No Pinheirinho, o Brasil das trevas – Wálter Fanganiello Maierovitch

Moradores do Pinheirinho sentiram a mão pesada da polícia paulista. Foto: Reuters/Latinstock

Na Carta Capital

Uma pergunta perturbadora. Pode ser considerado civilizado um país cuja Justiça determina, sem qualquer motivo de urgência e com emprego de tropa de choque da Polícia Militar, a expulsão violenta dos seus lares de 1,5 mil famílias pobres, com apreensão de todos os seus pertences e uso da tática militar da surpresa e a agravante de não lhes ser ofertado um teto substitutivo de abrigo?

A resposta, por evidente, é negativa. Com efeito, o fato aconteceu no domingo 22, por força de mandado judicial expedido nos autos de uma ação de reintegração de posse em Pinheirinho, na cidade paulista de São José dos Campos, uma área com 1,3 milhão de metros quadrados e cerca de 6 mil moradores, todos sem títulos de propriedade e cuja ocupação daquele espaço remonta a 2004.
A decisão de reintegração foi da juíza da 6ª Vara da Comarca que, num Brasil com direito de matriz romana, se esqueceu de uma velha lição da lavra do jurista e político Giuvenzius Celso Figlio e encartada no Digesto: Jus est ars boni et aequis (o Direito é a arte do bom e do equitativo).

Fora isso, a decisão foi precipitada. Os canais conciliatórios estavam abertos e soluções alternativas justas poderiam ser alcançadas, como, por exemplo, a desapropriação por utilidade social. No particular, havia, além de um protocolo de intenções a tramitar no Ministério das Cidades, um acordo de adiamento da reintegração com prazo de vigência em curso.

Mais ainda, no âmbito jurisdicional existia um conflito de competência entre a Justiça estadual, que determinara a reintegração, e a federal, com liminar a suspender a desocupação. Esse conflito só foi resolvido, em sede liminar, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando a tropa de choque da PM, com bombas e projéteis de borracha, já desalojara mais de 2 mil moradores, com muitas mães, como mostraram as fotografias dos jornais, a carregar os seus pequenos filhos. Esse conflito de jurisdição poderia ter sido motivador, pela Justiça paulista, de adiamento da reintegração. Por parte de Ari Pargendler, poderia esse presidente do STJ usar a sua conhecida arte amistosa de fazer lobby, demonstrada na tentativa de obter uma vaga de ministra para a cunhada, para suspender a reintegração e encaminhar a questão a exame colegiado do STJ. Não se deve olvidar, ainda, que um representante da presidenta Dilma Rousseff estava no Pinheirinho e procurava encontrar soluções definitivas. Em vez de um acordo, o representante federal experimentou lesões provocadas por balas de borracha disparadas pela PM.

Numa ação de reintegração de posse de área grande e com muitos ocupantes, a regra básica a orientar o juiz do processo é buscar, à exaustão, conciliações e evitar medidas traumáticas. A reintegração coercitiva só deve ocorrer excepcionalmente e não era o caso da executada no Pinheirinho. Essa grande e valiosa gleba-bairro, com casas de alvenaria, barracos, comércio e até biblioteca municipal, está registrada como de propriedade da Selecta Comércio e Indústria S.A. No momento, o Pinheirinho integra o acervo ativo da massa falida da empresa, cujo processo de falência se arrasta sem solução por mais de dez anos.

A Selecta era uma holding controlada pelo megaespeculador Naji Nahas, que já quase quebrou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e acabou indiciado, e preso cautelarmente, na Operação Satiagraha. Essa operação, frise-se, restou anulada em 2011 pelo STJ, sob o leguleio tabaréu de vedada participação, ainda que meramente burocrática e em apoio à repressão à criminalidade organizada por poderosos e potentes, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), lotados juntos ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Nahas nunca foi condenado criminalmente pela Justiça e beneficiou-se do efeito ampliativo da liminar de soltura concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Na falência da Selecta não há notícia de crime falimentar e, no Brasil, esses delitos são quase sempre alcançados pela prescrição.

Numa falência, como estabelece a legislação, há previsão para devolução, pagos os credores, de sobras aos sócios e acionistas da empresa falida. Não se descarta isso, com a grande valorização do Pinheirinho. E não é incomum, quando a massa falida possui propriedades em valorização, antigos sócios, por laranjas, comprarem créditos, negociados barato em face da tramitação demorada da falência.

