Licitações sustentáveis

Instituir critérios de sustentabilidade nos processos de contratação pública é uma obrigação, e não uma faculdade da administração

Por GLORIA LUCIA ABDUCH SANTOS E JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS (Gazeta do Povo de hoje)

Atender às necessidades das presentes gerações sem comprometimento das necessidades das gerações futuras. Foi essa a concepção de desenvolvimento sustentável expressada no documento denominado Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland) produzido pela Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento designada pela ONU no início dos anos 80. A preocupação em âmbito mundial com os impactos que o desenvolvimento econômico produz no meio ambiente tem como uma das principais raízes remotas estudos e análises produzidas pelo denominado Clube de Roma, fundado em 1968. A partir de então, se podem indicar quatro importantes marcos de influência da administração pública brasileira em relação a políticas ambientais com vistas às licitações sustentáveis.

A Conferência de Estocolmo, primeira atitude mundial em tentar organizar as relações de homem e meio ambiente, onde foram abordados temas como chuva ácida e controle da poluição do ar. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 – Rio 92, que culminou com a formatação da Agenda 21 (perspectivas de sustentabilidade para o século 21); e a criação da A3P – o programa criado pelo Ministério do Meio Ambiente em 1999 para implantação dos programas da agenda 21 na administração pública. Formalmente, surge com a A3P no âmbito federal a noção de licitação sustentável, como um dos cinco eixos temáticos de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade (uso racional de recursos naturais e bens públicos, gestão adequada de resíduos, qualidade de vida no trabalho, e conscientização e sensibilização de servidores para a importância de ações sustentáveis).

A licitação sustentável passa a constituir mais um instrumento de política de gestão ambiental, ao lado de instrumentos regulatórios, instrumentos econômicos e instrumentos informativos. As licitações sustentáveis ou licitações verdes são aquelas que incorporam critérios ambientais no processo de seleção de alguém para firmar contratos com o Estado, com o objetivo de amenizar os impactos no meio ambiente e na saúde. Esses critérios podem ser relacionados à descrição do objeto, estabelecendo a aquisição de papel reciclado, veículos movidos a biocombustível, requisitos que visem à economia de manutenção e operacionalização de edifícios nas obras de engenharia, vedação à utilização de produtos tóxicos ou que destruam a camada de ozônio, entre outros. Os critérios ambientais podem ainda ser instituídos em relação aos licitantes particulares, prevendo nos editais de licitação encargos sustentáveis, como o de promover treinamento dos empregados objetivando a redução do consumo de água ou de energia elétrica, exigindo a adequada destinação de resíduos sólidos ou efluentes nocivos ao ambiente, ou a utilização de agregados reciclados nas obras. É possível, ainda, ampliar a relação de critérios de sustentabilidade, para exigir que a empresa contratada adote na sua administração privada práticas sustentáveis, como a coleta seletiva de lixo ou capacitação e sensibilização de seus empregados para condutas sustentáveis.

As contratações públicas sustentáveis não são necessariamente mais caras. Inúmeros estudos indicam que aferido o custo da contratação a partir do ciclo integral de vida dos produtos ambientalmente adequados, desde a extração ou fabricação, utilização e descarte, grande parte deles assegura a economicidade. Contudo, ainda quando mais caras, as contratações sustentáveis mantêm o caráter de vantajosidade, uma vez que, para o Estado, vantajosidade não é noção apenas econômica, mas que conjuga preço, qualidade e cumprimento de valores constitucionais.

E assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dever do Estado, na forma do artigo 225 da Constituição Federal. Dever que decorre do fato de que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental dito de terceira dimensão, no âmbito da fraternidade ou da solidariedade. Instituir critérios de sustentabilidade nos processos de contratação pública, portanto, é uma obrigação, e não uma faculdade da administração, confirmada pelo menos em duas leis expressamente: a lei que institui a Política Nacional de Mudança Climática (pela qual a administração pública pode estabelecer critérios de preferência para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos) e a lei geral de licitações que no artigo 3.º prescreve como uma das finalidades da licitação o desenvolvimento nacional sustentável. Trata-se do uso do poder de compra do Estado (em torno de 10% do PIB) como instrumento de modificação do mercado, fomentando a sustentabilidade, na premissa de que a administração pública não pode destinar recursos públicos para empresas que não cumprem as leis ambientais, não adotam práticas ambientalmente sustentáveis, ou para aquisições danosas ao meio ambiente. Afinal, como disse Ghandi, “a Terra tem o suficiente para todas as nossas necessidades, mas somente o necessário”.

Gloria Lucia Abduch Santos, assistente social, é consultora sociambiental.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do estado e professor do UniCuritiba.

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