Professor Pedro Serrano pede punição mais rigorosa para entidades do Terceiro Setor/ONGs

Professor da PUCSP, Pedro Serrano

Hoje na Gazeta do Povo

Especialista pede punição mais rigorosa

A sucessão de denúncias en­­­volvendo convênios entre go­­­verno e ONGs poderia ser evitada com a adoção de uma medida simples: a proibição de que organizações acusadas de desvios voltem a fazer contratos com órgãos estatais, afirma o professor de Direito Cons­­­titucional da Pon­­tifícia Uni­­versidade Católica de São Paulo (PUCSP) Pedro Serrano, especialista em administração pública. Segundo ele, a proibição já é prevista em lei, “o problema é que este mecanismo raramente é usado”.

Defensor ferrenho de licitações – que ele chama de “um valor da Constituição” –, Serrano diz que os contratos da União foram excessivamente liberalizados nos últimos anos e que, por vezes, “a título de simplificar o bom investimento de recursos públicos, acabaram amenizando mecanismos de controle, o que gera distorções como as que estamos vendo hoje no país”.

“Foi feita uma mudança na legislação no governo Fernando Henrique (1995-2003). Desde aquela época, autarquias, organizações de interesse público (Oscips) e ONGs passaram a ter um papel de prestação de serviços ao governo, sem participação em licitação”, aponta.

Para o professor, com as reformas administrativas dos últimos governos “o país exagerou um pouco na liberalização, inclusive cometendo algumas inconstitucionalidades”. É muito mais fácil deixar rastros de irregularidades numa licitação, segundo ele, do que em uma contratação direta do poder público com entidades, como ocorre hoje. “Isso precisa ser revisto.”

Copa

“Não sou contra a se aprovar um regime simplificado, mas a sociedade precisa ter ciência de que a simplificação não ocorre sem custo. O custo é amenizar os mecanismos de controle – o que, aliás, também está acontecendo, ao meu ver, com a lei de licitações da Copa (o Regime Diferenciado de Contratação)”, alerta o professor.

Sem mecanismos de controle eficazes, Serrano aponta que o caminho para coibir a corrupção é fortalecer e apostar na chamada fiscalização repressiva, com a Polícia Federal e o Ministério Público.

Agência Estado

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Governo Requião acertou ao não contratar ONGs no Programa Segundo Tempo

Hoje na Gazeta do Povo, por Rogerio Waldrigues Galindo

Governo estadual evita contratar ONGs

Os gestores do programa Segundo Tempo no Paraná concordam que o governo estadual acertou ao não contratar organizações não governamentais para participar da operação do projeto. Aqui, o programa é feito por meio do repasse direto de verba do governo para escolas estaduais, sem a necessidade de intermediários.

“Acredito que o nosso sistema é modelo”, afirma Ricardo Gomyde (PCdoB), que foi presidente da Paraná Esporte no governo de Roberto Requião (PMDB). “A fiscalização do Estado é feita por várias instituições, é mais fácil de ter controle. Acho que o ideal para esse programa é usar a quadra da própria escola pública”, diz.

Secretário do Esporte desde o início da gestão de Beto Richa (PSDB), Evandro Roman diz que o governo continua sem intenção de contratar ONGs. Segundo ele, o modelo de repasses feitos diretamente para as escolas públicas deve ser mantido no atual governo.

Para o professor de Ciência Política Ricardo Costa de Oliveira, da UFPR, enquanto o poder público continuar repassando dinheiro para ONGs continuarão aparecendo denúncias de desvios de recursos. Não que as entidades sejam piores que instituições governamentais, mas porque a fiscalização sobre elas é menor.

Segundo o professor, quando o terceiro setor surgiu com mais força no país, houve uma mitificação, afirmando que as ONGs eram uma solução ideal para vários problemas do Estado: além de ser mais flexíveis, teriam imunidade maior à corrupção. “Com o tempo, esse mito foi caindo. Viu-se que elas podem apresentar os mesmos problemas que o Estado”, diz.

Isso explicaria, em parte, o grande número de problemas ligados a ONGs no país em tempos recentes. Neste ano, por exemplo, a troca do ministro do Turismo, Pedro Novais, teve relação direta com o repasse de verbas para ONGs. Prefeituras como a de Londrina e a de Curitiba também tiveram denúncias ligadas a ONGs.

