Eduardo Suplicy defende o CNJ

O advogado trabalhista André Passos, Senador Eduardo Suplicy, professor Marcos Alves e Tarso Cabral Violin, em evento na Universidade Positivo sobre Terceiro Setor

Não convém esvaziar poderes do Conselho

Eduardo Matarazzo Suplicy

No dia 19 de dezembro, foi tornada pública uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), em caráter liminar, que suspende o chamado “poder originário” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar os delitos cometidos por juízes. Pelo entendimento do ministro, o CNJ somente poderá atuar nos casos que envolvam os magistrados após decisão das corregedorias internas dos tribunais.

A decisão liminar do ministro Marco Aurélio terá validade até que o plenário do STF julgue o mérito da ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra a resolução do CNJ que uniformiza normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. O plenário do STF somente deve julgar o mérito dessa ação no ano que vem.

Segundo notícia desta Folha, em 19 de dezembro, a decisão do ministro também suspendeu mais de dez outras normas presentes na resolução do CNJ em questão, inclusive aquela que permitia a utilização de outra lei, mais dura que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, para punir magistrados acusados de abuso de autoridade.

Além do mais, ficarão prejudicadas investigações que tiveram início diretamente no conselho.

É competência do CNJ, prevista no § 4º do art. 103-B da Constituição da República, realizar o controle do “cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”. Compete à ministra-corregedora do CNJ, pelo § 5º do mesmo artigo, “receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários”.

Cabe ressaltar que a ministra Eliana Calmon tem honrado suas atribuições. O § 7º do mesmo art. 103-B determina, inclusive, a criação de ouvidorias de Justiça para colher essas denúncias e reclamações, representando diretamente ao CNJ.

Ora, então o CNJ deve receber as denúncias contra magistrados, conforme determina a Constituição, para controlar o trabalho e a conduta dos juízes, e nada fazer?

Deve o CNJ aguardar o controle realizado pelas corregedorias dos tribunais inferiores? Então por que o constituinte derivado teria definido essas atribuições de controle ao novo órgão criado em 2004?

Qualquer interpretação que postergue a análise do CNJ parece ferir a síntese dos argumentos que levaram à sua criação.

Não foi essa a decisão do legislador constituinte. O CNJ foi criado para ter poderes de investigação e controle como resposta às dificuldades de apuração que ocorriam e que, pelo noticiário, continuam ocorrendo em algumas corregedorias internas dos Tribunais de Justiça de vários Estados.

Como consequência da decisão tomada pelo ministro Marco Aurélio, também estão anuladas outras regras estabelecidas pelo CNJ para coibir manobras de que se valem os magistrados para proteger os colegas. Duas das mais comuns são a deliberada falta de quórum para julgar processos disciplinares e a lentidão para concluir as investigações.

Com todo respeito ao ministro Marco Aurélio Mello, e tendo presente os valores de excelência que compõem os quadros do Poder Judiciário, penso que mutilar as competências do CNJ, conferidas pelo texto constitucional, seria dar guarida a possíveis desmandos e delitos cometidos por quem deve julgá-los e coibi-los.

Essas atribuições representam importante braço do Estado democrático estabelecido pelo constituinte de 1988.


EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), é senador pelo PT-SP, professor da Eaesp-FGV e copresidente de honra da Rede Mundial da Renda Básica.

Europeus em crise aplicam neoliberalismo, e não Keynes

Publicado na Folha de S. Paulo de 31.12.2011

Keynes estava certo

Por PAUL KRUGMAN

O teste tem vindo de países europeus como Grécia e Irlanda, que tiveram que impor austeridade fiscal

“O momento de expansão, e não de retração, é a hora certa para o Tesouro Nacional ser austero.”

Foi o que disse John Maynard Keynes em 1937, quando o BC americano estava a ponto de provar que Keynes estava certo ao tentar equilibrar o orçamento cedo demais, fazendo a economia americana entrar em profunda recessão.

Um governo que adota política de cortes numa economia em depressão faz a queda ser pior; a austeridade deve esperar até que a recuperação esteja bem encaminhada.

Infelizmente, no fim de 2010 e início de 2011, políticos e governantes em muitas partes do ocidente acreditavam que sabiam mais, e que nós deveríamos focar em deficits e não em empregos, ainda que nossas economias tivessem acabado de se recuperar da depressão pós-crise financeira. Agindo de forma anti-keynesiana, acabaram provando que Keynes estava certo mais uma vez.

Ao declarar que a economia keynesiana foi vingada, estou indo contra o saber convencional. Especialmente em Washington, a incapacidade do pacote de estímulos de Obama de gerar grande número de empregos é geralmente vista como prova de que gastos governamentais não conseguem produzir empregos.

Mas aqueles de nós que fizeram as contas corretamente perceberam desde o início que a Lei de Recuperação e Reinvestimento de 2009 era restrita demais, dada a profundidade da queda. E também previmos o consequente retrocesso político.

Portanto, o verdadeiro teste para a economia keynesiana não veio dos tépidos esforços do governo americano para impulsionar a economia, que foram largamente contrabalançados por cortes em níveis estaduais e municipais.

O teste tem vindo de países europeus como a Grécia e a Irlanda, que tiveram que impor severa austeridade fiscal como condição para receber empréstimos de emergência -e têm sofrido perdas econômicas do mesmo nível da Grande Depressão. Isso não deveria acontecer, segundo a ideologia que domina grande parte do nosso discurso político.

Em março passado, a parte republicana do Comitê Econômico Conjunto do Congresso divulgou relatório que ridicularizava as preocupações de que cortes em um momento de queda poderiam piorar a situação, argumentando que os cortes aumentariam a confiança de consumidores e de mercados, e isso sim poderia levar a um crescimento mais rápido, não mais lento.

