Publicado hoje na Gazeta do Povo
Por JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS
Certamente não há interesse público no destino político de um determinado parlamentar, a justificar o uso de dinheiro público para custear ações voltadas a aumentar o prestígio pessoal
Uma questão fundamental deve ser sempre posta em destaque: para que serve o Estado? Diversas respostas podem ser apresentadas de imediato: para construir obras públicas, para exercer atividades de segurança pública, para proporcionar saúde pública, para garantir a educação do povo, para editar leis, para decidir conflitos, entre outras inúmeras funções. Todas as missões que a Constituição atribui ao Estado, contudo, podem ser resumidas em uma única expressão: perseguir o interesse público. Parece ser este o núcleo comum legitimador das ações estatais, ou em nome do Estado. Para Aristóteles, essa noção estava presente quando afirmou que a finalidade do Estado é tornar felizes as pessoas. Rosseau parece ter expressado a noção naquilo que chamava de vontade geral. Pela lógica, então, toda e qualquer conduta do Estado, leia-se dos agentes públicos, que for direcionada ao interesse público será legítima e válida. A que não for, não o será. Essa singela formulação em muito contribui para o balizamento da atuação das pessoas no exercício de qualquer função pública. Claro que, em se tratando de um conceito indeterminado, nem sempre é muito fácil identificar o que seja de fato o interesse público. Trabalhando-se com zonas de certeza se pode obter, no mínimo, uma aproximação bastante satisfatória. Desta feita, se pode afirmar sobre a existência de uma zona de certeza positiva, dentro da qual, as ações estatais, leia-se ações de agentes públicos, são de interesse público. Por exemplo, a construção de uma escola, uma campanha de vacinação, a contratação de professores, o aparelhamento da polícia ou a prestação de serviço de fornecimento de água tratada são seguramente ações de interesse público. Há, de outra sorte, uma zona de incerteza, que demanda prova efetiva de que a conduta foi adotada com o fim de perseguir o interesse público, o que, por demandar análise de caso concreto, inviabiliza o discurso. Porém, há uma zona de certeza negativa, que deslegitima e invalida todas as ações disfarçadas de interesse público praticadas no seu âmbito. Certamente não há interesse público no destino político de um determinado parlamentar, a justificar o uso de dinheiro público para custear ações voltadas a aumentar o prestígio pessoal, como almoços, viagens ou ações de caridade. Há interesse público no sistema representativo e não na eleição de um ou outro determinado candidato. Não há interesse público na nomeação de parentes ou cabos eleitorais para ocupar cargos de provimento em comissão. Há interesse público de que os cargos sejam providos por qualquer pessoa que detenha a capacidade técnica necessária. Aliás, sequer há interesse público na própria existência de um número excessivo de cargos em comissão. Não há interesse público, tampouco, na contratação de uma específica e determinada empresa, apenas porque foi uma das contribuintes de campanha. Há interesse público na contratação pública que respeite os mais elementares valores constitucionais republicanos. Não há interesse público em qualquer forma de publicidade que promova um titular de cargo público, eletivo ou não, ainda que indiretamente. Não há interesse público em ações que beneficiem ou favoreçam amigos, correligionários ou financiadores de campanha. Não é de interesse público o destino político de nenhum titular de cargo público, eletivo ou não, salvo quando alvo ou vítima de ação contrária aos valores constitucionais republicanos. Pouco importa ao interesse público se o candidato foi ou não eleito, se vai ou não ser eleito novamente. O que importa ao interesse público é a correta e proba disputa democrática.
Percebe-se que, quando se procura sistematizar o assunto, se pode, ao menos, identificar condutas inseridas na zona de certeza negativa, que, portanto, não são legítimas porque afastadas do interesse público. Tais ações e condutas se inserem, ao contrário, na zona de certeza positiva dos atos de improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública, o que torna perfeitamente possível a severa e desejável punição.
José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do estado e professor do UniCuritiba.