Terceiro Setor: Gestão Luciano Ducci celebrou contrato milionário sem licitação com ONG indígena para cursos de qualificação

Página da ONG: link da prestação de contas não leva a informação alguma

ONG indígena é contratada para cursos de qualificação

Publicado hoje na Gazeta do Povo, por Euclides Lucas e Sandro Moser

Sem licitação, prefeitura de Curitiba escolheu entidade especializada em índios para ministrar qualificação profissional para jovens. Valor dos contratos é de R$ 5,4 milhões

A prefeitura de Curitiba fechou no ano passado dois contratos com a organização não governamental (ONG) Associação de Defesa do Meio Ambiente Reimer, especializada no atendimento à população indígena, para qualificar jovens ao mercado de trabalho. No valor total de R$ 5,4 milhões, os contratos foram fechados por meio de inexigibilidade da licitação – quando, de acordo com a legislação brasileira, a competição é inviável. O site da Reimer, porém, não traz nenhuma prestação de contas da aplicação dos recursos recebidos do poder público.

Veja a matéria completa:

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Dilma acaba com imoralidade implementada por FHC e obriga concurso de projetos para parcerias e convênios com OSCIPs e ONGs (Terceiro Setor)

A Presidenta Dilma Rousseff assinou no dia 16 de setembro de 2011 o Decreto 7.568/2011 (publicado dia 19.09.2011 no DOU), que altera o Decreto no 6.170/2007 (sobre transferências voluntárias/convênios, que regulamenta o art. 116 da Lei no 8.666, art. 25 da LC 101/2000 e art. 10 do DL 200/67) e o Decreto no 3.100/99, que regulamenta a Lei no 9.790/99 (OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), entre outras providências.

Os Decretos 3.100/99 e 6.170/2007 passam a vedar convênios e termos de parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos que não comprovem ter desenvolvido, durante os últimos 3 anos, atividades referentes à matéria objeto da parceria (deve ser cadastrado previamente no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse – SICONV); ou que tenham, em suas relações anteriores com a União, não prestado contas, tenha descumprido injustificadamente o objeto, desvio de finalidade, dano ao Erário, ou outros atos ilícitos.

Antes os Decretos apenas previam que a Administração “poderia” realizar concurso de projetos para a escolhas das entidades do Terceiro Setor que celebrariam parcerias com a União e receberiam dinheiro público. Agora a Presidenta Dilma exige a realização do concurso de projetos, como regra, E NÃO POR ESCOLHA DISCRICIONÁRIA DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. O concurso é um processo que visa garantir o atendimento aos princípios da publicidade, isonomia, moralidade, entre outros. Apenas não será realizado o concurso nos casos de emergência ou calamidade pública por até 180 dias, vedada prorrogação (caso igual de dispensa de licitação para contratos, segundo a Lei 8.666/93); para proteção a pessoas ameaçadas ou com sua segurança comprometida; ou nos casos em que o objeto da parceria já seja realizado adequadamente com a mesma entidade há pelo menos 5 anos com contas aprovadas.

Os convênios ou termos de parceria deverão ser assinados pelo Ministro de Estado ou pelo dirigente máximo da entidade da administração pública federal concedente, sem possibilidade de delegação de competência.

O Decreto 3.100/99 editado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso é que passou a permitir a não realização de concurso de projetos para a celebração de termos de parcerias com OSCIPs, e agora a Presidenta realizou essas transformações que melhor atenderão os princípios constitucionais.

Foi instituído o Grupo de Trabalho que estudará a legislação federal de interesse público e transferências de recursos/parcerias/convênios com as entidades do Terceiro Setor, com a participação de representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República (Coordenação), Casa Civil, Controladoria-Geral da União, AGU, Ministério da Justiça, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Fazenda e de sete entidades sem fins lucrativos com atuação nacional.

Decreto nº 7.568, de 16 de setembro de 2011 – Convênios e OSCIPs

DECRETO Nº 7.568, DE 16 DE SETEMBRO DE 2011.

Altera o Decreto no 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, o Decreto no 3.100, de 30 de junho de 1999, que regulamenta a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, e dá outras providências.

Publicado no sítio do Palácio do Planalto Continuar lendo

Fiscalização de qualidade no Terceiro Setor – Leandro Marins de Souza

Charge publicada na Gazeta do Povo de 13.08.2011

Por Leandro Marins de Souza

Hoje na Gazeta do Povo

Aparentemente influenciado pela onda de escândalos no Ministério do Turismo, o Poder Executivo expediu decretos que modificam convênios e a lei das Oscips

A atuação das entidades do Terceiro Setor – comumente chamadas de ONGs – passa por mais um momento crítico diante de novos escândalos de utilização indevida de recursos públicos, a exemplo dos fatos envolvendo recentemente o Ministério do Turismo.

