Síndrome severa de conservadorismo – Paul Krugman

Na Gazeta do Povo de segunda-feira

Mitt Romney tem um dom com as palavras – especialmente as autodestrutivas. Na sexta-feira ele fez mais uma das suas, ao dizer à Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) que ele era um “governador severamente conservador”.

Como apontado por Molly Ball do jornal The Atlantic, Romney “descreveu o conservadorismo como se fosse uma doença”. Realmente. Mark Liberman, professor de linguística da Universidade da Pensilvânia, forneceu uma lista de palavras que comumente acompanham o advérbio “severamente”; as cinco mais, em ordem de frequência de uso, eram “incapacitado”, “deprimido”, “doente”, “limitado” e “ferido”.

Isso claramente não era o que Romney queria dizer. No entanto, se você for conferir a corrida para nomeação presidencial republicana, provavelmente acabará se perguntando se foi ou não um ato falho. Pois parece claro que algo está muito errado no conservadorismo americano moderno.

Começando com Rick Santorum, que, de acordo com o instituto Public Policy Polling, é definitivamente o favorito, no momento, entre os eleitores republicanos das primárias, estando 15 pontos na frente de Romney. Qualquer um com uma conexão à internet está ciente de que Santorum é melhor conhecido por seus comentários de 2003 sobre homossexualidade, incesto e bestialidade. Mas há muito mais coisas estranhas nele.

No ano passado, por exemplo, Santorum fez questão de defender as Cruzadas medievais contra “a esquerda americana que odeia a Cristandade”. Deixando de lado as questões históricas (porque o que é um massacrezinho ou outro de infieis ou judeus?), o que faz esse assunto numa campanha política do século 21?

E a questão não é só sexo e religião: ele também declarou que a mudança climática é um engano, parte de um “esquema belamente planejado” provindo da “esquerda” para fornecer “desculpas para o governo controlar mais a sua vida”. Pode-se dizer que esse tipo de teoria da conspiração não está limitado a Santorum, mas essa é a questão: o chapéu de papel alumínio dos paranóicos caricatos se tornou já um acessório comum, quando não obrigatório, do partido republicano.

E ainda tem Ron Paul, que veio em segundo lugar nos caucus do Maine apesar da publicidade gerada por assuntos como os boletins racistas (e conspiratórios) publicados sob seu nome nos anos de 1990 e suas declarações sobre tanto a Guerra Civil quanto a Abolição da Escravidão terem sido erros. Fica claro que um amplo segmento da base de seu partido se sente confortável com os pontos de vista que se esperaria que viessem de uma direita mais extrema.

Por fim, há Romney, que provavelmente receberá a nomeação, apesar de seu fracasso evidente em conseguir estabelecer uma conexão emocional com, bem, qualquer um que fosse. A verdade, lógico, é que ele não era um governador “severamente conservador”. A grande realização que carrega sua assinatura foi uma reforma do sistema de saúde que é, em todos os aspectos importantes, idêntico à reforma nacional que foi assinada pelo presidente Obama quatro anos depois. E, num mundo político racional, sua campanha se centraria sobre essa realização.

Mas Romney está atrás de uma nomeação presidencial republicana, e, quaisquer que realmente possam ser suas crenças pessoais – se, de fato, ele acredita em qualquer outra coisa fora que ele deva ser presidente – ele precisa ganhar os eleitores das primárias, que são mesmo severamente conservadores, tanto nos sentidos intencional e não intencional da palavra.

Sendo assim, ele não pode depender de seu histórico no cargo. E ele também não estava se esforçando muito para basear a campanha em sua carreira nos negócios, mesmo antes de as pessoas começarem a fazer perguntas difíceis (e muito apropriadas) sobre a natureza de sua carreira.

Em vez disso, seus discursos políticos dependem quase que inteiramente das fantasias e delírios fabricados para apelar às ilusões da base eleitoral conservadora. Não, o presidente Obama não é alguém que “começou seu mandato pedindo desculpas pela América”, como declarou Romney, novamente, na semana passada. Mas esta “falsidade de quatro Pinóquios”, como põe o Washington Post Fact Checker [que mede o nível de verdade de declarações de políticos, graduando-as entre um e quatro “Pinóquios”], está no cerne da campanha Romney.

Como é que o conservadorismo americano conseguiu acabar se tornando tão distante e contrário aos fatos e à racionalidade? Pois ele não foi sempre assim. Afinal, a reforma do sistema de saúde que Romney quer que esqueçamos seguiu uma planta desenhada originalmente pelo instituto conservador The Heritage Foundation!

