Resolvi escrever sobre o tema uma vez que hoje fui questionado por um dos grandes juristas do Direito Administrativo paranaense e brasileiro, sobre os caminhos do Direito Administrativo e da Administração Pública no Governo da Presidenta Dilma Rousseff.
Até a Constituição de 1988 o Direito Administrativo no Brasil podia ser considerado autoritário e conservador.
Com a Constituição da República do Brasil de 1988, o Direito Administrativo evoluiu sensivelmente, pois nossa Constituição obriga que toda a sociedade busque um Estado Social, um Estado do Bem-Estar Social, com uma Administração Pública democrática, profissionalizada e eficaz. Enfim, almeja que atinjamos um Estado que a Europa atingiu, principalmente, no período pós-guerras, e uma Administração Pública pensada pelo sociólogo Max Weber, o modelo burocrático. Uma Administração Pública com servidores públicos concursados e profissionalizados, respeitando procedimentos que assegurem princípios como os da moralidade, legalidade e isonomia, etc.
O grande jurista brasileiro do Direito Administrativa que representa o ideal de nossa Constituição de 1988 é o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, com vários seguidores por todo o Brasil.
Com a onda neoliberal mundial da década de 70/80, que chegou ao Brasil na década de 90 com os Governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, nossa Constituição passou a ser alterada com o intuito de aplicação do que foi chamado de Consenso de Washington.
Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro do MARE Luiz Carlos Bresser-Pereira, com a publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparellho do Estado, idealizaram um Estado Neoliberal e uma Administração Pública Gerencial. No documento era defendida a criação de Agências independentes, a privatização de empresas estatais, hospitais e universidades públicas, e a implantação do neoliberalismo-gerencial.
O discurso era de que na Administração Pública Gerencial existiriam apenas controles finalísticos na Administração Pública e cópias de modelos privados na Administração Pública, como contraponto ao modelo burocrático, o que acabou levando a um retorno do próprio patrimonialismo. Sobre o tema, ver nosso Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010).
No campo jurídico os defensores do modelo neoliberal-gerencial ainda questionaram o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e defenderam a criação de agências reguladoras, privatizações por meio de venda de estatais, repasse de responsabilidades do Estado a entidades do Terceiro Setor qualificadas como Organizações Sociais – OS e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, arbitragem para resolução de lides na Administração Pública, terceirizações de atividades-fim, o que ao invés de assegurar a dignidade da pessoa humana apenas garantem lucros para o grande capital.
Com a chegada do Presidente Lula ao poder, foi barrada a aplicação radical do Plano Diretor de FHC/Bresser. É claro que dentro do próprio Governo Lula existiu uma disputa entre modelos, pois muito do ideário neoliberal-gerencial estava impregnado no âmbido da Administração Pública Federal e até entre alguns Ministros, pois Lula chegou ao Poder sem os neoliberais do PSDB e DEMO, mas com partidos como por exemplo o antigo Partido Liberal (atual Partido da República) e outros, com ideologias diferentes.
O Governo Lula chegou a vender dois bancos regionais no seu início, sancionou a Lei das PPPs e chegou a fazer algumas concessões de serviços públicos, mas claro num volume infinitamente menor do que ocorreu no Governo FHC.
O fato é que se no Governo FHC apenas os juristas do lado aposto ao de Celso Antônio Bandeira de Mello e de seus aliados davam as cartas no Governo; no Governo Lula, no jogo de forças, acabou existindo um certo equilíbrio entre os defensores do Estado Social e Administração Pública weberiana e dos neoliberais-gerenciais.
Infelizmente ainda davam as cartas em muitos ministérios juristas da ala neoliberal-gerencial do Direito Administrativo. Com certeza dentro do próprio Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que assumiu as funções do MARE de FHC/Bresser, muitos técnicos ainda devem ser neoliberais-gerenciais, o que acaba influenciando nas tomadas de decisões do próprio Ministro.
Por exemplo, a Comissão que elaborou o Anteprojeto de Lei de Normas Gerais sobre Administração Pública direta e indireta, entidades paraestatais e entidades de colaboração (constituida pela Portaria 426/07, alterada pela Portaria 84/08, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), consta com mais nomes da ala neoliberal-gerencial do que da ala social. Talvez um dos únicos nomes da Comissão da ala defensora de nossa Constituição Social seja o da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
O que se espera do Governo Dilma? Que priorize escutar juristas do Direito Administrativo que defendam os ideais sociais de nossa Constituição, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o caráter ao mesmo tempo democrático e enérgico do Estado na defesa do interesse público.
Entendo que a Presidenta tem que aproveitar que seu Ministro da Justiça é o Professor de Direito Administrativo da PUCSP, Jose Eduardo Martins Cardozo, pupilo de Celso Antônio Bandeira de Mello, e seu Vice é Michel Temer, constitucionalista e ex-colega de escritório do professor Celso Antônio. Que tal mais juristas progressistas auxiliando na tomada de decisão do novo Governo?