O cotidiano nos mostra que um dos temas mais complexos do repasse de verbas públicas para o Terceiro Setor é justamente o do controle e da fiscalização. Esses numerosos escândalos têm fomentado, já há alguns anos, discussões sobre a necessidade de criação de novas ferramentas de fiscalização destes repasses. De fato, o atual cenário legislativo e institucional tem dado margem a diversos abusos por entidades inidôneas de modo a comprometer a legitimidade do setor, de extrema importância social.

A legislação, confusa e assistemática, dificulta a compreensão por parte das entidades e do poder público. Este, especialmente diante da enorme quantidade de controles formais exigidos legalmente, não dispõe de aparato operacional suficiente para efetuar uma fiscalização eficiente.

Aparentemente influenciado pela onda de escândalos no Ministério do Turismo, o Poder Executivo expediu o Decreto n.° 7.568/2001 (DOU de 19/09/2011), através do qual foram alterados os decretos n.° 6.170/2007 e 3.100/99.

O primeiro, que regulamenta os convênios com a União, sofreu importantes e louváveis alterações com os seguintes conteúdos, de forma resumida: a) exigência de comprovação de experiência da entidade candidata aos recursos públicos, nos últimos três anos, nas atividades para as quais pretende obter tais verbas; b) impossibilidade de repasse de recursos a entidades que tenham histórico inidôneo em suas relações com a União; c) exigência de procedimento de seleção entre as entidades candidatas a recursos públicos e seus respectivos projetos; d) centralização das informações, no Portal dos Convênios, quanto às entidades habilitadas a receberem recursos públicos.

O segundo, que regulamenta a Lei das Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), também sofreu alterações que podem ser avaliadas positivamente: a) comprovação da renovação da qualificação de Oscip, de regular funcionamento da entidade e de sua experiência na área objeto do termo de parceria, nos últimos três anos; b) impossibilidade de firmar termo de parceria com entidades que tenham histórico inidôneo em suas relações com a União; c) exigência de concurso de projetos para a seleção da entidade parceira.

Além dessas alterações, o decreto institui um grupo de trabalho para o estudo da legislação que regulamenta o repasse de recursos públicos pela União, que será composto por representantes do setor público e do Terceiro Setor.

O controle e a fiscalização são temas que repercutem sobremaneira na qualidade da regulação das atividades do Terceiro Setor, especialmente em sua interface com a administração pública, e merece melhores cuidados. Porém, esses cuidados devem ir além da produção legislativa massificada de instrumentos formais de controle dos repasses de recursos. Devem se inserir em um contexto mais amplo de revisão legislativa fundada em premissas de qualidade da fiscalização e do controle, e não de quantidade. Além disso, devem buscar dar efetividade aos instrumentos já existentes, antes de criar novos instrumentos muitas vezes conflitantes. Ainda, a fiscalização deve superar o paradigma do controle formal dos repasses para buscar um controle de resultados, ampliando as responsabilidades das entidades destinatárias dos recursos. Espera-se que esse importante decreto não seja apenas um remendo legislativo definitivo, mas um mal necessário ao início de uma revisão no marco legal do Terceiro Setor que traga segurança jurídica suficiente à legitimação deste importante ator em nosso cenário social.

Leandro Marins de Souza, advogado, doutor em Direito do Estado pela USP, é presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR. E-mail leandro@marinsdesouza.adv.br

“O problema não é das ONGs, é do Estado”

“Por que se manda tanto dinheiro para entidades que não têm nem mesmo um site, que ninguém conhece? Por que não escolher entidades que têm 20, 30 anos, e que são reconhecidas?”

Nota do Blog do Tarso: não concordo com todos os argumentos, mas o debate é essencial.

Vera Masagão, diretora-executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, a Abong

Hoje na Gazeta do Povo, por Rogeria Waldrigues Galindo

A onda de escândalos envolvendo organizações não governamentais (ONGs) e o governo federal voltou a levantar suspeitas sobre a ação das entidades não lucrativas. No caso recente mais célebre, ONGs foram contratadas pelo Ministério do Turismo para fazer serviços que não eram sua especialidade. No caso do Amapá, 36 pessoas foram detidas por suspeita de irregularidades durante a Operação Voucher, da Polícia Federal.

