Tarso Genro, ex-Ministro da Justiça, no dia 15

Tarso Genro participará na quinta-feira, 15.10, 19h, do programa “Estado e Administração Pública em Debate”, do Prof. Dr. Tarso Cabral Violin, pela TV do Instituto Edésio Passos (YouTube e Facebook), sobre Justiça e Democracia. Genro é Advogado, ex-Ministro da Justiça e ex-Governador do RS. Violin é Advogado, Doutor (UFPR), Vice-Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito do Terceiro Setor e Políticas Públicas do PPGD-UFPR, Árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do Paraná e Professor de Direito Administrativo. Parceria com CASP-PUCPR, CAHS-UFPR e DACP-UniCuritiba. Solicitamos que marque na sua agenda e siga nossas redes. Links da IEPTV: http://www.youtube.com/c/InstitutoEdésioPassos ou https://www.facebook.com/InstitutoEdesioPassos/

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Na terra da Justiça – Janio de Freitas

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Ontem na Folha de S. Paulo

Decisão reproduz atos para dar continuidade à relação do poder branco com os donos originais da terra

Uma sentença judicial não precisa se estender por folhas incontáveis para valer por uma aula. Em poucas palavras, a decisão da juíza Raquel Domingues do Amaral, da Justiça Federal, no caso dos índios terena, deu uma aula de direito brasileiro e ainda uma aula de história.

Em resposta à morte do índio Oziel Gabriel na quinta-feira, durante operação das polícias Federal e de Mato Grosso Sul que expulsou os terena invasores da fazenda Buriti, no dia seguinte deu-se nova invasão. Diante disso, a juíza determinou à Funai e à União a retirada dos índios em 48 horas e, se não cumprida tal ordem, multa diária de R$ 1 milhão para a União e, para o coordenador local da Funai e para o chefe da aldeia terena, multa de 1% do valor da causa. (Não ria desta obrigação imposta às finanças do índio).

A Funai não tem meios nem poder de retirar índios à força de lugar algum. A União tem um instrumento para a ação: a Polícia Federal. O prazo de 48 horas, no caso, só poderia significar ação imediata da Polícia Federal contra a anunciada disposição dos índios, exaltados com a morte de um deles, de resistir à força aos policiais.

A decisão da Justiça Federal determinou a ocorrência de um conflito. Ou seja, uma reprodução a mais dos atos que se revestiram dos formalismos judiciários para dar continuidade, mais atualizada, à relação histórica do poder branco com os donos originais da terra.

Já o confronto que resultou na morte do terena Oziel decorrera de sentença da Justiça Federal. Ao ver frustrada a audiência de acordo, sob sua coordenação, com a presença da Funai, do fazendeiro e ex-deputado Ricardo Bacha e de representante terena, o juiz Ronaldo José da Silva determinou a imediata retirada dos índios. As polícias agiram, para a retirada imediata, com a competência esperada e, também no seu caso, multissecular. Sentença cumprida.

Mas que terra é essa em que os terena não podem estar? A julgar pela mesma Justiça Federal que os dois juízes integram, é terra dos fazendeiros que a exploram, segundo sentença judicial; e é terra de ocupação permanente dos terena, segundo reconhecimento do Tribunal Regional Federal ao levantamento feito pela Funai e ao recurso judicial do Ministério da Justiça. E assim continua, como terra de uns e de outros, a depender de cada papel que saia do Poder Judiciário.

Mas, claro, no duplo reconhecimento de posse, só os fazendeiros ganham da Justiça Federal o direito de permanecer na terra e de explorá-la. Aos terena obriga-se a retirada imediata ou o confronto, de resultado conhecido por antecipação, com a Polícia Federal e com a polícia de Mato Grosso do Sul. É, sempre, o resultado histórico na disputa e posse da terra.

O Pão do Povo, a Justiça por Bertold Brecht

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A justiça é o pão do povo.

Às vezes bastante, às vezes pouco.

Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.

Quando o pão é pouco, há fome.

Quando o pão é ruim, há descontentamento.

