Secretário nacional de Justiça defende punição de militares da ditadura
Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Publicado ontem na Gazeta do Povo | CHICO MARÉS, ESPECIAL PARA A GAZETA DO POVO
O secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, esteve na quinta-feira e ontem em Curitiba, onde participou da última audiência pública na Assembleia Legis lativa do Paraná sobre o projeto de lei que regulamenta a De fen soria Pública no estado. Também proferiu palestras na Uni versidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade Positivo (UP). E, em meio aos compromissos oficiais, concedeu uma entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, na qual defendeu a punição aos agentes do Estado que participaram da repressão política durante a ditadura militar (1964-1985).
Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) já ter decidido em 2008 que a Lei da Anistia (de 1979) impede julgamentos de atos praticados durante o regime militar, Abrão considera que na repressão política foram praticados crimes de lesa-humanidade que poderiam ser julgados diante de novas interpretações da legislação, principalmente diante da decisão, no ano passado, da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que a não punição dos militares configura violação de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. “Isso [a punição dos crimes da ditadura] é importante para se criar garantias mínimas junto à sociedade de que esse tipo de violência não se repita mais”, comentou.
Além disso, o secretário nacional de Justiça explicou como deve funcionar a Comissão da Verdade, grupo que deve ter como principal função apurar a história da repressão durante a ditadura militar. Ela terá sete membros e funcionará por dois anos, recolhendo documentos e depoimentos para tentar desvendar como funcionou o aparato repressivo dos militares. A Comissão deverá ser instituída ainda no primeiro semestre deste ano, segundo Abrão.
Como está o processo de constituição da Comissão da Verdade? Em que ponto está?
O projeto de lei [que cria a comissão] está no Congresso Nacional e, na próxima semana, será instaurada uma comissão especial para apreciá-lo. Parece-me que os líderes dos partidos já assinaram requerimento de concordância com a tramitação em regime de urgência. A nossa expectativa é que a criação da Comissão da Verdade seja aprovada ainda no primeiro semestre.
E como vai funcionar?
A Comissão será composta por sete membros, escolhidos pela presidenta da República [Dilma Rousseff]. E esses sete grandes especialistas terão a tarefa de, em primeiro lugar, desvendar a estrutura do aparato repressivo do regime ditatorial e construir uma narrativa oficial a respeito da época do regime militar. A Comissão funcionará por dois anos, com mandato próprio. Muito provavelmente os conselheiros deverão receber algum tipo de cláusula de imunidade para garantir sua atuação, além de poderes para a requisição de documentos, convocação de servidores públicos e cidadãos para prestar informações. Ao final, devem entregar para a presidenta o relatório de suas ações.
Em diversas ocasiões, o senhor defendeu a revisão da interpretação da anistia aos militares que participaram da repressão política. Por quê?
Para mim, está muito bem assentado em tratados internacionais de direitos humanos e, principalmente, pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos que crimes de lesa-humanidade [tais como a tortura] são imprescritíveis e impassíveis de anistia. Isso é importante para se criar garantias mínimas junto à sociedade de que esse tipo de violência não se repita mais. É com esse propósito que tenho essa convicção. A partir de agora, temos em um ambiente jurídico interno brasileiro duas decisões: uma do Supremo Tribunal Fe deral e uma da Corte Intera me ricana [de Direitos Humanos]. A questão está nas mãos do Poder Judiciário.
É possível reverter a decisão do STF sobre a Lei da Anistia?
Não se trata de reverter, mas sim de compatibilizar juridicamente duas decisões no âmbito do nosso ordenamento jurídico. É um grande desafio para o Poder Judiciário.
Existe alguma ação já sendo tomada para punir crimes cometidos pelos agentes da repressão?
O Ministério Público Federal [MPF] tem tomado algumas iniciativas na interposição de ações civis [contra agentes da ditadura]. Foi constituído, também, um gru po de trabalho na Procurado ria Federal dos Direitos do Ci dadão, que está incumbido de averiguar eventuais ações jurídicas, seja na esfera cível, seja em outras esferas, à respeito de ranços ainda existentes quanto a esses crimes. Um exemplo é todo o debate em torno da factibilidade da apuração de crimes de desaparecimento forçado que, pela própria jurisprudência do STF, são crimes permanentes – portanto, não estariam prescritos.
Qual a importância das reparações [a perseguidos políticos] no processo de redemocratização do Brasil?
Todas as iniciativas que foram tomadas para o cumprimento da agenda da transição política no Brasil partiram do conceito e das ações de reparação. As poucas ações judiciais existentes utilizaram como elementos probatórios os reconhecimentos das comissões de reparação. Hoje as políticas de memória que estão sendo implementadas também partiram das comissões. Do mesmo modo, são essas comissões que deram oportunidade a reconstrução da verdade histórica a partir da narrativa das vítimas. Então, elas são um elemento central e marcam o modelo transicional [da ditadura para a democracia] do Brasil, que se difere dos de outros países.
