Há 40 anos Allende era assassinado pelo golpe militar no Chile

Veja texto de ontem publicado na Folha de S. Paulo

Vladimir Safatle

Chile, 40 anos depois

Amanhã fará 40 anos que o Chile passou por um dos mais brutais golpes de Estado da história recente. País historicamente avesso a intervenções militares, o Chile era, até 11 de setembro de 1973, um dos mais inovadores laboratórios de transformação social do Ocidente.

Salvador Allende liderou um governo que procurava, ao mesmo tempo, superar índices vergonhosos de desigualdade econômica, enquanto aprofundava mecanismos de democracia direta e de respeito às estruturas da democracia parlamentar. Seu caminho era uma via inovadora entre as sociedades burocráticas do Leste Europeu e as dos países capitalistas.

Na verdade, tal caminho encarnava o medo mais profundo de países como os EUA em plena Guerra Fria. Tratava-se do medo de uma experiência capaz de aproximar práticas socialistas de redistribuição de riquezas com uma democracia pluripartidária.

Por isso, Salvador Allende foi vítima de um conjunto de ações de sabotagem econômica e de criação de clima de instabilidade política que mereceriam levar Henry Kissinger, então secretário de Estado norte-americano e hoje saudado como grande diplomata, ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional. Tais ações encontram-se fartamente registradas em documentos norte-americanos que passaram, nos últimos anos, ao domínio público.

Mesmo sendo vítima dessa política covarde, os votos aos partidos da base de Allende cresceram nas eleições legislativas de 1973, o que redundou em aumento da participação parlamentar. Estava claro que a única saída para derrubá-lo seria o golpe.

Alguns gostam de relativizar o período Pinochet, apelando para a falácia de que, apesar da ditadura, foi um momento de crescimento econômico e riqueza. Eles procuram esconder que, entre 1950 e 1971, o PIB chileno cresceu, em média, 2% ao ano. Já entre 1972 e 1983, ele recuou (sim, recuou) 1,1%. Foi apenas nos últimos cinco anos, com o comando econômico de Hernán Büchi, que o governo Pinochet conseguiu recuperar-se parcialmente desse abismo.

Mesmo assim, em 1970, a relação entre o PIB por habitante do Chile e o dos EUA era de 35,1%. Em 1992, esse mesmo índice era de 33,6%. O mínimo que se pode dizer é que os liberais latino-americanos têm uma concepção bastante peculiar do que devemos entender por “sucesso”.

Hoje, com os chilenos voltando a descobrir a força das ruas, que redundou em manifestações populares massivas por serviços públicos de qualidade, e prestes a despachar o impopular único governo direitista de sua história recente, pode-se dizer que a experiência de Allende não foi em vão.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.

Líder do movimento estudantil, Camila Vallejo perde eleição no Chile

Do Opera Mundi

Gabriel Boric será o novo presidente da Fech; analista vê sinal de radicalização

Camila Vallejo, o rosto mais conhecido e carismático do movimento estudantil chileno – que nos últimos sete meses abalou o governo de Sebastián Piñera com protestos, choques e greves – foi derrotada nesta terça-feira (06/12) na eleição para presidente da Fech (Federação de Estudantes da Universidade do Chile), a entidade mais importante do setor.

O resultado, publicado na madrugada de hoje, revela um desejo de radicalizar os protestos estudantis em 2012, já que a corrente vencedora, mais radical, rechaça a via parlamentar como espaço de resolução das demandas estudantis, de acordo com analistas ouvidos pelo Opera Mundi. O novo presidente, o estudante de Direito Gabriel Boric, falou em estabelecer alianças com outros movimentos sociais em 2012.

Haroldo Ceravolo Sereza

Em agosto, Camila Vallejo (ao centro), esteve em Brasília durante ato da UNE

“Nossa proposta é construir novos setores políticos. A atual institucionalidade no Chile não tem largura para conter as demandas do movimento estudantil e nossa proposta será de confluir com diversos atores sociais. Não estamos dispostos a seguir delegando nossa vocação transformadora aos políticos de ontem. Chegamos para ficar”, disse Boric.

Boric apresenta uma mudança em relação a Vallejo por não ter filiação política, nem ideológica. Ele representa uma corrente autonomista, anti partidisma. Por isso, nao está vinculado aos trotskistas ou stalinistas, já que nao é comunista. Tampouco é anarquista. Nao está vinculado a partidos e sua proposta é exatamente anti-partidária.

Oito listas concorreram na eleição, realizada na segunda e terça-feira. A lista vencedora, F, Criando Esquerda, recebeu 4.053 votos. A lista J, Esquerda Estudantil, de Camila Vallejo, terminou com 3.964, uma diferença de apenas 89 votos.

O sistema eleitoral adotado pela Fech, entretanto, prevê que o candidato mais votado da lista mais votada assuma a presidência. E o segundo candidato mais votado, de qualquer lista, assuma a vice-presidência. Assim, embora Camila tenha perdido a presidência, ficará com a vice-presidência da Fech.

Outros representantes de listas menos votadas também farão parte da direção do movimento, assumindo cargos de secretaria geral e comunicação, por exemplo. Nenhum candidato de direita conseguiu votos suficientes para compor a direção e pelo menos um anarquista, da lista I, conseguiu entrar.

O novo presidente [foto ao lado] expressou sua admiração por Camila e elogiou sua “entrega (à causa) a todo custo”. Boric é da região mais austral do Chile, Magalhães. Ele diz que quer liderar “um movimento que não mude apenas a educação, mas que mude o Chile”.

Comunista, Camila era a menos radical

A derrota de Camila, que é membro da Juventude Comunista, é vista pelo analista político chileno Nibaldo Mosciatti como uma opção dos estudantes pelo radicalismo. “De forma aproximada, podemos dizer que a eleição na Fech reproduziu um movimento parecido com o que ocorreu no Chile com a Unidade Popular (governo do presidente socialista Salvador Allende, deposto por um golpe de Estado em 1973)”, disse ao Opera Mundi. “Naquela época, os comunistas representavam a ala menos radical, a ala que defendia a via parlamentar como foro adequado para a resolução dos conflitos, da mesma forma que acontece agora. Mas os setores mais radicais, neste caso, os anarquistas, os autônomos e mesmo os socialistas não veem o parlamento nem a política formal como instâncias representativas”, completou.

Depois de sete meses de paralização dos estudantes, protestos e choques com a polícia, Camila e seu vice, Giorgio Jackson, vinham privilegiando a opção de trasladar o debate político sobre as demandas estudantis para o Parlamento, especialmente para os trabalhos das comissões de Orçamento e Educação, como forma de pôr um fim ao impasse. Mas os setores mais radicais consideram a opção uma derrota.

“Os mais radicais têm a característica de apostar fortemente no assembleismo permanente, na mobilização social abrangente. Falam muito sobre o descrédito dos partidos políticos e culpam o Partido Comunista, de Camila, por ter se aliado à Concertação (coalizão governista de centro-esquerda que governou o Chile nos últimos 20 anos e, do ponto de vista dos estudantes, não promoveu as mudanças necessárias na educação)”, disse Mosciatti.

O Chile terá eleições locais em 2012 e parlamentares e presidenciais em 2013. Camila é uma das três personalidades políticas mais bem avaliadas do Chile – atrás apenas da ex-presidente chilena, Michelle Bachelet, e do ministro dos Transportes do atual governo, Laurence Golbourne, visto como o responsável pela operação de resgate dos 33 mineiros presos em Atacama, em agosto de 2010, quando então era ministro da Mineração. Para alguns analistas, Camila poderia candidatar-se a deputada em 2013.