A insistência em cortes imediatos continuou dominando o cenário político, com efeitos maléficos sobre a economia. É verdade que não houve novas grandes medidas de austeridade do governo federal, mas vimos muita austeridade “passiva” à medida que o pacote de estímulos de Obama saiu de cena e governos estaduais e municipais sem liquidez continuaram fazendo cortes.

Você poderia argumentar que Irlanda e Grécia não tinham escolha quanto à imposição de austeridade a não ser fazê-lo ou declararem-se inadimplentes e deixar o euro.

Mas outra lição de 2011 foi que os EUA tinham e têm uma escolha; Washington pode estar obcecado com a questão do deficit, mas os mercados financeiros estão, sim, sinalizando que nós deveríamos tomar mais empréstimos.


Tradução de THOMAS MUELLO

Livro “A Privataria Tucana” continua sendo o 2º livro de não ficção mais vendido

Férias!

Livro “A Privataria Tucana” de Amaury Ribeiro Jr continua sendo o 2º livro de não ficção mais vendido, segundo a Folha de S. Paulo do último dia do ano. Perde apenas para a biografia de Steve Jobs. A Privataria Tucana é também o segundo livro eletrônico mais vendido, em todas as categorias, perdendo também para Jobs.

Curiosidade: a Folha diz que o livro A Privataria Tucana é de “não-ficção”. Isso que dizer que ela concorda que não há nenhuma ficção no livro, ratificando os escândalos das privatizações tucanas de José Serra e demais tucanos?

Comissão da Verdade, crimes praticados pelos golpistas e a corrupção da ditadura militar

Revista Carta Capital de 28 de dezembro de 2011

À sombra da ditadura

O Brasil não julgou seus torturadores e virou pária do direito internacional. Sua polícia é o reflexo

Por Vladimir Safatle

Este será um ano lembrado, entre outras coisas, como aquele no qual o Brasil se viu assombrado por seu passado. Durante décadas, o País tudo fez para nada fazer no que se refere ao acerto de contas com os crimes contra a humanidade perpetrados pela ditadura. Isso o transformou em um pária do direito internacional, objeto de processos em cortes penais no exterior. Contrariamente a países como Argentina, Uruguai e Chile, o Brasil conseguiu a façanha de não julgar torturador algum, de continuar a ter desaparecidos políticos e de proteger aqueles que se serviram do aparato de Estado para sequestrar, estuprar, ocultar cadáveres e assassinar.

Nesse sentido, não é estranho que convivamos até hoje comum aparato policial que tortura mais do que se torturava na própria época da ditadura. Aparato completamente minado por milícias, grupos de extorsão e extermínio, assim como pela violência gratuita contra setores desfavorecidos da população. A brutalidade securitária continua a nos assombrar. Este é apenas um dos preços pagos por uma sociedade incapaz de dissociar se dos crimes de seu passado recente.

Outro preço é o tema que mais assombra certos setores da classe média brasileira, a saber, a corrupção. Esquece-se muito facilmente como a ditadura foi um dos períodos de maior corrupção do Brasil. Basta lembrar-se de casos como Capemi, Coroa- Brastel, Lutfalla, Baumgarten, Tucuruí, Banco Econômico, Transamazônica, Ponte Rio-Viterói, entre tantos outros. Eles demonstram a consolidação de um modus operandi na relação entre Estado e empresariado nacional que herdamos da ditadura. Talvez não seja por acaso que boa parte dos casos de corrupção que assolam o País tenha participação de empresas que praticam negócios escusos desde a ditadura. Empresas que tiveram participação ativa, por exemplo, no financiamento da Operação Bandeirantes.

Corrupção e violência policial são apenas dois aspectos do que restou da ditadura. Poderíamos lembrar ainda do caráter imperfeito da democracia brasileira. Temos leis herdadas de períodos totalitários que se esconderam em nosso ordenamento jurídico. Ou seja, esperamos por uma reforma jurídica que racionalize nosso direito a partir de princípios gerais de liberdade social. Seria bom lembrar como temos uma lei constitucional que legaliza golpes militares. Basta lermos com calma o Artigo 142, no qual as Forças Armadas são descritas como “garantidoras dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Ou seja, basta, digamos, o presidente do Senado pedir a intervenção militar em garantia da lei (mas qual?sob qual interpretação?) e da ordem (social? moral? jurídica?) para que um golpe militar esteja legalizado constitucionalmente.

Diante desse cenário de desagregação normativa da vida social por causa da incapacidade da sociedade brasileira de elaborar seu passado, poderia esperar-se que a instalação de uma Comissão da Verdade servisse para iniciar um real processo de reconciliação nacional. Temos, porém, sólidas razões para duvidarmos disso.

Um dos pontos mais aberrantes da comissão é a indicação de que seus integrantes devam ser pessoas “isentas”. Uma piada de mau gosto. Há de se perguntar quem seria suficientemente amoral para ser isento diante de crimes contra a humanidade e atos bárbaros de violência estatal contra setores descontentes da população. Quem pode ser isento diante da informação de que integrantes do Exército, no combate à Guerrilha do Araguaia, jogavam camponeses de helicópteros e estupravam mulheres da região? Há algo de profundamente intolerável em pedidos de “isenção” nesse contexto.

Um dos exemplos pedagógicos de tal isenção pode ser encontrado no próprio dia de anúncio da criação da Comissão da Verdade. Diante da pressão dos militares, Vera Paiva, filha do deputado desaparecido Rubem Paiva, não pôde ler seu discurso, deixando os parentes de desaparecidos sem voz. Não poderia haver gesto mais simbólico e prenhe de significado. Não haverá voz para enunciar demandas de Justiça que não são apenas de familiares, mas de toda a sociedade brasileira.