Minha resposta breve é que o jogo de vigarices que há muito se estende entre os conservadores econômicos – e os patrocinadores ricos a quem eles servem – finalmente desandou. Durante décadas o Partido Republicano tem ganho eleições apelando para divisões sociais e raciais para, depois, após cada vitória, recorrer ao desregulamento e cortes tributários para os ricos – um processo que atingiu seu ápice quando George W. Bush ganhou a reeleição fazendo pose de defensor da América contra terroristas gays casados, anunciando depois que tinha um mandato para privatizar a Previdência Social.

Ao longo do tempo, no entanto, esta estratégia criou uma base eleitoral que realmente passou a acreditar em toda essa fanfarronada – e agora a elite do partido perdeu o controle. A questão é que a situação lastimável do Partido Republicano de hoje – e tem alguém que não a considere lastimável? – não é nenhum acidente. Os conservadores econômicos fizeram um jogo cínico e agora estão enfrentando os efeitos adversos, um partido que sofre de conservadorismo “severo” no pior dos sentidos. E a doença pode levar muitos anos para ser curada.

Tradução: Adriano Scandolara

“Republicano Mitt Romney enriqueceu enquanto ajudou a destruir a classe média estadunidense” – Paul Krugman

Romney, Obama e empregos – Paul Krugman

Folha de S. Paulo de sábado

Romney e pessoas como ele enriqueceram enquanto ajudaram na destruição da classe média americana

A recuperação da América da recessão vem sendo tão lenta que nem parece uma recuperação. Assim, em um mundo melhor, o presidente Barack Obama enfrentaria um concorrente que proporia uma crítica séria de suas políticas de geração de empregos. Em vez disso, é quase certo que Obama enfrente Mitt Romney.

Romney alega que Obama vem sendo um destruidor de empregos, enquanto ele teria sido um empresário que os criou. Disse à Fox News: “[Obama] perdeu 2 milhões de empregos, mais que qualquer outro presidente desde Hoover”. E declarou sobre seu período trabalhando na firma de participações acionárias Bain Capital: “Ajudamos a gerar mais de 100 mil empregos”.

É verdade que hoje há 1,9 milhão de americanos empregados a menos que os que havia na posse de Obama. Mas o presidente herdou uma economia em queda livre; não pode ser culpado por perdas de empregos nos seus primeiros meses de governo, em 2009, antes de suas próprias políticas terem tido efeito.

Entre janeiro e junho de 2009, a economia americana perdeu 3,1 milhão de empregos; desde então, ganhou 1,2 milhão. Não é o suficiente, mas não tem a menor relação com o retrato traçado pelo republicano.

O que Romney alega sobre Obama não é literalmente falso, mas induz ao engano. Mas mais surpreendente é a alegação de ter criado 100 mil empregos. De onde ela vem?

Segundo a campanha de Romney, é a soma dos empregos ganhos em três empresas que ele “ajudou a fundar ou fazer crescer”: Staples, The Sports Authority e Domino’s.

O “Washington Post” chamou a atenção para dois problemas: a contagem é baseada em “cifras atuais, não do período em que Romney trabalhou na Bain”, e “não inclui perdas de empregos em outras companhias com que a Bain esteve envolvida”. Qualquer desses problemas já invalida a alegação inteira.

De todo modo, não faz sentido olhar mudanças na força de trabalho de uma empresa e achar que servem para medir a geração de empregos na América como um todo.

Suponhamos, por exemplo, que sua rede de papelarias eleva a sua fatia no mercado, às expensas de redes rivais. Você passa a empregar mais pessoas, enquanto a concorrência emprega menos. Qual é o efeito final sobre o emprego?

Melhor: suponhamos que sua empresa tenha crescido em parte não por superar a concorrência, mas, sim, por adquirir as rivais. Agora, os empregados dessas empresas são seus. Você gerou empregos?

Pode-se indagar se não é igualmente incorreto dizer que Romney destruiu empregos. Sim, é. A queixa real é que destruiu empregos bons.

Quando a poeira assentou após o “downsizing” nas empresas que a Bain reestruturou -ou depois de essas companhias terem falido-, o número total de empregados nos EUA era mais ou menos igual ao que teria sido de qualquer maneira. Mas os empregos perdidos pagavam mais, com benefícios melhores.

Romney e pessoas como ele não destruíram empregos, mas enriqueceram enquanto ajudaram a destruir a classe média americana. E é essa realidade que se pretende obscurecer com todo o papo furado sobre empresários geradores e democratas destruidores de empregos.

