Presente e futuro da universidade

Hoje na Gazeta do Povo

A expansão das instituições obrigou uma mudança profunda nos pilares do ensino superior e a popularização quebra o paradigma da dedicação minuciosa de mestres eruditos a seus poucos discípulos

CHRISTIAN SCHWARTZ

Universidades são instituições que atravessaram os séculos – inclusive no Paraná, cuja Federal chega ao centenário neste ano. E há séculos elas se deparam com as mesmas contradições: ensinar a pensar ou treinar, pragmaticamente, futuros profissionais? Preparar para a vida ou para o mercado?

A resposta, evidentemente, não é uma só: no mundo todo, universidades sempre cumpriram, com razoável sucesso, múltiplas funções. Mas sua expansão, no século 20, colocou uma nova e definitiva pergunta: formar uma elite, conforme mandava a tradição, ou abrir as portas para a multidão de jovens em idade universitária? O segundo caminho, hoje sem volta (e em muitos aspectos é bom que seja assim), implicou uma mudança profunda naquilo que, desde a invenção da universidade moderna, em Bolonha (Itália), provavelmente em 1088, deveria ser um dos pilares do ensino superior: a dedicação minuciosa de mestres eruditos a seus poucos discípulos.

Nos primórdios da universidade – ou, antes, da pedagogia – a relação professor-aluno, fundamentalmente de afeto e cumplicidade, mas de rivalidade intelectual também, era central: basta pensar nos filósofos gregos e seus pupilos; e ainda hoje, em Oxford e Cambridge, por exemplo, isso sobrevive em parte nos chamados tutoriais, que lá são a base dos cursos de graduação em qualquer área. Não há quase aulas, e sim, como se costuma indistintamente nomear nas instituições brasileiras, “orientações” (aqui, geralmente um privilégio de pós-graduandos).

Essa relação pedagógica, digamos, íntima servia e serve a um ideal de universidade que, também há muito tempo, frequentemente se choca com o que as sociedades que abrigam universidades – pagando, com impostos, o funcionamento de algumas delas – esperam que seja o papel dessas instituições.

Conforme lembra, num livro sobre o tema (What Are Universities For? [Para que servem as universidades?, em tradução livre], Penguin Books), um dos entrevistados deste caderno, o historiador inglês Stefan Collini, corria ainda o século 12 quando, em Oxford, surgiu a primeira rusga em torno de certas “inutilidades” ensinadas na histórica universidade local – na época, universitários eram jovens em treinamento para servir à igreja ou à realeza. Havia então, como hoje, certa rejeição a que “perdessem tempo” ruminando reflexões sobre o sentido da vida ou de obras literárias e filosóficas, da arte em geral.

Mas, pergunta o psicanalista Leonardo Ferrari, também em entrevista a este G Ideias: “Quem julga o que é útil e o que não é? Uma comissão de ‘sábios’? Henry Ford declarou que, se fosse obedecer ao que o mercado estava pedindo na época, o útil, ele teria fabricado cavalos mais velozes, cavalos mais resistentes, cavalos mais lustrosos. Cavalos, não automóveis”, ilustra Ferrari. “Sem aquelas ‘inutilidades’, a ideia de automóvel não vem. Pode haver cursos, mas não universidade.”

Nas entrevistas a seguir nas próximas páginas, esses dois especialistas discutem a ideia de universidade no século 21. E, professores que são, não deixam de enfatizar o aspecto fundamental da relação com alunos cada vez mais confiantes num certo autodidatismo (via web), e ainda assim em busca de uma formação universitária. Mas que formação? Afinal, o que esperar, hoje, de uma universidade? Continuar lendo

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É momento de flexibilizar leis trabalhistas? NÃO

Hoje na Folha de S. Paulo

Por Renato Henry Sant’anna, presidente da Anamatra

Pleno emprego como justificativa falsa

Tenho observado, recentemente, uma onda de estudiosos, autoridades e juristas imprimindo na sociedade um discurso preocupante: o da necessidade de mudanças na legislação trabalhista, sempre sob a justificativa de sua “modernização”.

Trata-se de uma análise superficial, que serve a um grave movimento que cada vez mais ganha força dentro do Brasil: a luta pela maximização dos lucros, como se a existência de direitos fosse obstáculo ao desenvolvimento.

Os juízes do trabalho entendem que é necessária a manutenção de um sistema de proteção ao trabalho integrado de normas irrenunciáveis, que estão longe de serem excessivas ou prejudiciais ao desenvolvimento social e econômico. São garantias alcançadas através de muita luta pelo cidadão brasileiro no decorrer de décadas, que não podem ser ameaçadas por um perigoso e falso discurso onde o capital e a precarização vencem. Continuar lendo