Aborto

charge-angeli

Sou contrário ao aborto. Eu, homem, jovem a mais tempo, não recomendaria o aborto para a minha companheira.

Mas a questão não é essa!

É correto criminalizar o aborto? É correto colocar na cadeia uma menina que em momento de desespero pratica o aborto? É correto deixarmos que meninas e mulheres morram em cínicas clandestinas ao tentarem o aborto?

Você sabe quando inicia a vida da pessoa humana?

Achei que nem a ciência e o Direito tivessem definido isso.

Penetração do ovócito pelo espermatozoide? Sigamia (fusão dos cromossomos, um dia depois)? Nidação do útero? 14 dias depois da fecundação? Surgimento das primeiras células neurais? 40 dias depois da fecundação? Apenas quando o feto sente sofrimento ou dor? Nascimento?

O ordenamento jurídico brasileiro permite o aborto apenas quando há risco de vida da mãe causado pela gravidez, quando esse é resultante de um estupro e se o feto não tiver cérebro. Ou seja, a lei atual não é suficiente!

Charge: Aborto

Aborto: claramente a favor – Vladimir Safatle

Carta Capital de 21 de março de 2012

Há algum tempo, a política brasileira tem sido periodicamente chantageada pela questão do aborto. Tal chantagem demonstra a força de certos grupos religiosos na determinação do ordenamento jurídico brasileiro, o que evidencia como a separação entre Igreja e Estado está longe de ser uma realidade efetiva entre nós. Uma das expressões mais claras dessa força encontra-se no fato de mesmo os defensores do aborto não terem coragem de dizer isso com todas as letras.

Sempre somos obrigados a ouvir afirmações envergonhadas do tipo: “Eu, pessoalmente, sou contra, afinal, como alguém pode ser a favor do aborto? Mas esta é uma questão de saúde pública, devemos analisá-la de maneira desapaixonada…”

Talvez tenha chegado o momento de dizermos: somos sim absolutamente a favor do aborto. Há aqui uma razão fundamental: não há Estado que tenha o direito de legislar sobre o uso que uma mulher deve fazer de seu próprio corpo. É estranho ver algumas peculiaridades brasileiras. Por exemplo, o Brasil deve ser um dos poucos países onde os autoproclamados liberais e defensores da liberdade do indivíduo acham normal que o Estado se arrogue o direito de intervir em questões vinculadas à maneira como uma mulher dispõe de seu próprio corpo.

Há duas décadas, a artista norte-americana Barbara Kruger concebera um cartaz onde se via um rosto feminino e a frase: “Seu corpo é um campo de batalha”. Não poderia haver frase mais justa a respeito da maneira com que o poder na contemporaneidade se mostra em sua verdadeira natureza quando aparece como modo de administração dos corpos e de regulação da vida. Esta é a função mais elementar do poder: fazer com que sua presença seja percebida sempre que o indivíduo olhar o próprio corpo.

Nesse sentido, não deixa de ser irônico notar como alguns setores do cristianismo, como o catolicismo e algumas seitas pentecostais, parecem muito mais preocupados com o corpo de seus fiéis que com sua alma. Daí a maneira como transformaram, a despeito de outros segmentos do cristianismo, problemas como o aborto, a sexualidade e o casamento homossexual em verdadeiros objetos de cruzadas. Talvez seria interessante lembrar: mesmo entre os cristão tais ideias são controversas. Os anglicanos não veem o aborto como um pecado e mesmo entre os luteranos, embora se digam contrários, ninguém pensaria em excomungar uma fiel por ela ter decido fazer um aborto.

É claro que se pode sempre contra-argumentar dizendo que problemas como o aborto não podem ser vistos exclusivamente como uma questão ligada à autonomia a que tenho direito quando uso meu corpo. Pois haveria outra vida a ser reconhecida enquanto tal. Esse ponto está entre os mais inacreditáveis obscurantismos.

Uma vida em potencial não pode, em hipótese alguma, ser equiparada juridicamente a uma vida em ato. Um embrião do tamanho de um grão de feijão, sem autonomia alguma, parasita das funções vitais do corpo que o hospeda e sem a menor atividade cerebral não pode ser equiparado a um indivíduo dotado de autonomia das suas funções vitais e atividade cerebral. Não estamos diante do mesmo fenômeno. A maneira com que certos grupos políticos e religiosos se utilizam do conceito de “vida” para unificar os dois fenômenos (dizendo que estamos diante da mesma “vida humana”) é apenas uma armadilha ideo-lógica. A vida humana não é um conceito biológico, mas um conceito político no qual encontramos a sedimentação de valores e normas que nossa vida social compreende como fundamentais. Se dizemos que alguém desprovido de atividade cerebral está clinicamente morto, mesmo se ele conservar grande parte de suas funções vitais ainda em atividade graças a aparelhos médicos, é porque autonomia e autocontrole são valores fundamentais para nossa concepção de vida humana.

Assim, quando certos setores querem transformar o debate sobre o aborto em uma luta entre os defensores incondicionais da vida e os adeptos de alguma obscura cultura da morte, vemos a mais primária tentativa de transformar a vida em um conceito ideológico. Isso se admitirmos que será necessariamente ideológico um discurso que quer nos fazer acreditar que “as coisas falam por si mesmas”, que nossa definição de vida é algo assentado nas leis cristalinas da natureza, que ela não é uma construção baseada em valores sociais reificados.

Levando isso em conta, temos de saudar o fato de alguns arautos do conservadorismo pretenderem colocar tal questão na pauta do debate político brasileiro e esperar que existam algumas pessoas dispostas a compreender a importância do que está em jogo. Desativar as molas do poder passa pela capacidade de colocá-lo a uma distância segura de nossos corpos.

Comissão de Juristas do Senado descriminaliza aborto e eutanásia

Religiosos conservadores radicais são contra as propostas dos juristas, conforme determinação dos chefes de suas igrejas.

A Comissão de Juristas criada pelo Senado Federal para elaborar o novo Código Penal aprovou na sexta-feira (09/03) um anteprojeto que prevê ampliação nos casos em que o aborto é legal:

1. Interrupção da gravidez até a 12ª semana quando, a pedido da gestante, o médico ou psicólogo constatarem que a mãe não apresenta condições de arcar com a maternidade;

2. Para fetos anencéfalos (o que ainda está sendo discutido no STF);

3. Nos casos de perigo à saúde da mãe.

Hoje o Código Penal apenas não considera crime os abortos para salvar a vida da gestante e quando a gravidez é decorrente de estupro.

Os juristas entedem que essas medidas não aumentarão o número de abortos, mas apenas não criminalizarão o que já ocorre na prática. Dizem que o tema tem que ser tratado como saúde pública, e não como tema policial.

Religiosos chamaram os juristas de assassinos durante a audiência.

Também foi aprovada a prática da eutanásia para pacientes com doenças graves e irreversíveis atestadas por dois médicos e com consentimento do paciente ou da família. Hoje essa prática é crime com pena entre 6 e 20 anos. Também foi aprovada pena maior para delitos de trânsito.

A comissão é composta pelo paranaense René Ariel Dotti, um dos maiores penalistas do Brasil.

Parabéns à comissão!