Tradução de CLARA ALLAIN

Loucura monetária dos republicanos – Paul Krugman

Hoje na Folha de S. Paulo

Estamos a caminho de nova Grande Depressão caso doutrina que predomina no partido for posta em ação

A busca desesperada dos republicanos por um candidato à Presidência que não se chame Willard M. Romney parece continuar. As apostas em Gingrich perderam força no Iowa, ao menos. O próximo nome na berlinda é o do deputado Ron Paul.

Isso faz sentido, de certo modo.

As pessoas não confiam em Romney porque ele é visto como alguém que, cinicamente, assume a posição que acha que mais vai beneficiá-lo -acusação que é verdadeira.

Ron Paul, ao contrário, vem sendo altamente coerente. Aposto que você não encontrará videoclipes de alguns anos atrás em que ele diz o contrário do que afirma agora.

Infelizmente, Ron Paul vem mantendo sua coerência por ignorar a realidade, aferrando-se à sua ideologia apesar dos fatos que comprovaram o equívoco dessa ideologia.

E, ainda mais infelizmente, a ideologia de Ron Paul hoje domina o Partido Republicano, que antigamente era mais bem informado.

Ron Paul se identifica como alguém que acredita na teoria econômica dita “austríaca” -teoria que rejeita John Maynard Keynes, mas é quase igualmente veemente na rejeição às ideias de Milton Friedman.

Pois os austríacos veem a “moeda fiduciária” (dinheiro que é apenas impresso, sem ser respaldado por ouro) como sendo a raiz de todos os males econômicos.

Eles se opõem terminantemente ao tipo de expansão monetária que Friedman dizia que poderia ter evitado a Grande Depressão -e que foi feita por Ben Bernanke desta vez.

E ocorreu, de fato, uma enorme expansão da base monetária depois da queda do Lehman Brothers. O Fed começou a emprestar grandes montantes a bancos, além de comprar uma grande gama de outros ativos, numa tentativa (bem-sucedida) de estabilizar os mercados.

Os austríacos e muitos economistas de viés direitista tinham certeza quanto ao resultado disso: inflação devastadora. Um comentarista austríaco que vem assessorando Ron Paul chegou a avisar da possibilidade de uma hiperinflação ao estilo do Zimbábue no futuro próximo.

Então aqui estamos, três anos mais tarde. Como vão as coisas? Os preços ao consumidor subiram apenas 4,5%, o que significa um índice de inflação anual média de 1,5%.

Quem poderia ter previsto que imprimir tanto dinheiro provocaria tão pouca inflação? Bem, eu poderia -e previ. E também o fizeram outros que entendem a teoria keynesiana.

Mas seus partidários continuam a dizer, não se sabe como, que ele tem tido razão em relação a tudo.

Assim, poderíamos imaginar que o fato de terem errado tão feio sobre algo que é tão crucial em seu sistema de crenças teria feito os austríacos perder popularidade.

O que aconteceu, porém, é que a doutrina da “moeda lastreada” e a paranoia quanto à inflação tomaram conta do partido, apesar de a inflação prevista não se concretizar.

Ainda é muito improvável que Ron Paul se torne presidente. Mas sua doutrina econômica já virou, concretamente, a oficial do Partido Republicano, não obstante os acontecimentos terem mostrado que está totalmente equivocada.

E o que vai acontecer se essa doutrina acabar realmente sendo posta em ação? Hello, Grande Depressão, estamos a caminho!


Tradução de CLARA ALLAIN

Campanha EUA: ruim com o democrata Obama, pior com os republicanos

Michael Douglas interpreta Gordon Gekko no filme Wall Street – Poder e Cobiça (1987)

Paul Krugman

Mitt Romney fez fortuna destruindo empregos

Publicado hoje na Gazeta do Povo | THE NEW YORK TIMES

Já se passou quase um quarto de século desde que o filme Wall Street – Poder e Cobiça foi lançado, e ele parece estar mais relevante do que nunca. As lengalengas hipócritas de magnatas financeiros condenando o presidente Barack Obama se parecem todas com variações do famoso discurso do personagem Gordon Gekko de que “a ganância é boa”, enquanto as reclamações do Ocupe Wall Street soam iguais ao que Gekko dizia em privado: “Eu não crio nada. Eu sou dono”, ele declara num ponto; em outro, ele pergunta a seu protegido, “Agora você não é mais inocente o bastante para pensar que vivemos numa democracia, não é, amigo?”

