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Médicos, Unimed e Planos de Saúde: saúde não é mercadoria!

Amanhã médicos, dentistas e fisioterapeutas não vão atender consultas dos planos de saúde, pelo aumento no valor repassado a eles pelos planos. Tanto os profissionais da saúde quanto os planos de saúde estão errados. O que é preciso no Brasil é aplicar nossa Constituição de 1988.

A saúde é um dever do Estado e sua execução deve ser feita pela Administração Pública ou pela sociedade, sendo que uma das diretrizes é a participação da comunidade. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada, que participa de forma complementar ao sistema único de saúde, com a preferência de entidades filantrópicas e sem fins lucrativos e sendo vedados auxílios e subvenções a empresas com fins lucrativos (arts. 196-199). Na área da saúde fica claro que o Estado deve ser responsável por executar diretamente os serviços, sendo possível, sem a necessidade de concessão ou permissão, que entidades privadas, sejam do mercado (empresas com fins lucrativos) ou do “terceiro setor” (entidades sem fins lucrativos), prestem este serviços. De qualquer forma, a participação da comunidade poderá se dar na execução direta de serviços de saúde, mas também por meio da fiscalização e cobrança das políticas, por meio, por exemplo, de conselhos gestores da política da saúde com participação popular. José Afonso da Silva é claro ao interpretar que a Constituição obriga que o Estado preste os serviços de saúde, pela Administração Pública direta ou por suas entidades da Administração Pública indireta. Sobre o tema ver meu livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010)

Quando critico os planos de saúde no Brasil os conservadores sempre têm a frase feita: “é melhor do que ser atendido por hospital público”. Mal sabem que nossos hospitais públicos tinham qualidade até a década de 70 no Brasil, e os militares, por pressão de interesses privados, passaram a precarizar nossa saúde, sempre com o intuito de cada vez mais o discurso de que a saúde privada é mais eficiente sagrasse-se vencedor. Precarização com o simples intuito de privatizar, é o que fazem governos neoliberais.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, criada pelo Governo FHC para regular o setor, cada vez mais privatizado, como todas as demais agências reguladoras do Brasil e do mundo foi capturada pelos interesses privados, dos planos de saúde, do mercado.

Chega da saúde ser tratada como mercadoria no Brasil! Segundo a Constituição brasileira saúde é um dever do Estado. O Estado deve cumprir o seu dever constitucional, de ser o principal ator na prestação dos serviços de saúde. A Constituição permite que a iniciativa privada, de forma excepcional, complemente e suplemente os serviços não realizados pelo Estado.

Defendo que nunca mais no Brasil ninguém mais deixe de ser atendido porque não tem plano de saúde, ou porque seu plano não cobre a doença X ou Y.

Chega dos médicos serem comprados pelos laboratórios de remédios, com viagens “grátis” pelo Brasil e pelo mundo, em troca de empanturrar a população com remédios caros, inúteis ou com efeitos colaterais malígnos. Afinal de contas é mais fácil receitar um “remedinho” do que “perder tempo” com os pacientes, que precisariam muito mais de uma medicina preventiva.

Chega de profissionais da saúde insenvíveis e sem nenhuma noção da função social de suas profissões.

Pelo fim das privatizações realizadas por meio de Organizaçoes Sociais da Saúde, com o simples intuito de fuga do regime jurídico administrativo (licitações, concursos públicos, controles, etc).

Pela popularização também dos cursos de medicina.

Por uma saúde universal e gratuita para todos os brasileiros, conforme determina a Constituição.

Para quem ainda não assistiu recomendo o filme Sicko – $O$ Saúde, de Michael Moore. O filme critica o sistema de saúde estadunidense, país que não tem universalização da saúde e mais de 50 milhões de cidadões não tem plano de saúde. Os 250 milhões que têm plano de saúde sofrem nas maos dessas empresas que apenas querem o lucro e estão se “lixando” para os usuários.

Algumas estórias do filme são aterrorizantes. Conta, por exemplo, a estória de um estadunidense sem plano de saúde que teve dois dedos amputados. Sem saúde pública gratuita, ele teria que pagar US$ 12.000,00 para reimplantar o dedo anular e US$ 60.000,00 pelo dedo médio. Escolheu implantar apenas um dedo.

O filme mostra também cidadãos com planos de saúde que têm que pagar taxas extras quando precisam do plano. Mostra uma família em que o homem teve problemas no coração e a mulher câncer. Sem atendimento universal, “faliram” e foram morar com a filha. Mostra que nos EUA planos de saúde que não aceitam magros demais, gordos demais, etc.

