
O vice-presidente Michel Temer, que assumiu como presidente interino no golpe de 2016, editou a Medida Provisória 727, de 12 de maio de 2016 (publicada em edição extra do DOU no mesmo dia), que criou o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, destinado à privatização do Brasil, um programa neoliberal da década de 1990 nos governos de Fernando Collor de Mello (PRN, de 1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB, de 1995-2002), que foi derrotado nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014, mas vencedor no golpe de 2016.
A ideia é repassar tudo para a iniciativa privada e desenterrar o Programa Nacional de Desestatização de Collor (Lei 8.031/90) e FHC (Lei 9.491/97), atendendo as exigências do mercado financeiro, uma das pilastras do golpe juntamente com as elites midiáticas e oligárquicas.
Concessões de serviços públicos e de bens públicos, parcerias público-privadas – PPPs (concessões patrocinada e administrativa) e qualquer outro contrato administrativo que precarize a Administração Pública e gere muito lucro para o grande capital, em detrimento do interesse público.
O resultado sabemos: trilhões de dinheiro público para um grupo seleto de empresários nacionais e internacionais, criação e fortalecimento de monopólios e oligopólios privados, aumento da exploração de trabalhadores, garantia de lucros estratosféricos para empresários corruptos, pedágios e tarifas de serviços públicos aviltantes, com o beneplácito de agências reguladoras capturadas pelos interesses das grandes empresas. A mesma receita do neoliberalismo que quebrou os países latino-americanos na década de 1990.
A Democracia? Um detalhe!
Os interesses da nação? Um detalhe!
Os interesses dos cidadãos? Um detalhe!
A MP é expressa ao definir que as privatizações serão “prioridade nacional”. Ou seja, não será mais prioridade a redução das desigualdades sociais e regionais, a justiça social, o fim da miséria, o pobre na universidade, a “classe C” consumindo e fazendo girar a economia, os direitos dos trabalhadores, entre outros avanços do período da redemocratização no Brasil.
Enquanto a Constituição da República de 1988 trata do papel do Estado na prestação de serviços públicos e na exploração de atividades econômicas estratégicas, a MP simplesmente apenas fala em regulação do Estado, de atividades nas mãos do insaciável grande mercado, que com a FIESP, Febraban, Instituto Millenium e Rede Globo foram os principais atores do golpe de 2016.
Um dos dispositivos da MP é emblemático: “eliminação de barreiras burocráticas à livre organização da atividade empresarial”. Tradução: vamos acabar com procedimentos que tentam assegurar o atendimento a princípios constitucionais como da moralidade e do interesse público, e implementar um país no qual os empresários façam o que bem entenderem, passando por cima de normas administrativas, tributárias, ambientais e trabalhistas.
Como toda norma elaborada por neoliberais-gerenciais, a MP tem absurdos jurídicos, como a previsão de celebração de convênios entre órgãos da Administração Pública direta, o que já foi tão bem analisado por Celso Antônio Bandeira de Mello, como uma “supina infelicidade em nossa história jurídica, pela vergonha que atrai sobre nossa cultura” (Curso de Direito Administrativo, 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 235).
Um dos grandes absurdos da lei é a previsão de que “fica o BNDES autorizado a constituir e participar do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, que possuirá prazo inicial de dez anos, renovável por iguais períodos, natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio do administrador e dos cotistas, e que terá por finalidade a prestação onerosa, por meio de contrato, de serviços de estruturação e de liberação para parcerias de empreendimentos no âmbito do PPI”. Esse fundo privado, constituído com dinheiro público, será administrado e representado pelo BNDES, poderá se utilizar do suporte técnico externo de profissionais, empresas ou entidades de elevada especialização, com contratação sem licitação, já que será entidade privada, podendo o valor dos serviços serem estratosféricos, enriquecendo advogados, economistas, engenheiros ou quaisquer outros profissionais da “patota” do governo federal interino golpista.
O governo interino golpista começou muito mal, e é uma pena que isso seja apenas a “ponta do iceberg”.
Tarso Cabral Violin – advogado e professor universitário, autor do Blog do Tarso
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