No entanto, com o benefício da retrospectiva, podemos ver que o filme errou no final. Ele termina com Gekko recebendo o que merece, e a justiça chega graças à diligência da Comissão de Segurança e Câmbio [SEC, na sigla em inglês]. Na realidade, a indústria financeira só continuou ficando mais e mais poderosa, e os reguladores foram castrados.

E, de acordo com o mercado preditivo Intrade, há uma chance de 45% de que um Gordon Gekko de verdade seja o próximo candidato presidencial republicano.

Eu não sou, é claro, a primeira pessoa a perceber a semelhança entre a carreira empresarial de Mitt Romney e as explorações fictícias do anti-herói criado por Oliver Stone. Na verdade, o grupo Americans United for Change [Americanos Unidos pela Mudança], apoiado pelos trabalhadores, está usando o slogan “Romney-Gekko” como base para sua campanha. Mas há um problema aqui ainda mais profundo do que críticas levianas contra Romney.

Pois a ortodoxia atual entre republicanos é que não devemos sequer criticar os ricos, que dirá exigir que eles paguem impostos mais altos, porque eles são “geradores de empregos”. No entanto, o fato é que um bom número dos ricos de hoje ficou assim destruindo, e não gerando, empregos. E o histórico empresarial de Romney oferece uma ilustração muito boa desse fato.

O Los Angeles Times recentemente pesquisou os registros da Bain Capital, a firma de atividade financeira do tipo “private equity” chefiada por Romney de 1984 a 1999. Como nota o relatório, Romney fez muito dinheiro durante esses anos, tanto para si próprio quanto para seus investidores. Mas ele, com frequência, o fez de modos que prejudicaram os trabalhadores comuns.

A Bain se especializou em aquisições alavancadas, compra de controle de companhias com dinheiro emprestado, em compromisso contra os ganhos e ativos dessas companhias. A ideia era aumentar os lucros das companhias adquiridas, depois revendê-las.

Mas como aumentaram-se os lucros? A imagem popular – moldada em parte por Oliver Stone – é que às aquisições seguiam-se cortes de despesas implacáveis, imensamente à custa de trabalhadores, que ou perdiam seus empregos, ou descobriam que seus salários e benefícios seriam cortados. E, embora a realidade seja mais complexa que esta imagem – algumas companhias expandiram e acrescentaram trabalhadores após a aquisição – ela contém mais do que um grão de verdade.

Uma análise recente de “transações de private equity” – o tipo de aquisição em que a Bain se especializou – notou que os negócios em geral estão sempre gerando e destruindo empregos simultaneamente, e que isso também é verdade sobre companhias visadas pelas aquisições. No entanto, a geração de empregos nas firmas visadas não é maior do que em firmas semelhantes não visadas, enquanto a “pura destruição de empregos é substancialmente maior”.

Assim, Romney fez sua fortuna num negócio que é, após o balanço, mais de destruição do que geração de empregos. E, porque a destruição de empregos prejudica os trabalhadores enquanto aumenta os lucros e renda dos altos executivos, firmas de aquisições alavancadas contribuíram para a combinação de salários estagnados e a alta de renda no topo que tem caracterizado a América desde 1980.

Agora eu já disse que a indústria de aquisições alavancadas, como um todo, tem sido uma destruidora de empregos, mas e a Bain? Por pelo menos um critério, a Bain durante os anos Romney parece ter sido ríspida sobretudo com os trabalhadores, visto que quatro de seus dez alvos principais, por valor em dólar, acabaram falindo. (A Bain, contudo, fez dinheiro com três desses negócios.) Essa é uma taxa de fracasso muito mais alta do que o normal, mesmo em companhias que passam por aquisições alavancadas – e, quando as companhias faliram, muitos trabalhadores acabaram perdendo seus empregos, suas pensões, ou ambos.

Então, o que aprendemos desta história? Não que Mitt Romney, o empresário, era um vilão. Ao contrário do que dizem os conservadores, os liberais não querem demonizar e castigar os ricos. Mas eles têm objeções às tentativas da direita de fazer o oposto, de canonizar os ricos e isentá-los dos sacrifícios que se espera que todo mundo faça, por conta das coisas maravilhosas que eles supostamente fazem por nós.

A verdade é que o que é bom para o 1%, ou melhor, o 0,1%, não é necessariamente bom para o resto da América – e a carreira de Romney ilustra este argumento perfeitamente. Não há necessidade, nem motivo, para se odiar Romney e outros como ele. Nós, porém, precisamos mesmo é fazer que tais pessoas paguem mais impostos – e não deveríamos deixar que os mitos sobre “geradores de empregos” impeçam isso.

Tradução de Adriano Scandolara.