Morreu Carlos Nelson Coutinho

Hoje morreu o filósofo e cientista político Carlos Nelson Coutinho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aos 69 anos, de câncer. Coutinho era um dos maiores especialistas na obra de Antonio Gramsci no Brasil.

Na minha dissertação de mestrado na UFPR Uma análise crítica do ideário do “Terceiro Setor” no contexto neoliberal e as Parcerias entre a Administração Pública e Sociedade Civil Organizada no Brasil que depois se transformou no livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 2ª ed., 2010), me utilizei muito das obras e textos de Carlos Nelson Coutinho “Gramsci: um estudo sobre o seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999”, “Marxismo e Política: a dualidade de poderes e outros ensaios, 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1996”, “Entrevista. Por Emiliano José e José Corrêa Leite. In: Revista Teoria e Debate nº 51, jun/jul/ago 2002” e “Apresentação na capa da obra MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social. São Paulo: Cortez, 2002”.

Carlos Nelson Coutinho dizia que o neoliberalismo e o ideário do “terceiro setor” alimenta a idéia de que a sociedade civil é algo além do Estado e do mercado. Para ele sociedade civil é Estado, é política. Ele era contra o ideário neoliberal do “terceiro setor”, pois as classes subalternas têm vistas à progressiva construção de uma sociedade socialista, que exige não a minimização do Estado, mas sua radical democratização. Coutinho, sobre a “guerra de posição” gramsciana (conquista progressiva, ou processual, de espaços no seio e por meio da sociedade civil, visando a conquista de posições) dizia que seria uma condição para o acesso ao poder de Estado e para sua posterior conservação, onde não há lugar para a espera messiânica do “grande dia”, mas sim uma transformação da classe dominada em classe dirigente antes da tomada de poder, como estratégia para a transição ao socialismo. Para o autor, o Brasil é hoje uma sociedade “ocidental”, mas cada Estado requer um cuidadoso reconhecimento de caráter nacional, e, no nosso caso, ele entendia que ainda está em grande parte por ser feito.

Veja a entrevista que a Revista Sem Terra (2005) fez com ele, republicada hoje no site do Brasil de Fato.

Antonio Gramsci já previa a existência da revista Veja como partido político

“Um jornal (ou um conjunto de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas), são também eles ‘partidos’, ‘frações de partidos’ ou ‘funções de um determinado partido’. Veja-se a função do Times na Inglaterra, a que teve o Corriere dela Sera na Itália, e também a função da chamada ‘imprensa de informação’, supostamente ‘apolítica’, e até a função da imprensa esportiva e da imprensa técnica”.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno, 7ª ed., 1989, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 23.

Tarso Cabral Violin – Blog do Tarso

“Odeio os Indiferentes” – Antonio Gramsci

Divulgado pelo Blog MidiaCrusis

Os Indiferentes

Antonio Gramsci

11 de Fevereiro de 1917

Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci

Do Marxists

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.