serviços estritamente públicos, a Constituição determina que o Estado os preste diretamente ou então sob o regime de concessão, permissão ou autorização. “Isto por oposição ao regime jurídico das atividades econômicas, área em que o Poder Público deva atuar, em regra, apenas como agente indultor e fiscalizador”, disse.

O relator salientou que quando a atividade for de exclusiva titularidade estatal, a presença do poder público é inafastável. “Contudo, se essa ou aquela atividade genuinamente estatal for constitutiva a de serviço público, o Estado não apeia jamais da titularidade, mas pode valer-se dos institutos da concessão ou da permissão para atuar por forma indireta, ou seja, atuar por interposta pessoa jurídica do setor privado nos termos da lei e sempre através de licitação”, ressaltou.

“Nesse amplíssimo contexto normativo, penso já se poder se extrair uma primeira conclusão, os particulares podem desempenhar atividades que também correspondem a deveres do Estado, mas não são exclusivamente públicas”, afirmou o ministro ao referir-se às atividades que, em rigor, são mistamente públicas e privadas como a cultura, a saúde, a educação, a ciência, a tecnologia e o meio-ambiente. “Logo, são atividades predispostas a uma protagonização conjunta do Estado e da sociedade civil, por isso que passíveis de financiamento público e sob a cláusula da atuação apenas complementar do setor público”, completou.

O ministro acrescenta que, assim como seria inconstitucional uma lei que estatizasse toda a atividade econômica, “também padeceria do vício de inconstitucionalidade norma jurídica que afastasse do Estado toda e qualquer prestação direta pelos próprios órgãos e entidades da administração pública dos serviços que são dele, Estado, e não da iniciativa privada”. Ayres Britto lembrou que a participação do Estado na atividade econômica se dá por exceção para atender os imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme o artigo 173, da Constituição Federal.

Substituição x complementação à atividade estatal

Ele entendeu que a norma questionada estabeleceu um mecanismo pelo qual o Estado pode transferir para a iniciativa privada toda a prestação do serviço público de saúde, educação, meio-ambiente, cultura, ciência e tecnologia. “A iniciativa privada, então, a substituir o poder público e não simplesmente a complementar a performance estatal”, ressaltou.

Para o relator, se o Estado terceiriza funções que lhe são típicas há uma situação “juridicamente aberrante, pois não se pode forçar o Estado a desaprender o fazer aquilo que é da sua própria compostura operacional, a prestação dos serviços públicos”. Por fim, Ayres Britto considerou que o problema não está no repasse de verbas públicas a particulares, nem na utilização por parte do Estado do regime privado de gestão de pessoas, de compras e de contratações. “A verdadeira questão é de que ele, Estado, ficou autorizado a abdicar da prestação de serviços de que constitucionalmente não pode se demitir. Se retirar do Estado os serviços públicos, o que fica é outra coisa em qualidade que já não é o Estado”, finalizou.

Ele também observou que, em princípio, não há necessidade de processo licitatório para a celebração dos convênios, ou seja, quando não há competição, mas mútua colaboração.

Modulação de efeitos

Em seguida, o ministro propôs a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade dos artigos 18 a 22 da Lei 9637/98, uma vez que essa norma vigora há mais de 12 anos e o Supremo negou o pedido de liminar. Nesse período, recordou Ayres Britto, várias entidades públicas federais, estaduais e municipais foram extintas, “repassando-se para organizações sociais a prestação das respectivas atividades”.

“Dessa forma, tendo em vista razões de segurança jurídica, não é de se exigir a desconstituição da situação de fato que adquiriu contornos de consolidação”, afirmou o relator. Conforme ele, as organizações sociais que absorveram atividades de entidades públicas extintas até a data deste julgamento devem continuar prestando os respectivos serviços, “sem prejuízos da obrigatoriedade de o poder público, ao final dos contratos de gestão vigentes, instaurar processo público e objetivo, não necessariamente licitação, nos termos da Lei 8666, para as novas avenças”.

Procedência parcial

O relator votou pela procedência parcial da ADI para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei 9637/98: a) a expressão “quanto à conveniência e a oportunidade de sua qualificação como organização social”, contido no inciso II, do artigo 2º; b) a expressão “com recursos provenientes do contrato de gestão, ressalvada a hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção e assessoria”, contida no parágrafo 2º, do artigo 14; c) os artigos 18, 19, 20, 21 e 22, com a modulação proposta anteriormente.

O ministro Ayres Britto interpretou conforme a Constituição os artigos 5º, 6º e 7º, da Lei 9637/98, e o inciso XXIV, do artigo 24, da Lei 8666/93, “para desses dispositivos afastar qualquer interpretação excludente da realização de um peculiar proceder competitivo público e objetivo para: a) a qualificação de entidade privada como organização social; b) a celebração do impropriamento chamado contrato de gestão”.