Em entrevista à Gazeta do Povo, a diretora-executiva da Abong, Vera Masagão, afirma que o problema não está nas ONGs sérias, que teriam dificuldade para acessar recursos públicos. O problema está na possibilidade de gestores públicos re­­passarem verbas para instituições desconhecidas, que muitas vezes são meras fachadas. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

A legislação das ONGs é permissiva demais?

A flexibilidade não está na legislação das ONGs, mas no esquema que os gestores têm de passar dinheiro de forma não transparente. Existem controles. Quan­­do se faz a coisa por meio de editais públicos, com entidades reconhecidas, não acontecem falcatruas. O problema são as organizações de fachada. Não é um problema das ONGs: é um problema de regulação do Estado.

O controle ainda é frágil?

Existem vários controles. Não são os melhores, tanto que continuam existindo casos de corrupção. Às vezes temos controles burocráticos que até dificultam os projetos. Mas os bons controles a gente não tem. Deveríamos ter critérios para esclarecer como são escolhidas as organizações. A Abong defende que a escolha seja feita por meio de editais. E os repasses também não poderiam ser feitos por convênios. É preciso ter um novo meio. O convênio foi criado para transferência de verbas entre governos.

Como isso poderia ser resolvido?

A gente precisa de uma visão mais clara para diferenciar o que é esse campo não governamental, não lucrativo. Essa definição engloba de tudo: universidades, hospitais, uma pequena associação de trabalhadores rurais, um grupo de economia solidária… Tudo isso tem a mesma figura jurídica, o que é um absurdo. Cada uma dessas organizações precisaria ter um tratamento especial. Outra coisa que precisa mudar é a visão que a sociedade brasileira tem do setor: o que se imagina sempre é uma entidade filantrópica, que presta algum serviço. Mas as organizações de que o Brasil mais precisa não são de atendimento direto. Até porque a gente acha que isso o Estado tem que fazer. Mas precisamos dessas entidades que fazem estudos, participam de conselhos, entidades que fazem o controle social das políticas públicas. Foi em função do trabalho de organizações desse tipo que surgiu a Lei da Ficha Limpa, por exemplo.

A senhora defende o uso de editais, para contratação de longo prazo, ao invés de licitações para casos pontuais. Por quê?

Nem sempre é possível fazer editais. Às vezes por algum motivo, para contratar um serviço de emergência, pode ser feita uma licitação. Mas no caso de uma aposta do poder público de fortalecer a sociedade civil para fazer controle das políticas públicas, para desenvolver projetos inovadores, aí sim você tem uma parceria que deveria ser feita principalmente por meio de editais. É a forma mais transparente. Pelo menos no governo federal a gente avançou bastante: está tudo publicado no Portal da Transpa­rência. As denúncias saem porque está tudo publicado. O controle posterior, portanto, existe. O que precisaria era punir essas pessoas. Por que se manda tanto dinheiro para entidades que não têm nem mesmo um site, que ninguém conhece? Por que não escolher entidades que têm 20, 30 anos, e que são reconhecidas?

A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que o governo deveria contratar apenas ONGs que existam há mais de cinco anos. A senhora concorda?

Eu pessoalmente concordo com essa posição. Mas é preciso fazer uma diferenciação. Se você vai dar R$ 10 mil para uma política que apoia grupos de jovens na periferia, o controle pode ser mínimo. Basta acompanhar os resultados do que os meninos conseguiram fazer. Mas para dar R$ 20 milhões, como aconteceu em alguns casos, precisa ser alguém que tenha muita experiência, muita história, um orçamento grande, que tenha uma clara capacidade de gerir esse recurso. Tem que ser uma organização condizente com esse tamanho de financiamento. Esses são critérios de bom senso, mas que não são utilizados.

Como evitar que ONGs que não são especializadas na área de interesse do contrato ganhem a licitação?

Isso também ocorre e seria facilmente corrigível. Porque existem organizações sérias, de experiência comprovada, que poderiam receber essas verbas. A gente quer saber por que o dinheiro não vai para elas e vai para outras. Esse não é um problema das ONGs sérias, que estão à míngua. Aliás, as ONGs sérias às vezes nem conseguem angariar recursos devido a essa onda de criminalização.

Por que diminuiu o financiamento internacional das ONGs brasileiras?

