Habemus Traditionem

Por Leandro José Rutano, Ombudsman do Blog do Tarso (leandrorutano@gmail.com)

1. Ao mesmo tempo em que me desculpo pelo razoável período sem publicações, fruto de puro ócio deste ombudsman, dou continuidade ao ofício e de imediato teço algumas considerações sobre um tema que, embora insólito, tomou conta dos noticiários internacionais nos últimos dias: a sucessão papal.

O BLOG DO TARSO, talvez por sua natureza mais voltada ao Direito e à Administração Pública, não deu muita importância ao assunto. Nas raras menções sobre o tema, nítido ar de descontentamento com alguns aspectos do Vaticano, notadamente em relação ao seu regime de governo e ao modo como se dá a escolha de um novo papa.

Foi assim na reprodução de uma charge sugestiva publicada pela Folha de São Paulo, na qual a blogueira cubana Yoani Sánchez é retratada afirmando estar farta do pensamento único e do poder exercido por uma só pessoa, em Cuba, razão pela qual se mudaria para o Vaticano. A mesma crítica se repetiu instantes depois da escolha do novo papa, quando o BLOG DO TARSO fez o seguinte questionamento “Quem sabe um dia tenhamos eleições diretas e possibilidade de uma Papisa, assim como direito ao casamento do Papa, padres e freiras?

Não obstante a crítica seja válida, alguns simples motivos me fazem discordar dela e acreditar que, em sua essência, o Vaticano e a Santa Sé devem ser exatamente como são.

2. Em primeiro lugar, é difícil compreender uma crítica ao absolutismo papal quando desconhecemos um sistema de governo que possa substituí-lo a contento.

Criticamos o poder do papa porque ele é eleito a portas fechadas pelo seleto grupo de príncipes da Igreja e exerce o poder sozinho. Muito bem, compreensível a crítica!  Mas… que alternativa apresentamos? A democracia? Essa mesma democracia de incontáveis escândalos de corrupção? Essa democracia que elege palhaços, que tem homofóbicos na Comissão de Direitos Humanos e analfabetos na Comissão de Educação? Essa democracia de Renan, de Collor e de Sarney? Essa democracia cujos governantes são diariamente criticados por esta mesma mídia?

Desculpem, mas prefiro o papa!

Prefiro o papa com seus títulos acadêmicos, com seus idiomas, com seus livros, com sua cultura e com sua sabedoria. Prefiro ver a Igreja governada por um homem preparado, escolhido a dedo por quem entende do assunto, do que votar para papa e terminar ouvindo um: “Habemus Papam… Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem Tiririca”.

3. Em segundo lugar, é fato que o papa fala pela Igreja. Não é o João, o Bento ou o Francisco, é a cátedra quem fala. E falando do trono de São Pedro, o papa será fiel à doutrina que proclama.

Sejamos razoáveis, uma religião séria não pode, e nem deve, abrir mão de seus preceitos fundamentais em nome do clamor das massas. É justamente de dogmas que se faz uma doutrina religiosa e, diga-se de passagem, são os dogmas que mantêm viva a essência do catolicismo ao longo dos vários séculos de sua existência.

O papa, quem quer que seja ele, é legatário de dois milênios de história e não pode simplesmente ignorar os ensinamentos herdados pela tradição canônica. Nesse sentido, lapidar a síntese do sensato jornalista Tomás Eon Barreiros, publicada em sua página do Facebook durante o período de Sé Vacante:

Ao contrário do que possam pensar muitas pessoas pouco afeitas ao Catolicismo, a Igreja não mudará porque ela não pode mudar, sob pena de deixar de ser ela mesma. Claro que pode haver transformações no modo como a Igreja se comunica com os fiéis e com o mundo. Mas, em essência, a Igreja jamais deixara de proclamar as verdades da fé que sempre proclamou. Há muitos pontos intocáveis na doutrina católica. Os dogmas não serão jamais “revogados”. A moral católica não se adaptará aos tempos. A condenação ao aborto e à contracepção, por exemplo, permanecerão. 

Caro leitor, a Igreja de Roma é, de fato, absolutista e refratária em alguns assuntos, mas ser a Igreja Católica é justamente isso. É praticar suas tradições e defender seus dogmas, mesmo que o mundo os repute ultrapassados. A Igreja não é uma democracia, já dizia João Paulo II, a Igreja é fé e tradição, acrescenta o indigno subscritor.

Tomo a liberdade de encerrar com outro trecho do Tomás Eon Barreiros, agora em nítido ar de desabafo: “Galera, se liga! O papa é católico, OK? E como chefe da Igreja Católica, prega e defende a doutrina católica! Deu pra entender ou é preciso desenhar?”