Outra estória chocante: um planos de saúde que pagou apenas pelo tratamento de um ouvido de uma criança, sendo que ela tinha problema nos dois. Ou seja, os planos recusam exames essenciais.

No país de primeiro mundo, modelo para os neoliberais da saúde brasileira, quem mais precisa não consegue um plano de saúde, e a saúde pública não existe.

Nos EUA os médicos contratados pelos planos de saúde considerados bons são os médicos que mais recusam atendimentos. Eles ganham bônus, ganham reputação, aumento de cargos, se seguirem a cartilha de negação de atendimentos para os usuários dos planos. Será que tem Unimed nos Estados Unidos?

Na mesma época do Brasil, o filme mostra que o Presidente Nixon, em 1971, começou a precarizar os hospitais públicos e incentivar os planos de saúde. Algo que acontece aqui desde a ditadura militar.

Moore informa que democratas Clinton e Hillary queriam criar a cobertura universal durante o Governo Clinton, e na época a mídia republicana e a Associação Médica Americana foram contra, chamando de controle socialista. Os planos de saúde gastaram 100 milhões em lobby contra a proposta democrata, e a partir daí os Clintons silenciaram. Depois disso Hillary foi a segunda que mais recebeu dos planos para sua campanha ao Senado. Será que algo parecido acontece no Brasil?

É claro que Bush Filho e os republicanos enterraram de vez a saúde universal. O filme não mostra, mas agora o Presidente Obama começa a querer implementar a saúde universal novamente.

Sicko mostra estadunidenses que têm que mentir que moram no Canadá e se casam com canadenses para receberem tratamento no país vizinho. E a mídia norte-americana critica a medicina no Canadá (lá a grande mídia é pior que a Revista Veja).

No Canadá existe universalização da saúde, e de qualidade. Na Inglaterra a mesma coisa, e com remédios de até 10 dolares, e quem não tem dinheiro ganha o dinheiro do transporte ida e volta ao hospital. O filme informa que o Serviço Nacional de Saúde, criado no pós guerra em 1948, nem a neoliberal Primeira Ministra Thatcher  acabou com ele. O sistema tem médicos que ganham bem, mas que não precisam ficar milionários. Na França o serviço de saúde também é universal.

Enquanto que nos EUA os hospitais privados jogam as pessoas no meio fio ou em abrigos. Moore mostra que os trabalhadores do resgate do 11 de setembro voluntários desenvolveram problemas respiratórios e psicológicos graves. Mas como não conseguem provar que foi devido ao resgate, o governo os trata como os planos de saúde: nega-lhes dinheiro de um fundo criado para isso.

Moore informa que os detentos de Guantanamo têm cuidados médicos e é o único lugar em solo estadunidense (a base é em Cuba) em que as pessoas têm tratamento gratuito e universal.

Moore pegou dois barcos com os desatendidos voluntários do 11/09 e levou para Guantanamo, que claro não os atendeu. O serviço universal e gratuito de Cuba os atendeu. Cuba que tem uma taxa de mortalidade infantil menor que a dos EUA, perpectiva de vida maior que nos EUA, e o remédio que custa 120 dolares nos EUA custa 5 centavos em Cuba. Um sistema de saúde universal, gratuito e generoso, um dos melhores do mundo. Assistam o filme, vale a pena!

Confesso que em Cuba o turista tem que pagar pela saúde, mas o cidadão cubano não!

Sobre Cuba, informo ainda que o país possui um dos menores índices de mortalidade infantil do mundo, com 5 óbitos para cada 1 mil nascidos até 1 ano de idade, melhor índice do que o norte-americano. A expectativa de vida de 77 anos é uma das maiores da região, o que coloca o país na 55ª posição dentre 244 países. O Brasil, com média de 72 anos, figura na 123ª posição global. O índice de contaminação da população por Aids também é um dos menores dos mundo, pois a doença atinge apenas 0,1% da população. Índice comparável ao de países como Finlândia e Noruega e representa a metade do registrado na Dinamarca. No Brasil a taxa é de 0,6%.

Enquanto isso, aqui no Brasil, os médicos privados apenas atendem rápido se você pagar em dinheiro para eles, se for via plano uma consulta demora meses, como ocorre no atendimento público. Isso vai contra a ética médica! Além disso, ainda te oferecem o preço sem recibo, mais barato, e com recibo, mais caro. Ou seja, ainda não querem pagar impostos! E é claro, alguns ainda mais cafajestes vendem recibos em época de declaração do Imposto de Renda.