Em crimes como os cometidos pela ditadura, não estamos a lidar com o sofrimento individual. Este é um erro cometido inclusive por setores de esquerda que querem”resolver tudo isso o mais rápido possível”. Eles compraram a ideia de que se trata apenas de encontrar reparação adequada para o sofrimento individual, seja por meio de compensações financeiras, seja por meio de anulação de atos que portaram prejuízo a um grupo reduzido de pessoas. Estamos, no entanto, lidando neste caso com um sofrimento social. Ou seja, toda a sociedade sofreu e ainda sofre por meio do “corpo torturável” desses indivíduos. Ela sabe que a violência estatal ainda paira como uma espada de Dámocles por sobre nossas cabeças. Ela pode explodir de maneira a mais irracional, como um conteúdo recalcado que retorna lá de onde menos esperamos.

Por outro lado, é claro que tais demandas de “isenção” escondem o pior dos raciocínios, a saber, a defesa de que a violência de um Estado ilegal contra a população equivale à violência de setores da população contra o aparato repressivo do Estado. “Temos de julgar também os terroristas”, é o que dizem.

Aqui talvez seja o caso de se perguntar: Para que serve a verdade? Alguns acreditam que a verdade serve principalmente para reconciliar. Ou seja, sua enunciação forneceria o quadro de um reconhecimento dos danos ocasionados no passado. Tal reconhecimento, por mais simbólico que seja, teria a força de produzir conciliações e versões unificadas da história nacional.

Não creio que isso possa ocorrer. Sempre teremos leituras divergentes e irreconciliáveis do que foi a ditadura. Sempre haverá os que dirão que os militares nos salvaram da transformação do Brasil em uma ditadura comunista. Por isso, talvez seja o caso de dizer que a enunciação da verdade não serve para conciliar. Ela serve para romper. Ela rompe com o medonho exercício de desresponsabilização que foi colocado em marcha no Brasil. Rompe com a tentativa de colocar no mesmo patamar quem usurpa o poder e cria um Estado de medo e aqueles que se voltam contra tal situação. Desde o Evangelho sabemos isso: a verdade não tem o poder de unir. Ela tem a força de cortar.

E importante dizer isso porque corremos o risco de ver a Comissão da Verdade se transformar em uma macabra validação da famosa “teoria dos dois demônios”. Certamente haverá a tendência em colocar em circulação a necessidade de investigar os “crimes feitos pelos terroristas de esquerda”. Por isso creio ser mais que necessário perder o medo de dizer em alto e bom som: toda ação contra um governo ilegal é uma ação legal. Um Estado ilegal não pode julgar ações contra si por ser ele próprio algo mais próximo de uma associação criminosa. Esta era a situação brasileira.

Pois podemos dizer que dois princípios maiores fundam a experiência de modernização política que caracteriza a tradição da qual fazemos parte. O primeiro desses princípios afirma que um governo só é legítimo quando se funda sobre a vontade soberana de um povo livre. O segundo princípio afirma o direito à resistência. Mesmo a tradição política liberal admite, ao menos desde John Locke, o direito que todo cidadão tem de assassinar o tirano, de lutar de todas as formas contra aquele que usurpa o poder e impõe um Estado de terror, de censura, de suspensão das garantias de integridade social. Nessas situações, a democracia reconhece o direito à violência.

Costuma-se dizer que o direito à resistência não pode ser aplicado ao caso brasileiro já que are pressão caiu exclusivamente sobre os ombros de integrantes da luta armada que procuravam criar um governo comunista e totalitário no Brasil. Mas a afirmação é falsa. A repressão agiu contra toda forma de resistência, não só aquela da luta armada. O deputado Rubem Paiva, assim como vários sindicalistas e estudantes não faziam parte da luta armada e foram brutalmente mortos. Diz-se que estávamos em uma guerra e “efeitos colaterais” são produzidos. Mas, mesmo em situações de guerra, abusos são punidos.

Por outro lado, contrariamente ao que ocorreu na Argentina, os grupos de guerrilha apareceram no Brasil a partir do golpe militar, ou seja, se não houvesse ditadura não haveria grupos de guerrilha, a não ser focos isolados e completamente irrelevantes. É bom lembrar que boa parte daqueles que se engajaram na guerrilha tinha apenas uma vaga ideia do que queria, mas tinha uma ideia muito clara do que não queria. Lembre-se ainda que o direito à resistência não se anula pelo fato de defender outro regime de governo. Não por outra razão, líderes comunistas ainda são vistos como heróis da resistência na Europa.

Por essas razões, a única reconciliação possível ocorrerá quando aplicarmos no Brasil o que foi feito na África do Sul. O que queremos não é a cadeia para generais octogenários. Queremos que os responsáveis pelos crimes da ditadura peçam perdão, em sessão pública, diante dos familiares e torturados. Se o perdão é o gesto que reconcilia e apaga as feridas do passado, há de se lembrar que só pode haver perdão onde há reconhecimento do crime. Que a Comissão da Verdade não sirva para, mais uma vez, tentarem nos extorquir uma falsa reconciliação.

Pesquisa: maioria é contra privatizações. Por isso Beto Richa diz que apenas “terceiriza” e faz “parcerias”

Segundo pesquisa divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo (instituto Ipsos), a maioria dos brasileiros (62%) é contra a privatização de serviços públicos, sendo que apenas 25% dos brasileiros a aprova.

Para a maioria dos brasileiros as privatizações pioraram os serviços prestados à população nos setores de telefonia, estradas, energia elétrica e água e esgoto.

As pessoas com nível superior de estudo e as classes A e B rejeitam ainda mais as privatizações (73%).