Leandro José Rutano

Ombudsman do Blog do Tarso

3 comentários sobre “Habemus Traditionem

  1. Quer dizer que tudo está legitimado em nome da tradição e dos dogmas?
    A “Santa” inquisição, que fez seu trabalho sujo de apoio às monarquias ibéricas, roubando e torturando os opositores dos monarcas, principalmente os judeus, é legítima?
    Considerar os negros como seres sem alma e a escravidão um meio “piedoso” de redenção do pecado original e, assim, oficializar a monstruosidade da escravidão a serviço das metrópoles européias, é legítimo?
    Calar-se diante do sem-número de estupros e violações de meninas e de crianças geradas em decorrência destas violências sexuais e ainda obrigar as vítimas ao silêncio e à maternidade forçados sob pena de excomunhão é legítimo?
    Pedofilia, abusos sexuais de padres contra crianças e jovens, é legítimo?
    Lavagem de dinheiro e envolvimeto com a máfia italiana é legítimo?
    Pode até ser para esta igreja que está caindo aos pedaços e perdendo cada vez mais adeptos, dado que hoje em dia se dispõe de meios de informação que tiram os cidadãos da ignorância e da carolice cega. Mas não para Deus. Não foi isto que o Filho Dele ensinou quando passou por este mundo. E Deus queira que o Papa Francisco resgate a figura central da igreja que é Cristo e não a cúria romana com todos os seus rapapés e cerimônias.
    Certamente, pensar em uma eleição aos moldes das eleições como as conhecemos para eleger um papa seria inviável. Só mesmo por colégio eleitoral. Mas deixe-me lembrar-lhe uma coisa, rapaz: a democracia que você tanto critica e que se dá ao luxo de menosprezar, foi conquistada a duras penas por gente da minha geração que não tinha um computador nem redes sociais para ficar panfletando virtualmente, no conforto de uma poltrona em um lugar qualquer. Não. Naquela época se saía às ruas, se enfrentava a polícia, se enfrentava o sistema que era muito, mas muito truculento. Hoje se tem a truculência dos bandidos, antes a truculência era do Estado, era oficial. Então, garoto, embora Renan, Sarney e Tiririca não sejam o melhor que possamos ter, ainda é bem melhor do que um general e meia dúzia de cupinchas que roubavam todo o dinheiro do país e impunham suas idéias de jerico goela abaixo da população. A conta da roubalheira sempre estourava nos nossos bolsos sob a forma de taxas de inflação altíssimas que chegaram à casa dos 3 dígitos mensais. Você não viu isso. Eu vi. Sarney é o que é porque foi gestado, parido e muito bem alimentado nos gabinetes dos generais e dos grandes empresários nacionais e das multinacionais.
    Como estudante de direito você deveria saber muito bem que o sistema eleitoral de nosso país é falho e necessita de reformas, a começar pela desobrigatoriedade do voto, a reforma política, os compromissos partidários, dentre outros. É por causa desse lupanar jurídico que as aberrações como Renan Calheiros, Marco Feliciano, só para citar alguns, são eleitos. Nossa democracia é ruim? É. Mas, em boa parte, a culpa é dos senhores advogados, que tiram proveito deste gigantesco imbroglio jurídico para se cristaliarem cada vez mais como uma casta neste país. Uma democracia séria e bem embasada se faz com códigos de leis que funcionem e com sistema judiciário eficiente. Eficiente até para cassar os mandatos destes senhores que você mencionou pois o que não falta são acusações contra eles.
    E daí? Como é que fica? Falar é fácil. Quero ver você e os garotos de sua geração arregaçarem as mangas e darem sua contibuição EFETIVA ao processo de aperfeiçoamento da democracia. Eu e os da minha geração continuamos fazendo a nossa parte.

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  2. Parabéns Leandro Rutano, mas dando-me o direito de apimentar. Levanto perguntas retóricas (diga-se de passagem)!
    Realmente não se trata de uma democracia a escolha do papa, mas por qual motivo há escolha via votação direta tendo-se que chegar a 2/3 para a escolha efetiva?
    Se a igreja Católica não pode renegar seus anos de história, por qual motivo ela não aplica a sua “lei maior” (a bíblia) para a escolha do papa? (recordar como fora escolhido o apóstolo que substituira Judas Iscariotes: oração e lançamento de sorte)!
    E mais, se era para se fiar na sã doutrina, por que mesmo a escolha de uma papa? (se for para questão de estado não discordo, pois ele é o chefe do estado do Vaticano)…mas como chefe de igreja….
    Enfim… divagações Leandro…..Arrivederci!

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  3. Concordo com o rapaz. Também lutei pela democracia, mas se soubesse que iria virar esse coisa que virou teria ficado com a ditadura mesmo…
    E outra, colega ancião, não da pra condenar coisas que foram feitas quando a mentalidade era outra, o teu pensamento não é o mesmo do pessoal que viveu em outras épocas. O que hoje é crime em outras épocas não era e vice-e-versa.
    Veja como as coisas mudam. Mudam tanto que ele não pensa como nós, e me convenceu!
    Parabéns rapaz, você tem futuro.

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