O caso do Pinheirinho, pela iniquidade, faz lembrar Pierre Joseph Proudhon, célebre filósofo e revolucionário. Em 1840, ele publicou o seu primeiro ensaio político-econômico com uma pergunta na capa da obra: “O que é a propriedade?” Para Proudhon, ícone dos socialistas e contrário ao marxismo, “a propriedade é liberdade” e passa a ser condenável quando se torna “poder do homem sobre o homem”. Aí, ele conclui: “A propriedade é um furto”.

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Juiz professor da USP diz que ação do tucano Alckmin no Pinheirinho “pode ser considerado uma das maiores agressões aos Direitos Humanos da história recente em nosso país”

Do Consultor Jurídico

Direito de propriedade deve atender à função social

Por Jorge Luiz Souto Maior

Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia
Eu nasci pequenininho
Como todo mundo nasceu
Todo mundo mora direito
Quem mora torto sou eu

(Dorival Caymmi – Eu Não Tenho Onde Morar – 1960)

O que aconteceu na localidade conhecida por Pinheirinho, em São José dos Campos, município que possui um dos maiores orçamentos per capita do Brasil, pode ser considerado uma das maiores agressões aos Direitos Humanos da história recente em nosso país.

Querem dizer que tudo se deu em nome da lei, mas com tal argumento confere-se ao Direito uma instrumentalidade para o cometimento de atrocidades e, pior, tenta-se fazer com que todos os cidadãos sejam cúmplices do fato. Só que o Direito não o corrobora. Senão vejamos. Continuar lendo

Manifesto pela denúncia do caso Pinheirinho à Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Assine o manifesto, clique aqui

No dia 22 de janeiro de 2012, às 5,30hs. da manhã, a Polícia Militar de São Paulo iniciou o cumprimento de ordem judicial para desocupação do Pinheirinho, bairro situado em São José dos Campos e habitado por cerca de seis mil pessoas.

A operação interrompeu bruscamente negociações que se desenrolavam envolvendo as partes judiciais, parlamentares, governo do Estado de São Paulo e governo federal.

O governo do Estado autorizou a operação de forma violenta e sem tomar qualquer providência para cumprir o seu dever constitucional de zelar pela integridade da população, inclusive crianças, idosos e doentes.

O desabrigo e as condições em que se encontram neste momento as pessoas atingidas são atos de desumanidade e grave violação dos direitos humanos.

A conduta das autoridades estaduais contrariou princípios básicos, consagrados pela Constituição e por inúmeros instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos, ao determinar a prevalência de um alegado direito patrimonial sobre as garantias de bem-estar e de sobrevivência digna de seis mil pessoas.

Verificam-se, de plano, ofensas ao artigo 5º, nos. 1 e 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), que estabelecem que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral, e que ninguém deve ser submetido a tratos cruéis, desumanos ou degradantes.

Ainda que se admitisse a legitimidade da ordem executada pela Polícia Militar, o governo do Estado não poderia omitir-se diante da obrigação ética e constitucional de tomar, antecipadamente, medidas para que a população atingida tivesse preservado seu direito humano à moradia, garantia básica e pressuposto de outras garantias, como trabalho, educação e saúde.

Há uma escalada de violência estatal em São Paulo que deve ser detida. Estudantes, dependentes químicos e agora uma população de seis mil pessoas já sentiram o peso de um Estado que se torna mais e mais um aparato repressivo voltado para esmagar qualquer conduta que não se enquadre nos limites estreitos, desumanos e mesquinhos daquilo que as autoridades estaduais pensam ser “lei e ordem”.

É preciso pôr cobro a esse estado de coisas.

Os abaixo-assinados vêm a público expor indignação e inconformismo diante desses recentes acontecimentos e das cenas desumanas e degradantes do dia 22 de janeiro em São José dos Campos.

Denunciam esses atos como imorais e inconstitucionais e exigem, em nome dos princípios republicanos, apuração e sanções.

Conclamam pessoas e entidades comprometidas com a democracia, com os direitos da pessoa humana, com o progresso social e com a construção de um país solidário e fraterno a se mobilizarem para, entre outras medidas, levar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a conduta do governo do Estado de São Paulo.

Isto é um imperativo ético e jurídico para que nunca mais brasileiros sejam submetidos a condições degradantes por ação do Estado.