(Brecht, Bertold. Poemas, O Pão do Povo, 2ª ed., Brasiliense, p. 309, citado por Amilton Bueno de Carvalho)

No Pinheirinho, o Brasil das trevas – Wálter Fanganiello Maierovitch

Moradores do Pinheirinho sentiram a mão pesada da polícia paulista. Foto: Reuters/Latinstock

Na Carta Capital

Uma pergunta perturbadora. Pode ser considerado civilizado um país cuja Justiça determina, sem qualquer motivo de urgência e com emprego de tropa de choque da Polícia Militar, a expulsão violenta dos seus lares de 1,5 mil famílias pobres, com apreensão de todos os seus pertences e uso da tática militar da surpresa e a agravante de não lhes ser ofertado um teto substitutivo de abrigo?

A resposta, por evidente, é negativa. Com efeito, o fato aconteceu no domingo 22, por força de mandado judicial expedido nos autos de uma ação de reintegração de posse em Pinheirinho, na cidade paulista de São José dos Campos, uma área com 1,3 milhão de metros quadrados e cerca de 6 mil moradores, todos sem títulos de propriedade e cuja ocupação daquele espaço remonta a 2004.
A decisão de reintegração foi da juíza da 6ª Vara da Comarca que, num Brasil com direito de matriz romana, se esqueceu de uma velha lição da lavra do jurista e político Giuvenzius Celso Figlio e encartada no Digesto: Jus est ars boni et aequis (o Direito é a arte do bom e do equitativo).

Fora isso, a decisão foi precipitada. Os canais conciliatórios estavam abertos e soluções alternativas justas poderiam ser alcançadas, como, por exemplo, a desapropriação por utilidade social. No particular, havia, além de um protocolo de intenções a tramitar no Ministério das Cidades, um acordo de adiamento da reintegração com prazo de vigência em curso.

Mais ainda, no âmbito jurisdicional existia um conflito de competência entre a Justiça estadual, que determinara a reintegração, e a federal, com liminar a suspender a desocupação. Esse conflito só foi resolvido, em sede liminar, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando a tropa de choque da PM, com bombas e projéteis de borracha, já desalojara mais de 2 mil moradores, com muitas mães, como mostraram as fotografias dos jornais, a carregar os seus pequenos filhos. Esse conflito de jurisdição poderia ter sido motivador, pela Justiça paulista, de adiamento da reintegração. Por parte de Ari Pargendler, poderia esse presidente do STJ usar a sua conhecida arte amistosa de fazer lobby, demonstrada na tentativa de obter uma vaga de ministra para a cunhada, para suspender a reintegração e encaminhar a questão a exame colegiado do STJ. Não se deve olvidar, ainda, que um representante da presidenta Dilma Rousseff estava no Pinheirinho e procurava encontrar soluções definitivas. Em vez de um acordo, o representante federal experimentou lesões provocadas por balas de borracha disparadas pela PM.

Numa ação de reintegração de posse de área grande e com muitos ocupantes, a regra básica a orientar o juiz do processo é buscar, à exaustão, conciliações e evitar medidas traumáticas. A reintegração coercitiva só deve ocorrer excepcionalmente e não era o caso da executada no Pinheirinho. Essa grande e valiosa gleba-bairro, com casas de alvenaria, barracos, comércio e até biblioteca municipal, está registrada como de propriedade da Selecta Comércio e Indústria S.A. No momento, o Pinheirinho integra o acervo ativo da massa falida da empresa, cujo processo de falência se arrasta sem solução por mais de dez anos.

A Selecta era uma holding controlada pelo megaespeculador Naji Nahas, que já quase quebrou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e acabou indiciado, e preso cautelarmente, na Operação Satiagraha. Essa operação, frise-se, restou anulada em 2011 pelo STJ, sob o leguleio tabaréu de vedada participação, ainda que meramente burocrática e em apoio à repressão à criminalidade organizada por poderosos e potentes, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), lotados juntos ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Nahas nunca foi condenado criminalmente pela Justiça e beneficiou-se do efeito ampliativo da liminar de soltura concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Na falência da Selecta não há notícia de crime falimentar e, no Brasil, esses delitos são quase sempre alcançados pela prescrição.

Numa falência, como estabelece a legislação, há previsão para devolução, pagos os credores, de sobras aos sócios e acionistas da empresa falida. Não se descarta isso, com a grande valorização do Pinheirinho. E não é incomum, quando a massa falida possui propriedades em valorização, antigos sócios, por laranjas, comprarem créditos, negociados barato em face da tramitação demorada da falência.