Na década negra do neoliberalismo brasileiro, a maioria dos brasileiros defendiam as privatizações, e pelo que se vê agora se arrependeram.

Os serviços públicos privatizados prestados pelas concessionárias de energia elétrica estão piores para 55%, água e esgoto 54% e telefonia 51%.

Foram entrevistados 1.000 eleitores brasileiros, em 70 cidades e 9 regiões metropolitanas, entre os dias 24 e 31 de outubro, com uma margem de erro de 3%.

Enquanto isso, o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), está privatizando a saúde, informática, cultura e tudo mais o que o secretário Cassio Taniguchi ver pela frente, adotando política claramente reacionária e contrária aos ideais da população brasileira.

Mas Beto Richa diz que é tudo terceirização ou parcerias, e não privatização. É ou não é um cara-de-pau? A maior jurista do Direito Administrativo brasileiro, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, diz que venda de estatais, parcerias com organizações sociais – OS e terceirizações são privatizações.

Tucanos devem achar que Keynes é um comunista comedor de criancinhas. Veja texto da Carta Capital sobre o economista

Revista Carta Capital de 28 de dezembro de 2011

Clássico

A obra de Keynes, que atravessa o tempo, propõe “ação jurídica e política do Estado” contra os efeitos negativos do darwinismo social

Por Luiz Gonzaga Belluzzo

Mais do que um economista, Keynes era um publicista, um homem que pretendia falar em nome do interesse público e que acreditava no poder de persuasão das ideias.

Para Maynard – assim o chamavam os discípulos de Cambridge -, o estudo da economia – uma ciência moral – só valia a pena como um meio para a realização dos valores que a sociedade moderna promete, mas não entrega aos cidadãos.

Publicado em 1930 na revista Nation and Atheneum e republicado em1931nos Essays in Persuasion, o artigo As Possibilidades Econômicas de Nossos Netos pretendia superar o pessimismo que afligia os tempos da Grande Depressão.

Tempos açoitados pela derrocada econômica,pelo desespero social e pela turbação política. No seu estilo peculiar, avesso aos cacoetes da linguagem usual dos economistas, Keynes desenha as possibilidades econômicas dos próximos cem anos. Na visão do autor, impulsionado pelo avanço tecnológico e pela rápida acumulação produtiva, o capitalismo criou as condições para a superação das limitações impostas milenarmente à satisfação das necessidades básicas. Essa vitória sobre a escassez acenou com a fruição de uma vida boa,moral e culturalmente enriquecedora para homens e mulheres. Mas, em sua maníaca obsessão pela acumulação monetária, o capitalismo cria tantos problemas quanto os que consegue resolver. A admirável”criatividade” produtiva e tecnológica não consegue realizar a promessa da vida boa. Os poderes que o convocam à produção da abundância são os mesmos que submetem as criaturas humanas ao vício do consumismo, à permanente insatisfação das necessidades ilimitadas e aos grilhões do impulso insaciável da acumulação de riqueza monetária.

Nesse texto perturbador para o ethos da sociedade aprisionada nas engrenagens da concorrência, Keynes escreve: “Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as caracteristicas humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundancia sem um calafrio… Pois fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir… Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes… Os que dispõem de rendimentos diferenciados,mas não têm deveres, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados”.

Entre minhas modestas tentativas de desvendar os valores que orientaram os trabalhos do maior economista do século XX, sublinhei o peculiar conservadorismo de Keynes. Ele professava a crença de que a sociedade e o indivíduo são produtos da tradição e da história. Cultivava os valores de uma moral comunitária, radicalmente antivitoriana e, portanto, visceralmente antiutilitarista. Isso não quer dizer que recusasse as virtudes criativas da modernidade capitalista nascido sob consigna do avanço das liberdades e da autonomia do indivíduo. O “amor ao dinheiro”, dizia, é o sentimento que move o indivíduo na economia mercantil-capitalista. Fator de progresso e de mudança social,”the love of money” pode se transformar em um tormento para o homem moderno. A sanha competitiva não avalia os custos da refrega, “mas olha apenas para seus resultados finais, assumidos como permanentes”.

No seu célebre artigo O Fim do Laissez-faire, Maynard ironizou a ideia de que a busca do interesse privado levaria necessariamente ao bem-estar coletivo. “Não é uma dedução correta dos princípios da teoria econômica afirmar que o egoísmo esclarecido leva sempre ao interesse público. Nem é verdade que o autointeresse é, em geral, esclarecido.”

Os efeitos negativos do darwinismo social devem ser neutralizados mediante a ação jurídica e política do Estado e, sobretudo, pela atuação de “corpos coletivos intermediários”; como, por exemplo, um Banco Central dedicado à gestão consciente da moeda e do crédito.Keynes acreditava que a cura para os males do capitalismo deve “ser buscada, em parte, pelo controle da moeda e do crédito por uma instituição central e, em parte, por um acompanhamento da situação dos negócios,subsidiados por abundante produção de dados e informações”. Ele insistia na “da direção inteligente pela sociedade dos mecanismos profundos que movem os negócios privados”, particularmente as decisões sobre a posse da riqueza marcadas pelo conflito entre o investimento criador de riqueza nova-leia-se emprego, rendimentos e lucros para trabalhadores e empresários – e a acumulação de valores fictícios, estéreis para a comunidade.

No último capítulo de sua obra maior intitulada Notas Finais sobre a Filosofia Social, A Que Pode Levar a Teoria Geral, Keynes constrói a síntese entre a sua filosofia moral e a crítica à”teoria clássica” empreendida ao longo do livro. Ele propõe um conjunto de políticas apoiadas nas concepções jás ugeridas no artigo de1933, The Means to Prosperity: “O problema econômico é uma questão de economia política, isto é, da combinação entre teoria econômica e aarte da gestão estatal”.