Assine o manifesto, clique aqui
1. Fábio Konder Comparato – Professor Titular da Faculdade de Direito da USP
2. Marcio Sotelo Felippe – Procurador do Estado – SP (Procurador Geral do Estado no período 1995-2000)
3. Hélio Bicudo – Procurador de Justiça – Ex-Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
4. Paulo Sérgio Pinheiro – Ex-Ministro de Estado Secretario de Direitos Humanos –
5. Associação Juízes para a Democracia (AJD)
6. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)
7. Celso Antonio Bandeira de Mello – Advogado – Professor PUC-SP
8. Alaor Caffé Alves – Professor Titular da Faculdade de Direito da USP
9. Sérgio Salomão Shecaira – Professor Titular da Faculdade de Direito da USP
10. Maurides Ribeiro – Professor da Faculdade de Direito de Campinas – FACAMP
11. Kenarik Boujikian Felippe – Desembargadora do Tribunal de Justiça – SP
12. Wálter Fanganiello Maierovitch – Desembargador do Tribunal de Justiça – SP
13. André Luiz Machado Castro – Presidente da Associação Nacional de Defensor Públicos e Coordenador-Geral da Associação Interamericana de Defensorias Públicas – AIDEF
14. Alexandre Morais da Rosa – Juiz de Direito (TJSC). Professor Adjunto UFSC

15. José Henrique Rodrigues Torres – Juiz de Direito – Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia – Professor PUC Campinas

16. Marcelo Semer – Juiz de Direito – SP

17. Rubens Roberto Rebello Casara – Juiz de Direito – Professor IBMEC – RJ

18. Jorge Luiz Souto Maior – Juiz do Trabalho – Professor Livre- Docente USP

19. Dora Martins – Juiz de Direito – SP

20. José Damião de Lima Trindade – Procurador do Estado – Ex-Presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo

21. Fernando Mendonça – Juiz de Direito – MA

22. João Marcos Buch – Juiz de Direito – SC

23. Maria Eugênia R. Silva Telles – Advogada – SP

24. Pedro Abramovay – Professor FGV – Rio
25. Mauricio Andrade de Salles Brasil – Juiz de Direito – BA
26. Célia Regina Ody – Juíz Federal Substituta – MS
27. Gerivaldo Alves Neiva – Juiz de Direito – BA

28. Aton Fon Filho – Advogado
29. Jorge Fazendeiro de Oliveira –Advogado – SP
30. Pedro Estevam Serrano – Professor PUC – SP
31. Marcos Orioni Gonçalves Correia – Juiz Federal – Professor USP
32. Pierpaolo Bottini – Professor – Direito USP
33. Fernando Calmon – Defensor Público – DF
34. Carlos Eduardo Oliveira Dias – Juiz do Trabalho – Campinas
35. Ana Paula Alvarenga Martins – Juiz do Trabalho – Porto Ferreira
36. Julio José Araújo Junior – Juiz Federal – RJ
37. Fabio Prates da Fonseca – Juiz do Trabalho – Aparecida do Norte
38. Roberto Luiz Corcioli – Juiz de Direito – SP
39. Antonio Maffezoli – Defensor Público Interamericano
40. Anna Trota Yard – Promotora de Justiça – SP
41. Luiz Antonio Silva Bressane – Defensor Público – DF
42. Rodrigo Suzuki Cintra – Professor da Faculdade de Direito do Mackzenzie
43. Michel Pinheiro – Juiz de Direito – CE
44. Geraldo Majela Pessoa Tardelli – Diretor da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo
45. Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach – Procuradora do Estado – SP
46. Reginaldo Melhado – Juiz do Trabalho – PR
47. Inês do Amaral Buschel – Promotora de Justiça – SP
48. Marcelo de Aquino – Procurador do Estado – SP
49. Juvelino Strozake – Advogado
50. Marco Aurelio Cezarino Braga – Advogado – SP
51. Andrei Koerner – Professor UNICAMP
52. Alcides da Fonseca Neto, Juiz de Direito – RJ
53. Giane Ambrosio Alvares – Advogada
54. José Rodrigo Rodriguez – Professor – Direito – GV – São Paulo

55. Camilo Onoda Caldas – Professor da Universidade São Judas Tadeu (SP)
56. Silvio Luiz de Almeida – Doutor em Direito pela USP – Presidente do Instituto Luiz Gama (SP)