O caso do Pinheirinho, pela iniquidade, faz lembrar Pierre Joseph Proudhon, célebre filósofo e revolucionário. Em 1840, ele publicou o seu primeiro ensaio político-econômico com uma pergunta na capa da obra: “O que é a propriedade?” Para Proudhon, ícone dos socialistas e contrário ao marxismo, “a propriedade é liberdade” e passa a ser condenável quando se torna “poder do homem sobre o homem”. Aí, ele conclui: “A propriedade é um furto”.

Crítica positiva ao novo livro de Amartya Sen: “A ideia de Justiça”

Amartya Sen vincula justiça à vida econômica

Em novo livro, ganhador do Nobel de Economia sustenta não haver acordo social possível sobre ‘sociedade justa’

MARCOS FERNANDES G. DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tendemos a achar que alguns conceitos são triviais. É o caso da palavra justiça. Não é porque temos uma noção de justiça que podemos dizer que existe uma teoria e uma visão unificadora da mesma.
Talvez a melhor forma de entender o que ela poderia significar é buscando na vida econômica algum sentido mais universal. É o que faz o Nobel de Economia Amartya Sen em seu último livro, “A Ideia de Justiça”. Partindo de uma síntese entre filosofia política e economia, ele se coloca a missão de superar os debates sobre justiça no âmbito metafísico e ideal.
Não há arranjos institucionais universais que ajudem a resolver problemas envolvendo julgamentos de valor; teorias da justiça não são ordenáveis (inexiste a “melhor”, a “pior”), dado que elas pressupõem a priori noções incomensuráveis de moralidade. Assim pensa Sen.
Concepções ideais do que constituiria uma sociedade justa não teriam utilidade prática para ajudar a sociedade, por meio do voto, a resolver problemas de políticas públicas. Erraríamos ao aceitar tacitamente uma noção de razão. E, mormente, a aceitação de uma visão unívoca de razão vem acompanhada de um tanto de utopias.
Esse parece ser o caso de Hobbes, Locke e Kant, que elaboraram noções de justiça em torno de algum tipo de contrato social abstrato.
Sen identifica dois problemas sérios com esses tipos de argumento: não há acordo social possível sobre a natureza de uma “sociedade justa”. Adicionalmente, como é que nós realmente reconhecemos uma “sociedade justa”?
Grande parte da crítica de Sen é dirigida ao filósofo social-democrata John Rawls, cujo livro “Uma Teoria da Justiça” tornou-se uma referência no debate sobre justiça baseada em utopias abstratas.
Para Sen, tal querela deveria basear-se em construções de consenso em torno do que uma sociedade de carne e osso julga ser razoável.
É impossível deixar de lado o papel, para Sen, do “espectador imparcial” da teoria dos sentimentos morais, de Adam Smith.
Ao contrário dos racionalistas citados, incluindo Rawls, Sen não crê que precisemos de uma concepção de um mundo ideal, só de uma ampla noção de moralidade.
Para entender melhor Sen, vale a pena destacar sua crítica à ideia de que seria possível garantir liberdade para todos sem uma visão de mundo compartilhada que determine isso como desejável.
O chamado Paradoxo de Sen, teorema que lhe garantiu o Nobel, é um paradoxo lógico que parte de outros dois paradoxos, o do Nobel Kenneth Arrow e o do matemático Condorcet.
De acordo com a prova, é impossível ao mesmo tempo ter um acordo social sobre o que é liberdade mínima e máxima eficiência econômica. Falando português: as escolhas que envolvem políticas públicas pressupõem a construção de consensos morais.
Pode-se criticar Sen por adotar um a priori ocidental, que a democracia e a razoabilidade são necessárias para a construção de consensos.
Mas ele tem o mérito de iniciar o debate dos economistas com os filósofos políticos e do direito. Grande livro.

MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, economista da Fundação Getulio Vargas, é autor dos livros “Economia Política da Corrupção no Brasil” (2001) e Formação Econômica do Brasil” (2011).

A IDEIA DE JUSTIÇA
AUTOR Amartya Sen
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes
QUANTO R$ 59 (496 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo