Estranho nacionalismo

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Por ANDRÉ SINGER, hoje na Folha de S. Paulo

A MP dos Portos, aprovada depois de impressionante guerra político-empresarial no Congresso, deverá marcar o governo Dilma, talvez comprometendo de maneira indelével o caráter nacional-desenvolvimentista que a presidente procurou imprimir aos anos iniciais de seu mandato.

Em primeiro lugar, porque a orientação do projeto é privatista, embora o Executivo não goste que se fale em privatização. É verdade que os portos já estavam parcialmente em mãos privadas desde a reforma de 1993. No entanto, em lugar de restabelecer o primado do Estado numa área vital, a 595 abriu o espaço dos negócios portuários para outras empresas (as quais também já operavam no setor, porém em caráter, digamos, provisório).

Daí a disputa que se estabeleceu na Câmara dos Deputados nesta semana. Os que já estavam não queriam sair. Os “de fora” queriam substituir os antigos donos do pedaço.

Como se trata de interesses que envolvem bilhões de reais, vastos recursos foram usados para mobilizar parlamentares de um lado e de outro. Empresários como Daniel Dantas e Eike Batista e conglomerados como Odebrecht e Oetker (que detém a companhia de navegação Hamburg Süd) foram alguns dos nomes famosos que circularam nas notícias da semana. Ou seja, além de aumentar a privatização dos portos, a MP acelerou a galopante privatização do Legislativo brasileiro.

Em segundo lugar, a pretexto de aumentar a concorrência, o novo marco regulatório parece ter dado a alguns gigantes econômicos benefícios de tal ordem que, no médio prazo, os portos estatais irão quebrar. É o que afirmaram o senador Roberto Requião (PMDB-PR) e, por incrível que pareça, a nota técnica da liderança do PT. Isso explica por que o partido votou em bloco a favor da medida, mas com defesas tímidas do conteúdo, apelando para uma vaga ideia de modernização, tão a gosto dos liberais.

Ao aceitar o argumento neoliberal de que só o mercado é capaz de controlar o mercado, deixou-se de lado a alternativa de reconstruir a capacidade pública para ordenar um setor-chave da economia brasileira. Em outras palavras, aprofundando o viés liberalizante da política iniciada na década de 1990, Dilma pode ter enterrado o sonho de recuperar a soberania nacional em terreno estratégico.

Ainda que possa estar satisfeita com a vitória de última hora, não creio que o instinto desenvolvimentista da presidente a deixe dormir em paz com a perspectiva acima, que o grande capital evidentemente comemora. Resta ver se, pelo menos, tantas concessões irão trazer os frutos esperados em matéria de crescimento do PIB. A conferir.

ANDRÉ SINGER escreve aos sábados na Folha.

avsinger@usp.br

3 comentários sobre “Estranho nacionalismo

  1. Parece que alguns pararam de ler john maynard keynes e começaram a ler frederick von hayek, ou melhor, começaram no manifesto comunista e pararam no Mises.

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  2. Em primeiro lugar, porque a orientação do projeto é privatista, embora o Executivo não goste que se fale em privatização. É verdade que os portos já estavam parcialmente em mãos privadas desde a reforma de 1993. No entanto, em lugar de restabelecer o primado do Estado numa área vital, a 595 abriu o espaço dos negócios portuários para outras empresas (as quais também já operavam no setor, porém em caráter, digamos, provisório).

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  3. Um amigo meu,que adora montar charadas,me perguntou:O que a Dilma e juiz Carlos Amarilha(jogo Corinthias X Boca) tem em comum?Não encontrei relação lógica,não soube responder,ao que ele me disse:não podemos provar,mas uma atuação que pode excluir ele dos quadros da FIFA,e uma negação de uma historia de vida(Guerrilheira urbana,presa política torturada,citada até pelo Sr. Carlos Alberto Brilhante Ulstra ex DOI-CODI),segundo ele,nos dois casos,não podemos provar,mas sabemos que tem algo por trás de tais atitudes, da Dilma a MP 595(Portos) foi o fim de uma ilusão.

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