57. Rafael Bischof dos Santos – Professor da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu (SP)

58. Aristeu Bertelli – Condepe – SP

59. Albérico Martins Gordinho – Advogado – SP

60. Cristiano Maronna – Advogado – SP – Diretor do IBCCRIM

61. Carlos Weis – Defensor Público – SP
62. Roberta Silva Aidar Franco – Delegada de Polícia (SP)
63. Luciana Silva Garcia, Advogada, Brasilia-DF
64. Leandro Gaspar Scalabrin, advogado, RS
65. Clara Silveira Belato, Advogada, RJ
66. Vinicius Gessolo de Oliveira, Advogado, PR
67. Lucia Maria Moraes, Professora da PUC/GO, Relatora do Direito à Moradia 2004 a 2009, GO
68. Mário Rui Aidar Franco, Delegado de Polícia, SP
69. Rafael Silva, Advogado, MA
70. Daniela Felix Teixeira, Advogada, Vice-Presidente da Advogados Sem Fronteiras , SC
71. João Paulo do Vale de Medeiros, professor da UERN, RN
72. Eduardo Alexandre Costa Corrêa, Advogado, MA
73. Felipe Bertasso Tobar, Advogado – SC
74. Luciana Bedeschi, Advogada, SP
75. Thiago Arcanjo Calheiros de Melo, Advogado, SP
76. Julio Cesar Donisete Santos de Souza, Assessor Jurídico MCTI, DF
77. Alexandre F. Mendes, Advogado, RJ
78. Manoel A. C. Andrade Jr., Urbanista, SC
79. Vinícius Magalhães Pinheiro, Professor universitário e advogado, SP
80. Márcio José de Souza Aguiar, Procurador Municipal, Fortaleza, CE
81. José Fabio Rodrigues Maciel, Advogado, SP
82. Maria Carolina Bissoto – Professora – PUC Campinas
83. Bernardo Luz Antunes, Advogado, RJ
84. Reinaldo Del Dotore – Bacharel – PM São Paulo
85. Francisco Martins de Sousa. Professor Universitário, CE
86. Gladstone Leonel da Silva Júnior, doutorando em Direito (UnB), Assessor da Relatoria Nacional de Direito à Terra da Plataforma DHESCA-Brasil, DF.
87. Glauco Pereira dos Santos, Advogado, São Paulo
88. Newton de Menezes Albuquerque, Prof de Direito da UFC e da UNIFOR, CE
89. Frederico Costa Miguel – ex-Delegado de Polícia – SP
90. Marcela Cristina Fogaça – Advogada – SP
91. Isabel Souza – Advogada – CE
92. Moacyr Miniussi Bertolino Neto
93. Mário Ferreira de Pragmácio Telles – Advogado – CE
94. Thiago Barison de Oliveira – Advogado – SP
95. Frederico Costa Miguel – Advogado – SP
96. Antonio Escrivão Filho – Advogado – DF
97. Vanderley Caixe Filho – Advogado – SP
98. João Paulo de Faria Santos – Advogado – Professor UniCEUB – DF
99. Conselho Federal de Psicologia
100. Roberto Rainha – Advogado – SP
101. Alessandra Carvalho – Advogada – SP
102. Nilcio Costa – Advogado – SP
103. Marcio Barreto – Advogado – SP
104. Maristela Monteiro Pereira – Advogada – Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Sorocaba/SP