O primeiro ponto desse arranjo política econômica é a “socialização do investimento”, entendida como a coordenação pelo Estado das relaçðes entre o investimento público e privado. O “orçamento de capital” do governo deve ser administrado de modo a minorar as incertezas que contaminam o investimento privado. “Creio que uma socialização bastante completa do investimento será o único meio de se aproximar do pleno emprego, ainda que isso nåo exclua qualquer forma de cooperação entre a autoridade pública e a iniciativa privada. O segundo pilar da proposta keynesiana cuida da eutanásia do rentier. A política bancária e de crédito deve ser administrada para neutralizar “o poder de opressão acumulativo do capitalista para explorar o valor de escassez do capital… Enquanto sejam intrínsecas as razões para a escassez da terra, isso não é verdade para a escassez de capital”.

O terceiro ponto reclama um sistema fiscal que mantenha permanentemente a capacidade de redistribuir renda dos mais abonados para as classes menos favorecidas, com o objetivo de manter o consumo crescendo à mesma velocidade da expansão da renda.

O quarto ponto. Já na Teoria Geral, Keynes clamava por uma distribuição mais equitativa do ajustamento dos desequilíbrios de balanço de pagamento entre deficitários e superavitários, como forma de evitar os desatinos competitivos de “empobrecer o vizinho”. Isso significava facilitar o crédito aos países deficitários penalizar os países superavitários. O propósito era evitar os “ajustamentos deflacionários” e manter as economias na trajetória do pleno emprego. Mais tarde, em Bretton Woods,Keynes propôs à Clearing Union, uma espécie de Banco Central dos bancos centrais. A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o bancor, destinada exclusivamente a liquidar posições entre os bancos centrais. Ele imaginava que o controle de capitais deveria ser “uma característica permanente da nova ordem econômica mundial”.

É fácil perceber a atualidade dessas recomendações de política econômica. Mas é quase impossível vislumbrar sua aplicação no mundo controlado pelas ideias do poder – econômico, financeiro e midiático – e não, como pretendia Keynes, pelo poder das ideias.

Ambientalistas não podem ser “massa de manobra” dos neoliberais. Veja texto da Carta Capital

Camila Vallejo, líder estudantil no Chile

Carta Capital do dia 28 de dezembro de 2011

O vermelho e o verde.

Para a esquerda desenvolvimentista, o ambientalismo pode ser uma contestação mais séria que os neoliberais em retirada

Por Antonio Luiz M. C. Costa

O continente mais uma vez zombou dos prognósticos de fim de ano sobre o “refluxo da maré esquerdista”. O único país a se deslocar à direita nos últimos anos, o Chile após a eleição de 2009 e 2010, presencia um renascimento dos movimentos populares como não se via desde os tempos de Salvador Allende. Os protestos estudantis liderados pela universitária comunista Camila Vallejo mantêm em xeque, desde maio, o presidente Sebastián Piñera, com apoio de sindicalistas e da oposição. Sem dar respostas convincentes às reivindicações, o governo conservador perde popularidade com as ações repressivas, enquanto a despolitização da juventude chilena ao longo dos 20 anos de concertación é rapidamente revertida e as reivindicações de educação gratuita e desprivatização do ensino ganham apoio popular.

Ainda em 2010, a rejeição pela Corte Constitucional colombiana do projeto de uma terceira eleição consecutiva para o direitista Álvaro Uribe, aliado de grupos paramilitares, resultou na eleição de seu ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos. Mas este tem se mostrado um chefe de Estado muito mais pragmático, a ponto de Uribe sentir-se traído e cobrar da oposição venezuelana que critique seu sucessor por sua “amizade” com Hugo Chávez. Santos arquivou a retórica agressiva contra o Equador e a Venezuela e em troca recebeu a colaboração do presidente venezuelano na captura de militantes das Farc, cuja importância continua a diminuir e que recebeu um forte golpe com a perda de seu comandante Afonso Cano.

Viu-se também a justiça colombiana investigar e às vezes punir os crimes do uribismo e do paramilitarismo, a esquerda conquista a prefeitura de Bogotá e outras cidades importantes e os estudantes universitários obrigarem o governo, pela greve, a retirar um projeto de reforma da educação que abria as portas à privatização. Ali, se houve um movimento, foi na direção do centro.

O movimento mais notável de 2011 foi, porém, do centro-direita para o centro esquerda nacionalista: a eleição de Ollanta Humala no Peru. Foi particularmente significativo, pois as políticas neolibelo para o continente desde os anos de Alberto Fujimori. E o segundo mais importante foi a reeleição de Cristina Kirchner em outubro, que confirmou que continua a haver apoio popular às suas políticas heterodoxas apesar da manipulação dos índices para disfarçar uma inflação preocupante. Ambos contrariaram os prognósticos da The Economist.

O Brasil continua, com Dilma Rousseff, a seguir o caminho de política nacional e internacional aberto pelo governo Lula e a realidade geopolítica e geoeconômica não deixam muitas alternativas: quanto mais se intensificarem os laços com os países periféricos, latino-americanos, africanos e asiáticos, menos estragos fará a marola da inevitável segunda recessão (se não coisa pior) dos países do Atlântico Norte.

Se o Mercosul se tornou algo menos importante para o Itamaraty, é porque se tornou um entre outros elementos da mesma política, cujos eixos principais são hoje a Unasul, o G-20 e o BRICS.

