O SUS e as eleições de 2014

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Jorge Solla, médico, ex-secretário de Saúde do estado da Bahia e Deputado Federal eleito pelo mesmo estado, escreveu uma Carta Aberta aos Usuários do SUS e profissionais de saúde (incluso médicos) que defendem o SUS. Na carta, o ex-secretário reflete sobre o significado das eleições para o SUS, seus usuários e para os profissionais de saúde.
Prezados,

Todos devem estar acompanhando as mensagens nos espaços virtuais de Médicos que apoiam Aécio e reagem de forma agressiva e antiética. Esta ação raivosa da coorporação Médica contra Dilma possui dois motivos principais:

1. Revogação de artigos da Lei do ato Médico; e,
2. Projeto Mais Médicos.

O que significa para a coorporação estes atos de Dilma:
– perda de poder;
– autonomia das outras profissões;
– não mais subserviência das profissões de saúde;
– menor procura e maior oferta de médicos (quebra de uma lógica de mercado que levava ao enriquecimento rápido, visto que agora existem espaços ocupados por profissionais do Mais Médicos);
– necessidade de cumprimento de carga horária.

O que significa para as outras profissões da Saúde a eleição de Aécio:
– rediscussão dos artigos vetados do ato médico;
– empoderamento da coorporação médica que quer manter as outras profissões como subservientes a eles; e,
– priorização dos ganhos dos médicos em detrimento ao dos outros profissionais de saúde.

O que significa para os Médicos estrangeiros do Mais Médicos:
– Alteração da Carta Acordo com a OPAS, a ponto de causar sua revogação, com a justificativa de que Cuba não aceitou os novos termos;
– Inviabilidade da permanência dos Médicos Cubanos;
– Aplicação do Revalida para todos os Médicos com diploma de outros países (prova que historicamente aprova menos de 10% dos candidatos devido ao nível de exigência e pressão da coorporação Médica, para não perder espaço de mercado).
– Término do Projeto Mais Médicos.

O que significa para a população em geral:
– falta de médicos nos locais de difícil acesso e em municípios pobres;
– desassistência;
– consultas relâmpagos, pois o médico trabalhará em vários estabelecimentos ganhando rios de dinheiro;
– consultas caras (lei de mercado da oferta e procura, quanto menos médicos e maior a procura, mais caro é para contratá-lo);
– retorno as condições de Saúde do período de FHC.

Considerando tais apontamentos, todas as Profissões da Saúde tem o dever de confrontar a coorporação médica e, com isso, defender sua autonomia, a qualidade da assistência prestada e o direito à saúde da população, votando em Dilma 13

SUS: Entre a hegemonia e a americanização

Por José Gomes Temporão, na Carta Capital

A politica de saúde persiste em sua trajetória hipercomplexa e contraditória. Apesar do gigantesco esforço dos governos, gestores e entidades comprometidas com o Sistema Único de Saúde (SUS), o intenso processo de mercantilização da assistência médico-hospitalar cria um vetor que tenciona permanentemente com o ideário reformista.

"Os seres humanos são os únicos seres vivos que conseguem agir irracionalmente em nome da razão", Ashley Montagu. Foto: Ian Waldie/Getty Images/AFP

Foto: Ian Waldie/Getty Images/AFP

O denominado processo de “americanização” do sistema de saúde brasileiro conforma na prática um projeto contra hegemônico ao SUS. Esse processo envolve múltiplas dimensões e determinações: políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas. Passemos a uma análise mais acurada dessa complexa rede de determinantes em seu atual momento dentro do modelo de desenvolvimento brasileiro.

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Charges: idiotices e uma força

Eu, o SUS, a ironia e o mau gosto

Torcida do Corinthians homenageia o ex-presidente Lula

Por Nina Crintzs

Recomendado por João Luiz da Costa Lopes, enviado por Luis Nassif

Eu, o SUS, a ironia e o mau gosto

Há seis anos atrás eu tive uma dor no olho. Só que a dor no olho era, na verdade, no nervo ótico, que faz parte do sistema nervoso. O meu nervo ótico estava inflamado, e era uma inflamação característica de um processo desmielinizante. Mais tarde eu descobri que a mielina é uma camada de gordura que envolve as células nervosas e que é responsável por passar os estímulos elétricos de uma célula para a outra. Eu descobri também que esta inflamação era causada pelo meu próprio sistema imunológico que, inexplicavelmente, passou a identificar a mielina como um corpo estranho e começou a atacá-la. Em poucas palavras: eu descobri, em detalhes, como se dá uma doença-auto imune no sistema nervoso central. Esta, específica, chama-se Esclerose Múltipla. É o que eu tenho. Há seis anos.

Os médicos sabem tudo sobre o coração e quase nada sobre o cérebro – na minha humilde opinião. Ninguém sabe dizer porque a Esclerose Múltipla se manifesta. Não é uma doença genética. Não tem a ver com estilo de vida, hábitos, vícios. Sabe-se, por mera observação estatística, que mulheres jovens e caucasianas estão mais propensas a desenvolver a doença. Eu tinha 26 anos. Right on target.