Esse é um problema estrutural. Entidades sérias que contavam com cooperação internacional há décadas estão perdendo esse apoio. Os grupos que faziam esse financiamento estão saindo, estão mudando o seu perfil. Até porque o Brasil se projetou tanto internacionalmente que existe uma expectativa de que o Brasil é que passe a contribuir com outros países.

O que a Abong pode fazer para ajudar a resolver esses problemas?

Do ponto de vista de nossas associadas, é ampliar a transparência e a capacidade de comunicar o que elas fazem para a sociedade. E do ponto de vista de relação com o Estado, é conseguir uma legislação mais favorável. E não é só a legislação, são políticas também. O Estado democrático tem de reconhecer que ele precisa de uma sociedade organizada, atuante e crítica.

Por um marco regulatório para as ONG

Por Ivo Lesbaupin (ontem na Folha de S. Paulo)


Há 338 mil organizações sem fins lucrativos no Brasil, desde entidades de defesa dos direitos humanos até creches e associações de bairro


“Há várias ONGs de fachada; portanto, devemos acabar com as ONGs.” “Há vários parlamentares corruptos; portanto, devemos acabar com os parlamentares.”
“Há várias empresas de fachada; portanto, devemos acabar com as empresas.”
“Há vários governos corruptos; portanto, devemos acabar com os governos.”
A primeira parte das frases acima é verdadeira. No entanto, raramente seus autores sugerem como consequência a segunda metade: pôr fim ao Parlamento, às empresas, aos governos. Não é raro, porém, que comentaristas tirem essa conclusão a respeito das ONGs: “Se há ONGs corruptas, devemos acabar com elas”.
Frente à revelação de casos de corrupção no Parlamento ou no governo, ninguém cogita voltar à ditadura -período, aliás, em que também houve muita corrupção. A fim de enfrentar essa deturpação do sistema político, os cidadãos se organizam para exercer o controle social da esfera pública. Em primeiro lugar, fazendo funcionar as instituições e os dispositivos existentes: a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal, a exigência de transparência quanto ao Orçamento e aos gastos públicos.
Mais recentemente, propuseram-se leis para atender ao clamor popular: a Lei 9.840, em vigor há dez anos, a Lei da Ficha Limpa e, agora, a proposta de reforma política, visando a democratizar eleições e campanhas e a permitir maior participação dos cidadãos nas decisões fundamentais que dizem respeito à sua vida.
Do mesmo modo se deve agir em relação às chamadas organizações não governamentais. Em levantamento de 2002 repetido em 2005, o IBGE, em parceria com o Ipea e com o apoio da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), constatou a existência de 338 mil organizações sem fins lucrativos no Brasil: aí se incluem desde entidades de defesa dos direitos humanos, do consumidor, do meio ambiente, de luta contra a discriminação e a corrupção até associações de bairro, grupos culturais, hospitais e creches.
Há anos,a Abong defende a criação de um marco regulatório para as entidades sem fins lucrativos, a fim de que seu trabalho seja reconhecido e de que elas possam, legitimamente e com transparência, ter acesso a recursos públicos quando sua atividade for um serviço público -como ocorre na maioria dos países desenvolvidos.
A presidenta Dilma Rousseff assumiu compromisso neste sentido. A Abong defende que a utilização desses recursos seja submetida a controle dos órgãos públicos responsáveis. Isso, no nosso caso, até já é feito. A maior parte de nossas entidades submete anualmente suas finanças a auditoria externa, por exigência das instituições financiadoras.
E, contrariamente ao que se tem propalado, nossas associadas têm sofrido sérias dificuldades financeiras, muitas delas fechando as portas nos últimos anos.
Ou seja: para as entidades criminosas, de fachada, se deve utilizar a lei e, conforme o caso, a polícia. Mas, por favor, deixem as entidades sérias trabalharem.


IVO LESBAUPIN é sociólogo, coordenador da Iser Assessoria e membro da diretoria executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong)

Terceiro Setor incontrolável

Controle de ONGs é frágil (hoje na Gazeta do Povo, por Sandro Moser)

As recorrentes denúncias de desvios de verbas públicas envolvendo as Organizações Não-Governamentais (ONGs) revelam um vácuo no controle das relações entre o poder público e o ter­­­ceiro setor. Criadas para atender a demandas que não são su­­pridas pelo governo, algumas ONGs têm sido foco de corrupção e, mui­­tas vezes, atendem a objetivos eleitoreiros, embora se declarem sem fins lucrativos e tenham isenção no Imposto de Renda.