Pode-se falar de certa convergência da América do Sul, se não da América Latina, para o centro-esquerda. Tanto os neoliberais tornam-se mais pragmáticos ou na investigar e às vezes punir os crimes do uribismo e do paramilitarismo, a esquerda conquistar a prefeitura de Bogotá e outras cidades importantes e os estudantes universitários obrigarem o governo, pela greve, a retirar um projeto de reforma da educação que abria as portas à privatização. Ali, se houve um movimento, foi na direção do centro. O movimento mais notável de 2011 foi, porém, do centro-direita para o centro esquerda nacionalista: a eleição de Ollanta Humala no Peru. Foi particularmente significativo, pois as políticas neolibelo para o continente desde os anos de Alberto Fujimori. E o segundo mais importante foi a reeleição de Cristina Kirchner em outubro, que confirmou que continua a haver apoio popular às suas políticas heterodoxas apesar da manipulação dos índices para disfarçar uma inflação preocupante. Ambos contrariaram os prognósticos da The Economist.

O Brasil continua, com Dilma RousB seff, a seguir o caminho de política naY cional e internacional aberto pelo governo Lula e a realidade geopolítica e geoeconômica não deixam muitas alternativas: quanto mais se intensificarem os laços com os países periféricos, latino-americanos, africanos e asiáticos, menos estragos fará a marola da inevitável segunda recessão (se não coisa pior) dos países do Atlântico Norte. Se o Mercosul se tornou algo menos importante para o Itamaraty, é porque se tornou um entre outros elementos da mesma política, cujos eixos principais são hoje a Unasul, o G-20 e o BRICS.

Pode-se falar de certa convergência da América do Sul, se não da América Latina, para o centro-esquerda. Tanto os neoliberais tornam-se mais pragmáticos ou cedem espaço a forças mais à esquerda quanto os governos mais à esquerda moderam sua retórica, como é o caso de Chávez, ou flexibilizam a ortodoxia stalinista e abrem espaço a pequenos empresários e transações entre cidadãos, como é o caso da Cuba de Raúl Castro. A crise financeira dos países ricos reforça essa tendência, na medida em que força os governos sulamericanos a se apoiarem uns nos outros e no comércio com outros países periféricos e dependerem menos dos EUA e Europa. Apesar de a Unasul não ter sido palco de grandes decisões em 2011, os vizinhos continuam a ser silenciosamente pressionados pela realidade a cooperar entre si. O ex-presidente uruguaio Tabaré Vázquez, ao recordar, não se sabe a troco de quê, suas fracassadas negociações por um acordo de livre comércio com os EUA e os atritos com o falecido Néstor Kirchner em relação às indústrias de celulose do Rio Uruguai, chegando a mencionar que chegou a cogitar de guerra com a Argentina, foi ridicularizado nos dois países e aparentemente encerrou sua carreira política antes do planejado.

Isso não quer dizer, porém, que tudo sejam flores no que se refere às políticas dos governos de centro-esquerda. O tradicional desenvolvimentismo capitalista dessa corrente na América Latina começa, pela primeira vez, a ser questionado não por ultraliberais que condenam políticas industriais, agropecuárias, de desenvolvimento ou qualquer interferência do Estado na economia, mas por forças de esquerda que procuram defender o ambiente e as minorias, principalmente os indígenas.

O conflito mais emblemático foi o do presidente boliviano Evo Morales com o movimento indígena do Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Secure (Tipnis). Uma estrada a ser construída pela empreiteira brasileira OAS, considerada importante para o desenvolvimento e a integração territorial da Bolívia, entre os departamentos de Bení (amazônico) e Cochabamba (andino), foi combatida pelos indígenas da reserva, que se estende pela divisa dos dois departamentos, com apoio de ambientalistas e de outros grupos indígenas das terras baixas da Bolívia, que culparam o “imperialismo brasileiro” pelo projeto.

O governo boliviano tentou desqualificar o movimento acusando-o de ser manipulado pelos EUA, tentou reprimir a marcha de protesto quando estava a ponto de chegar ao departamento de La Paz, mas não adiantou: os indígenas foram recebidos como heróis por boa parte da população da capital e se impuseram a Morales, forçado a atendê-los e a enviar ao Congresso um projeto de lei que declarou o parque “intangível”. O trajeto da estrada deverá ser mudado a um custo de 200 milhões de dólares.

O caso não deixa de ter ambiguidades. Ao menos 24 outras comunidades indígenas sentiram-se prejudicadas pela suspensão da estrada e protestaram contra a decisão, pedindo que a obra seja retomada. É provável que os EUA e a oposição realmente tenham encorajado a manifestação anti-Evo. E quando o governo decidiu levar a “intangibilidade”à risca,expulsando do parque

madeireiras e empreendimentos turísticos, os próprios indígenas do Tipnis protestaram, dizendo querer atividades econômicas sob seu controle. Por maiores que sejam as complexidades reais do caso, ele representa um dilema entre o desenvolvimentismo característico dos movimentos políticos de centro-esquerda na América Latina, de um lado, e de outro, os interesses ambientalistas e das minorias – mais visivelmente as indígenas, mas também descendentes de quilombolas e outras comunidades camponesas tradicionais -, que podem ser apoiados por forças conservadoras por razões oportunistas. mas não são necessariamente “de direita”, muito ao contrario. Conflito semelhante apareceu na tentativa de golpe contra Rafael Correa, no Equador, em setembro de 2010. Os policiais, que chegaram a invadir a Assembleia Nacional e a manter o presidente como refém dentro de um hospital, tiveram o apoio do ex-presidente Lúcio Gutiérrez (de tom mais neoliberal e mais próximo dos EUA em política externa) e, segundo o governo dos EUA, mas também da organização indígena Confederação de.Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), que seis meses antes rompera com o governo, rejeitando a Constituinte, reivindicando um “Estado plurinacional” e considerando nulas as “concessões e autorizações mineiras, petroleiras, madeireiras, serviços ambientais, farmacêuticos, hidroelétricos e mangues realizadas pelo Estado equatoriano em

nossas terras e territórios ancestrais”.

