Crítica a privatização via Organizações Sociais em Uberlândia/MG

Ocasião da visita de Azeredo ao Hospital Municipal de Uberlândia merece reflexão sobre o modelo

O contrapelo

O Senador Eduardo Azeredo esteve em Uberlândia e aproveitou a oportunidade para visitar, a convite do Prefeito Odelmo Leão Carneiro, o Hospital Municipal. Trata-se de uma unidade hospitalar cuja gestão foi terceirizada, isto é, recursos públicos administrados por uma Organização Social. Façamos uma breve reflexão sobre seus significados.

O Hospital Municipal, inaugurado no dia 15 de novembro de 2010, foi projetado para o atendimento de casos de maior complexidade e para dirimir a demanda sobre o Hospital Escola da Universidade Federal de Uberlândia. Para tanto, em 2009, o Poder Executivo local abriu licitação para a escolha da OS responsável pelo novo hospital. É importante ressaltar que as leis federal, estadual e municipal não exigem tal procedimento, cabendo ao prefeito um ato discricionário de escolha entre as OSs qualificadas. A licitação possibilita a escolha de o melhor pacote de serviço a um custo menor. No entanto, em razão de exigências especiais inseridas do edital, somente a SPDM foi classificada.

A ONG classificada pela licitação é a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), responsável pela gestão de várias unidades hospitalares no estado de São Paulo e em outras unidades da federação, onde é vítima de várias ações judiciais contestatórias de seus contratos. Para operacionalidade efetiva do hospital no início de 2011, foi necessária a contratação de aproximadamente 1.300 funcionários através de processo seletivo, tal como o exige a lei nº 5775/00 e o decreto nº 8288/00. Sem atingir o número de aprovados requerido, formas menos meritocráticas foram utilizadas para completar o quadro de funcionários.

Algumas preocupações legítimas, forjadas pela história recente de contratualização no país, nos levam a temer por desvios na transparência, no controle social, na publicidade do serviço, na legitimidade e, em alguns casos, na legalidade dos procedimentos. Afinal, a Nova Gestão Pública (corrente teórica que sustenta tais processos) não se consagrou pela elevação do caráter republicano de suas inovações e, portanto, pode reproduzir localmente o que a caracterizou globalmente.

No caso de Uberlândia, a análise dos marcos legais podem adiantar a avaliação sobre alguns aspectos, como, por exemplo, o controle social. Como se sabe, o controle social pode ser realizado de forma diversa, institucionalizado e incorporado à administração pública na forma dos conselhos municipais ou através da pressão e participação de movimentos sociais e de outros atores da sociedade civil. Para o primeiro caso, a lei municipal nº 7579/00 exige, com base na legislação nacional, a criação de uma comissão de avaliação e acompanhamento do contrato de gestão. Esta comissão será constituída a partir do Conselho Municipal de Saúde e contará com um prazo de 30 a 60 dias para emitir parecer acerca do cumprimento das metas acordadas nos contratos de gestão. É importante notar que a Organização Social destacada para gerir uma UAI ou o Hospital Municipal tem por obrigação legal apresentar relatório de gestão anual abarcando os critérios de eficiência, efetividade e eficácia previstos e indicando os objetivos contemplados.

A natureza do contrato de gestão produz dificuldades para o controle social. Por implicar em prestação de contas anuais das metas a serem atingidas, o mesmo impossibilita a avaliação continuada, a inibição de desvios e a correção dos rumos durante o exercício orçamentário que concedeu à organização social os recursos (patrimoniais, financeiros ou humanos) a serem administrados. Os recursos são oferecidos para o exercício de um ano e somente serão obstruídos caso as metas não sejam atingidas. O que significa, na prática, que o controle burocrático ou social somente pode ser feito ex post, isto é, depois que qualquer correção ou intervenção se faz impossível. Somente seria permitido, em caso de descumprimento das metas, um ajustamento de condutas da organização social ou seu impedimento para renovação do velho contrato ou assinatura de um novo.

Outro aspecto relevante e conexo à natureza do contrato diz respeito à sua elaboração. Tal como estipula a legislação municipal, o conteúdo do contrato é de responsabilidade da administração pública e/ou da própria organização social executora do mesmo. Portanto, no limite, não compete à sociedade civil compor o quadro de critérios a serem levados em conta pela OS na gestão de recursos públicos.

Por fim e ainda no mesmo diapasão, deve-se levar em conta que os mecanismos de controle sugeridos pela NGP são finalísticos e não processualísticos. Isto implica a diluição das ferramentas de controle que sugerem respeito a princípios e valores éticos imprescindíveis à administração pública. Após a assinatura do contrato de gestão e o repasse dos recursos, a OS fica relativamente livre para atingir seus resultados e serão somente estes os elementos observados para sua avaliação anual. A liberdade concedida não permite que a Prefeitura ou o Conselho Municipal acompanhem o processo, a rotina, o exercício amiúde da prestação de serviço de saúde. Dado que do serviço de saúde propriamente dito (atendimento aos pacientes), passando pela contratação de força de trabalho e serviços, vários procedimentos ilegítimos, ilegais, imorais, pessoais, de poucas publicidade e eficiência podem ser realizados sem que as metas estabelecidas em contrato sejam quebradas, a modalidade prevista de parceria entre a administração pública e as ONGs reduzem de sobre maneira as possibilidades do controle social e, por que não dizer, dos próprios controles burocráticos.

Resulta, portanto, em um ambiente institucional que promete dificultar os controles social e burocrático, reduzir a participação, possibilitar procedimentos estranhos aos princípios da administração pública e, então, sacrificar res publica.