Mil médicos diferentes passaram pela minha vida desde então. Uma via crucis de perguntas sem respostas. O plano de saúde, caro, pago religiosamente desde sempre, não cobria os especialistas mais especialistas que os outros. Fui em todos – TODOS – os neurologistas famosos – sim, porque tem disso, médico famoso – e, um por um, eles viam meus exames, confirmavam o diagnóstico, discutiam os mesmos tratamentos e confirmavam que cura, não tem. Minha mãe é uma heroína – mãos dadas comigo o tempo todo, segurando para não chorar. Ela mesma mais destruída do que eu. E os médicos famosos viam os resultados das ressonâncias magnéticas feitas com prata contra seus quadros de luz – mas não olhavam para mim. Alguns dos exames são medievais: agulhas espetadas pelo corpo, eletrodos no córtex cerebral, “estímulos” elétricos para ver se a partes do corpo respondem. Partes do corpo. Pastas e mais pastas sobre mesas com tampos de vidro. Colunas, crânio, córneas. Nos meus olhos, mesmo, ninguém olhava.

O diagnóstico de uma doença grave e incurável é um abismo no qual você é empurrado sem aviso. E sem pára-quedas. E se você ta esperando um “mas” aqui, sinto lhe informar, não tem. Não no meu caso. Não teve revelação divina. Não teve fé súbita em alguma coisa maior. Não teve uma compreensão mais apurada das dores do mundo. O que dá, assim, de cara, é raiva. Porque a vida já caminha na beirada do insuportável sem essa foice tão perto do pescoço. Porque já é suficientemente difícil estar vivo sem esta sentença se morte lenta e degradante. Dá vontade de acreditar em Deus, sim, mas só se for para encher Ele de porrada.

O problema é que uma raiva desse tamanho cansa, e o tempo passa. A minha doença não me define, porque eu não deixo. Ela gostaria muitíssimo de fazê-lo, mas eu não deixo. Fiz um combinado comigo mesma: essa merda vai ter 30% da atenção que ela demanda. Não mais do que isso. E segue o baile. Mas segue diferente, confesso. Segue com menos energia e mais remédios. Segue com dias bons e dias ruins – e inescapáveis internações hospitalares.

A neurologista que me acompanha foi escolhida a dedo: ela tem exatamente a minha idade, olha nos meus olhos durante as minhas consultas, só ri das minhas piadas boas e já me respondeu “eu não sei” mais de uma vez. Eu acho genial um médico que diz “eu não sei, vou pesquisar”. Eu não troco a minha neurologista por figurão nenhum.

O meu tratamento custaria algo em torno de R$12.000,00 por mês. Isso mesmo: 12 mil reais. “Custaria” porque eu recebo os remédios pelo SUS. Sabe o SUS?! O Sistema Único de Saúde? Aquele lugar nefasto para onde as pessoas econômica e socialmente privilegiadas estão fazendo piada e mandando o ex-presidente Lula ir se tratar do recém descoberto câncer? Pois é, o Brasil é o único país do mundo que distribui gratuitamente o tratamento que eu faço para Esclerose Múltipla. Atenção: o ÚNICO. Se isso implica em uma carga tributária pesada, eu pago o imposto. Eu e as outras 30.000 pessoas que tem o mesmo problema que eu. É pouca gente? Não vale a pena? Todos os remédios para doenças incuráveis no Brasil são distribuídos pelo SUS. E não, corrupção não é exclusividade do Brasil.

O maior especialista em Esclerose Múltipla do Brasil atende no HC, que é do SUS, num ambulatório especial para a doença. De graça, ou melhor, pago pelos impostos que a gente reclama em pagar. Uma vez a cada seis meses, eu me consulto com ele. É no HC que eu pego minhas receitas – para o tratamento propriamente dito e para os remédios que uso para lidar com os efeitos colaterais desse tratamento, que também me são entregues pelo SUS. O que me custaria fácil uns outros R$2.000,00.

Eu acredito em poucas coisas nessa vida. Tenho certeza de que o mundo não é justo, mas é irônico. E também sei que só o humor salva. Mas a única pessoa que pode fazer piada com a minha desgraça sou eu – e faço com regularidade. Afinal, uma doença auto-imune é o cúmulo da auto-sabotagem.

Mas attention shoppers: fazer piada com a tragédia alheia não é humor, é mau gosto. É, talvez, falha de caráter. E falar do que não se conhece é coisa de gente burra. Se você nunca pisou no SUS – se a TV Globo é a referência mais próxima que você tem da saúde pública nacional, talvez esse não seja exatamente o melhor assunto para o seu, digamos, “humor”.

Quem me conhece sabe que eu não voto – não voto nem justifico. Pago lá minha multa de três reais e tals depois de cada eleição porque me nego a ser obrigada a votar. O sistema público de saúde está longe de ser o ideal. E eu adoraria não saber tanto dele quanto sei. O mundo, meus amigos, é mesmo uma merda. Mas nós estamos todos juntos nele, não tem jeito. E é bom lembrar: a ironia é uma certeza. Não comemora a desgraça do amiguinho, não.