A Conaie e seu braço político, o partido Pachakutik, aceitaram apoio de agências dos EUA como a Usaid e o National Endowment for Democracy, mas também da frente de extrema-esquerda MDP, liderada pelo Partido Comunista Marxista-Leninista do Equador, afim ao Partido Comunista Revolucionário (PCR) do Brasil. Assim como o “capitalismo andino-amazônico” de Morales e o “socialismo do século XXI” de Chávez, a “revolução cidadã” de Correa quer impulsionar a exploração de petróleo e recursos naturais, processo que em geral favorece as classes populares urbanas que começam a emergir para o consumo – são hoje maioria e sustentam a popularidade desses governos, mas frustra as expectativas de grupos marginalizados mais tradicionais.

Conflitos semelhantes surgem no Peru, onde o novo governo de Humala enfrenta a continuação e o crescimento de protestos de comunidades indígenas contra projetos mineiros e hidrelétricos iniciados no governo anterior, que envolvem tanto empresas dos EUA quanto brasileiras. Na Argentina, o líder indígena e camponês Cristian Ferreyra, de uma organização ligada à Via Campesina, foi assassinado por latifundiários com aparente conivência de Gerardo Zamora, governador de Santiago del Estero e aliado de Cristina Kirchner, crime minimizado pela mídia governista. No Paraguai, a guerrilha do Exército do Povo Paraguaio divulgou em novembro um comunicado no qual ameaça exportadores de soja (em boa parte fazendeiros brasileiros) que utilizam agrotóxicos em seus cultivos por “destruir o ambiente e adoentar nossos irmãos camponeses”. O Brasil, obviamente, tem conflitos análogos, multiplicados pela extensão de seu território e diversidade de suas populações e somados à presença de empresas, sojicultores e capitais brasileiros nos países vizinhos. As disputas sobre o Código Florestal e a Hidrelétrica de Belo Monte e os assassinatos de camponeses e indígenas na Amazônia e Mato Grosso do Sul são apenas as frentes mais visíveis de contradições do desenvolvimentismo, que levam a alinhamentos tão atípicos quanto ao do líder do PCdoB com os ruralistas do DEM e do PSD ou do PSOL com artistas da Globo.

O debate facilmente cai no maniqueísmo, mesmo se raramente é claro o que é “direita” ou “esquerda” nesses casos. Um lado pode ser acusado de ser manipulado pelos EUA ou por ONGs estrangeiras a serviço da CIA e o outro de servir ao “imperialismo brasileiro” ou às transnacionais do alumínio e do agronegócio. Mas as contradições do desenvolvimento capitalista são reais: de fato há meada opção setores populares beneficiados e prejudicados, assim como elites nacionais e estrangeiras que ganham e perdem. E à medida que a crise dos países ricos enfraquece a ortodoxia neoliberal dos anos 1990 e a faz perder relevância nos palcos políticos e intelectuais, é possível que a questão ambiental aos poucos se torne o divisor de águas na política sul-americana.

O economista Bresser-Pereira, ex-tucano, detona o neoliberalismo

O ex-presidente FHC (1995-2002), que privatizou e precarizou a Administração Pública ao implantar o neoliberalismo no Brasil, e o atual governador do Estado do Paraná, Beto Richa (PSDB), que mesmo com o fim da onda neoliberal no Brasil implanta seus ideais no estado.

Hoje na Folha de S. Paulo

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

O poder dos economistas

Interessa a eles ensinar que os sistemas são autorregulados e basta corrigir suas falhas

Desde os anos 1970 os dirigentes das instituições financeiras e os economistas viram seu poder político crescer, mas o mundo também viu um imenso aumento da instabilidade financeira.

Enquanto financistas ganhavam milhões e milhões, o prestígio e o poder dos economistas aumentava. Enquanto estes, muitos transformados em financistas, aumentavam seus ganhos, as crises financeiras se multiplicavam, e a renda de cada país se concentrava nos 2% mais ricos.

Podemos buscar várias explicações para isso, mas creio que o fato histórico novo que teve papel determinante nessa mudança foi a decisão do presidente Nixon em 1971 de suspender a conversão do dólar em ouro ou, mais especificamente, a conversão das reservas em dólares dos outros países em ouro, se seus dirigentes o solicitassem.

A partir desse momento, o dinheiro perdeu referência com a economia real; a criação, o fluxo e a destruição de moeda passaram a ocorrer com grande facilidade; o endividamento do setor privado saiu de controle e, na falta de uma verdadeira âncora para a economia, as crises financeiras se tornaram, além de mais frequentes, também mais profundas.

O poder dos financistas e dos economistas aumentou porque eles passaram a ter um papel estratégico: seriam os gestores desse novo quadro monetário-financeiro -da “financeirização” da economia mundial. Mas, passados 40 anos, verificamos que fracassaram.

Os financistas, porque se preocuparam apenas em ganhar mais dinheiro para eles e para os rentistas. Os economistas, porque construíram uma teoria matemática -a teoria econômica neoclássica- que “demonstrava” que os mercados eram autorregulados, de forma que não havia por que gerir as economias nacionais e a economia mundial. Os dois, porque, ao desregularem os mercados financeiros, estavam “desgerindo” a economia.

Dani Rodrik informou em artigo recente (publicado no “Valor”, 19.dez.2011) que um grupo de estudantes abandonou o curso de seu colega na Harvard University Greg Mankiw, protestando contra o fato de que “o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social”.