105. Alexandra Xavier Figueiredo, Advogada, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

106. Alexandre Trevizzano, advogado, SP

107. Miguel Chibani, Advogado – SP

108. Carolina Brognaro Poni Drummond de Alvarenga – Advogada – MG

109. Maria Rita Reis – Assessora Ministério Público Federal

110. Danilo D’Addio Chammas, advogado, membro da Comissão de
Direitos Humanos da OAB, MA

111. Claudiomar Bonfá, advogado, RO

112. Paloma Gomes, advogada, Distrito Federal.

113. Dominici Mororó, advogado, Olinda, PE

114. Cláudia Mendes de Ávila, Advogada ,RS

115. Patrick Mariano Gomes, advogado, Brasília/DF

116. Maria Betânia Nunes Pereira, advogada, AL

117. Marleide Ferreira Rocha, advogada, DF

118. Patricia Oliveira Gomes, advogada, CE

119. Jucimara Garcia Morais, advogada, MS

120. Juarez Cirino dos Santos, advogado, professor da UFPR, PR

121. Maurício Jorge Piragino – Diretor da Escola de Governo de São Paulo

122. Andreia Indalencio Rochi, advogada, PR

123. Danilo da Conceição Serejo Lopes, Estudante de Direito, MA

124. Marilda Bonassa Faria, advogada, São Paulo

125. Katia Regina Cezar, mestre em direito pela USP, SP

126. Danilo Uler Corregliano, Advogado, SP

127. Regiane de Moura Macedo, Advogada Sindicato Metroviários de SP, SP.

128. Rodolfo de Almeida Valente, Coordenação Jurídica da Pastoral
Carcerária de São Paulo, SP

129. Juliana Pimenta Saleh, Advogada, SP

130. Helena de Souza Rocha – Advogada – PR

O conluio entre os poderes econômico e político – Plínio de Arruda Sampaio

Sábado na Folha de S. Paulo

Até quando os noticiários dos jornais e da televisão mostrarão as cenas degradantes dos despejos de famílias sem-teto?

A mais recente delas, realizada em uma área de São José dos Santos, expulsou famílias que ocupavam, há oito anos, uma área periférica da cidade.

Oito mil policiais foram desviados das suas funções de manutenção da segurança da população para essa inglória tarefa.

Agindo com violência, esses policiais feriram as pessoas, destruíram as casas e os objetos dessa pobre gente, atingindo até as crianças. Foi uma barbaridade.

O promotor público, obrigado por lei a presenciar essas operações, brilhou pela ausência.

Chama a atenção igualmente a ausência de parlamentares, especialmente daqueles pertencentes aos partidos de esquerda.

Com a exceção honrosa do senador Eduardo Suplicy, é muito raro ver parlamentares presentes nesses eventos com a finalidade de prevenir excessos da força policial.

O mais incrível é que o mesmo Estado que realizou o despejo estava negociando com o proprietário do terreno a aquisição da área, para vender aos ocupantes.

Os advogados dessas famílias fizeram um grande esforço para demonstrar à juíza do processo que a solução do problema era uma questão de dias.

Indiferente ao drama humano que sua decisão causaria, a juíza aplicou mecanicamente a lei e determinou o despejo.

Não contente, um juiz de direito acompanhou o despejo e indeferiu de plano, em pleno local, todas as petições que foram apresentadas pelos advogados com o proposito de evitar a execução do mandado.

Só se justificaria a presença de um magistrado em eventos desse tipo se fosse para prevenir excessos da força policial.

No entanto, a presença de um juiz de direito no Pinheirinho não causou nenhuma inibição nos soldados, em uma evidente demonstração do conluio entre o poder econômico e o poder político nos Estados hegemonizados pela burguesia.

Nesses Estados, a prioridade primeiríssima é sempre a defesa do sacrossanto direito de propriedade. Todo o resto -os direitos humanos, a integridade física, os pequenos pertences das pessoas- fica subordinado ao direito maior.

Por isso, o direito à propriedade de um milionário relapso, que deve milhões de tributos não pagos ao Estado brasileiro, justifica o espancamento de pessoas e a destruição de seus bens.

E agora? Como ficam as famílias despejadas? Quem cuidará delas?

Elas obviamente irão ocupar outra área. Serão novamente expulsas e voltarão a sofrer os mesmos vexames e as mesmas violências.

Isso acontece e continuará acontecendo enquanto não houver uma legislação que coíba a especulação imobiliária, porque é ela que causa o aumento extorsivo do preço dos terrenos e, desse modo, exclui as famílias pobres do mercado.

Pacífica, despolitizada e sem organização, essa população tem aceitado a situação intolerável sem recorrer à violência. Até quando?

Isso vai continuar acontecendo enquanto os partidos de esquerda deixarem de cumprir seu papel de conscientizar e organizar essa massa, para que ela resista a esses ataques de armas na mão.

Na hora em que isto for uma realidade, não haverá violência, porque a consciência dessa realidade será suficiente para manter os cassetetes na cintura.

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO, 81, advogado, foi deputado federal pelo PT-SP (1985-1991), consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e candidato a presidente pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade)

As fotos dizem tudo: política social tucana

Desabrigados do Pinheirinho pelo governo Gerando Alckmin (PSDB) dormem pela segunda noite na igreja Nossa Senhora do Socorro em São José dos Campos (SP), após a desocupação do bairro pela PM, no domingo (22). O local era ocupado desde 2004 por cerca de 1.600 famílias.