Sim, médicos, planos de saúde e Unimed, algo tem que ser mudado na saúde brasileira: aplicação da Constituição e que vocês deixem de tratar a saúde como mercadoria! Que o nosso norte seja para que nunca mais nenhum brasileiro tenha que se preocupar com dinheiro para ser atendido por um hospital ou médico!

Interesse público do Estado

Publicado hoje na Gazeta do Povo

Por JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Certamente não há interesse público no destino político de um determinado parlamentar, a justificar o uso de dinheiro público para custear ações voltadas a aumentar o prestígio pessoal

Professor diz que aposentadoria de Governadores do regime ditatorial devem ser “extirpadas”. Com a palavra Beto Richa, que não extirpou a aposentadoria de Dona Arlete Richa

Não vale para um, não vale para todos

Por ANDRÉ FOLLONI

Nenhum progresso para o Estado brasileiro resulta da manutenção de privilégios remanescentes do regime ditatorial, de triste memória

Foi bastante divulgada a decisão do governador Beto Richa, que acatou parecer normativo do procurador do estado Roberto Altheim, cancelando as aposentadorias que recebiam os ex-governadores do estado, eleitos já na vigência da Constituição de 1988.

A aposentadoria especial de governadores, realmente, não se justifica. Há um movimento, aparentemente geral, contra o benefício. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal, contra o artigo 85, § 5.º, da Constituição do estado do Paraná, seguindo movimento já feito em relação ao Mato Grosso do Sul, Sergipe e Rondônia. Assim, a OAB cumpre sua importante função pública de defesa da Constituição Federal, custeada, para tanto, por todos os advogados do Brasil.

O preceito atacado concede um “subsídio” – como um salário de aposentadoria – a ex-governadores de estado. A ADI da OAB está fundamentada em parecer de José Afonso da Silva, um dois mais importantes estudiosos de direito constitucional da história do Brasil. Entre outros argumentos de caráter técnico-jurídico, a petição aponta que subsídios só podem ser pagos a quem está no exercício de determinadas funções públicas, não sendo, portanto, cabíveis a quem já não mais exerce aquelas funções.

Outro argumento, esse mais importante, diz respeito a uma questão de isonomia: não se pode conceder uma condição diferenciada a alguém, senão com fundamento em algum motivo juridicamente razoável. Se todos podem conseguir aposentadoria, em função pública, apenas após 35 anos de contribuição para os homens, e 30, para as mulheres; e apenas após atingir 65 anos de idade para os homens, e 60, para as mulheres; o que justificaria que o governador do estado, após trabalhar apenas quatro anos, ou menos, tivesse aposentadoria integral? Não há razão suficiente que justifique a diferença. Se todos, para obter aposentadoria, precisam contribuir com a previdência pública durante muitos e muitos anos, por que os governadores e seus dependentes teriam condição privilegiada? Não há razão suficiente que justifique o privilégio. Até aí, a decisão é acertada, e merece todos os aplausos.

O problema está em relação aos governadores empossados antes de 1988. Como a Constituição de 1967, feita durante o regime militar autoritário, tinha norma que aceitava essa regalia, sustenta-se que apenas se podem cancelar as aposentadorias dos governadores eleitos após a Constituição de 1988. Isso é um erro. Se a Constituição atual não aceita um privilégio dessa espécie, ela também não recepciona benefício semelhante concedido pela Carta anterior. Com a vigência da Constituição nova, perdem aplicabilidade todas as normas anteriores com ela incompatíveis. Essa é, claramente, uma delas, como tantas outras normas do regime ditatorial que ainda infestam nosso ordenamento jurídico supostamente democrático.

Por isso, cumpre ir mais adiante na extirpação das regalias dos ex-governadores e de seus dependentes: se é verdade que a aposentadoria não vale para os governadores eleitos após 1988, como efetivamente é, também é verdade que ela não vale para os anteriores. Nesse caso, se não vale para um, não vale para todos. Nenhum progresso para o Estado brasileiro resulta da manutenção de privilégios remanescentes do regime ditatorial, de triste memória. É preciso, rapidamente, acabar com todos eles, instaurando, de vez, um Estado Democrático de Direito no Brasil.

André Folloni, advogado, é mestre, doutorando em Direito e professor da PUCPR

Neoliberalismo