Os alunos foram benignos com a teoria econômica ortodoxa: deviam ter acrescentado que ajuda também a aumentar a instabilidade financeira e causar baixo crescimento.

Rodrik defendeu o colega, argumentando com o seu “paradoxo da globalização”: que nos cursos os economistas neoclássicos ensinam uma teoria econômica sofisticada, onde as falhas de mercado são devidamente salientadas, mas, na hora de proporem políticas, adotam um liberalismo econômico simplista. Ele está enganado.

Essa teoria econômica matemática que se ensina nas grandes universidades, baseada nos pressupostos do “homo economicus” e das expectativas racionais e no modelo do equilíbrio geral é essencialmente falsa, porque usa o método hipotético-dedutivo e porque adota como critério de verdade a coerência lógica, não a conformidade com a realidade.

Mas não é uma teoria falsa por engano; o é por arrogância matemática que lhes dá monopólio sobre o saber e porque interessa aos economistas ensinar que os sistemas econômicos são autorregulados, bastando para isso corrigir suas pequenas falhas.

Dessa forma eles usam a teoria econômica neoclássica para justificar “cientificamente” o neoliberalismo -uma ideologia reacionária que durante 30 anos (1979-2008) promoveu o atraso e a desigualdade em todos os países que a aceitaram. E, ao mesmo tempo, dizem aos cidadãos desses países que fiquem calados, já que não dominam o “conhecimento” matemático e preciso.

Veja, ainda, o post Bresser-Pereira detona o PSDB

Neoliberais desvalorizam serviços públicos sociais. Veja texto de Marcio Pochmann

Os tucanos neoliberais Beto Richa (soldado de Aécio Neves no Paraná, que pretende ser vice do mineiro), Aécio Neves (provável próximo candidato a presidente do PSDB) e José Serra (estrela do livro "A Privataria Tucana"). O governo FHC (PSDB) abriu somente 11 milhões de ocupações, sendo 62,5% delas sem remuneração.

Hoje na Folha de S. Paulo

MARCIO POCHMANN

Novos personagens?

O adicional de ocupados na base da nossa pirâmide social reforçou a classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média

A centralidade do trabalho, conferida pelo impulso das políticas públicas em pleno ambiente de recuperação econômica dos últimos anos, foi responsável pelo fortalecimento do segmento situado na base da pirâmide social brasileira.

Na década de 2000, por exemplo, foram 21 milhões de novos postos de trabalho abertos, sendo 95% deles com remuneração de até 1,5 salário mínimo mensal, capazes de permitir a redução tanto do mar de pobreza existente como do patamar extremo da desigualdade no interior do rendimento do trabalho.

Na década de 1990, o Brasil das políticas neoliberais abriu somente 11 milhões de ocupações, sendo 62,5% delas sem remuneração.

O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média.

Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais.

A interpretação de classe média (nova) resulta, em consequência, no apelo à reorientação das políticas públicas para a perspectiva fundamentalmente mercantil. Ou seja, o fortalecimento dos planos privados de saúde, educação, assistência e previdência, entre outros.

Nesse sentido, não se apresentaria isolada a simultânea ação propagandista desvalorizadora dos serviços públicos (o SUS, a educação e a previdência social).

A despolitizadora emergência de segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações de interesse para a classe trabalhadora ampliada. Ou seja, o escasso papel estratégico e renovado do sindicalismo, das associações estudantis e de bairros, das comunidades de base, dos partidos políticos, entre outros.

No final da década de 1970, estudos como o de Eder Sader (“Quando Novos Personagens Entram em Cena”) buscaram destacar que o crescimento econômico da ditadura militar culminou com o novo movimento de ascensão do grande contingente de brasileiros oriundos da transição do campo para cidades.

Aquela mobilidade na base da pirâmide social, que havia sido contaminada pela precariedade das cidades e dos serviços públicos, foi capturada pelo novo sindicalismo e por comunidades de base, o que impulsionou a luta pela transição democrática e pelo aparecimento das políticas sociais universalistas. Isto é, a chave do rompimento à longa fase da cidadania regulada predominante no Brasil, como descreveu Wanderley dos Santos (“Cidadania e Justiça”).

Ainda que no cenário derrotista das teses neoliberais vigente atualmente, elas parecem se renovar e ganhar impulso marqueteiro na agenda mercadológica do consumo. Isso torna a agenda das políticas públicas assentadas na centralidade do trabalho desafiada, posto que a força difusora de um conceito equivocado sobre alterações na estratificação social pode levar à dispersão e fragmentação da atuação do Estado.

O entendimento correto acerca do impulso ampliado da classe trabalhadora deveria ser acompanhado da transformação dos segmentos sociais emergentes em novos personagens pelas instituições democráticas atuais. Dessa forma, soergueriam os atores protagonistas da contínua luta pelas políticas públicas universais.


MARCIO POCHMANN, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O Blog do Tarso é citado por importante blog cubano. Obrigado!

O Blog do Tarso foi citado pelo importante blog cubano La Pupila Insomne de Iroel Sánchez Espinosa, sobre o post Jornal Nacional se pauta apenas em blogueira patrocinada internacionalmente para atacar regime em Cuba. Obrigado!

Os números do Blog do Tarso de 2011, o seu primeiro ano (fundação em 1.1.11)

Os duendes de estatísticas do WordPress.com prepararam um relatório para o ano de 2011 deste blog.

Aqui está um resumo:

O Museu do Louvre, em Paris, é visitado todos os anos por 8.5 milhões de pessoas. Este blog foi visitado cerca de 200.000 vezes em 2011. Se fosse o Louvre, eram precisos 9 dias para todas essas pessoas o visitarem.

Clique aqui para ver o relatório completo