Só no ano passado, cerca de R$ 5,5 bilhões saíram dos cofres federais para instituições do terceiro setor. Neste ano, aproximadamente R$ 2 bilhões foram repassados até agora. Esses nú­­meros, do Portal da Transpa­rência da União, não incluem os recursos repassados a estados e municípios e transferidos por meio de convênios ou parcerias para ONGs. Portanto, o volume de dinheiro saído dos cofres federais e repassado para o terceiro setor é ainda maior.

Apesar disso, o sistema de controle específico para verificar a utilização desses recursos é falho. Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e polícia fazem o controle do que já foi aplicado, como no esquema desmantelado no ministério do Turismo.

“A colaboração da iniciativa privada é uma tendência moderna da administração. A ideia é poupar recursos públicos com a eficiência da iniciativa privada.”, diz Bruno Pereira Ramos advogado e coordenador do PPP Brasil – O Observatório das Parcerias Público-Privadas. Para Pereira, é preciso que a sociedade civil, órgãos de pesquisa, a academia e o governo façam uma investigação do modelo e descubram, de forma criativa, mecanismos próprios de controle antes de pensar em sepultar o modelo.

Na avaliação do professor de Direito Constitucional Egon Bockmann Moreira, da Univer­sidade Federal do Paraná, os problemas podem ser amenizados colocando luz sobre estas relações, com enfoque em transparência, prestação de contas e responsabilização. Ele destaca iniciativas como a da Assembleia Legislativa do Paraná. Em julho, a casa aprovou um projeto do deputado Caíto Quintana (PMDB) que obriga as ONGs e outras entidades privadas sem fim lucrativo que têm convênios com o estado ou municípios paranaenses, a apresentarem o balanço das transferências go­­vernamentais em suas páginas na internet.

De acordo com o projeto, a prestação de contas deverá ser feita mensalmente, sob pena de suspensão dos repasses e responsabilização criminal dos responsáveis pela gestão dos recursos. A lei vale para todas as entidades sem fins lucrativos, independentemente do montante, ao contrário da lei federal que dispõe sobre o assunto – que vale apenas para contratos superiores a R$ 200 mil.

Tristes exemplos

Relembre alguns escândalos recentes envolvendo ONGs e Oscips:

• Em maio de 2011, a operação Dejavu da PF prendeu 16 pessoas em seis estados, acusadas de desviar recursos públicos em contratos entre prefeituras e organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips). Segundo a PF, os supostos desvios de dinheiro foram cometidos pelas entidades Adesobras e Ibidec, com sede em Curitiba, em contratos que passavam de R$ 100 milhões.

• Em maio de 2010, a PF prendeu 11 pessoas em Londrina por desviar recursos de programas sociais federais na área da saúde e educação, com prejuízo estimado em R$ 300 milhões aos cofres públicos. Os recursos eram obtidos por meio de uma Oscip, chamada Centro Integrado de Apoio Profissional (Ciap). Desde 2005, o Ciap faturou mais de R$ 1 bilhão em verbas publicas. Em maio de 2011, a mesma ONG foi alvo de uma nova operação da PF, por desvios em compra de medicamentos.

• Entre 2008 e 2009, a ONG Bola Pra Frente foi acusada pelo jornal O Estado de S. Paulo de cobrar taxa de prefeituras do interior de São Paulo para implantar o programa Segundo Tempo, do governo federal. Durante o período, a entidade foi a que mais recebeu da pasta, com R$ 28 milhões repassados para levar o projeto de inclusão social às cidades.

• Em 2007, O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou um esquema envolvendo ONGs ligadas ao ex-governador Anthony Garotinho e a sua sucessora, Rosinha Garotinho, por meio da Fundação Escola do Serviço Público (Fesp). As quatro ONGs envolvidas receberam cerca de R$ 257 milhões e desviaram recursos usando empresas de fachada. Os ex-governadores respondem por improbidade administrativa.

• Em 2006, o”churrasqueiro” de Lula e um dos chefes do comitê de reeleição Jorge Lorenzetti foi preso, acusado de ser o mentor da operação de compra de um dossiê contra o candidato José Serra (PSDB). O episódio ficou conhecido como “escândalo dos Aloprados”. Segundo o site Contas Abertas, a ONG Unitrabalho, ligada a Lorenzetti, recebeu R$ 18,5 milhões no governo Lula, 21 vezes mais do que durante os dois governos de FHC.

O Blog do Tarso recomenda o filme “Quanto vale ou é por quilo?”: